A Morte do Demônio: Como um filme experimental se tornou um clássico do horror

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A Morte do Demônio: Como um filme experimental se tornou um clássico do horror

Por Junno Sena

Com o orçamento de “um pastel e um caldo de cana”, Sam Raimi construiu uma das maiores franquias do horror com A Morte do Demônio (1981). A produção foi o primeiro tijolo de uma cabana que conta com duas sequências, um remake de sucesso, videogames, quadrinhos e três temporadas de uma série de TV. Mas, como um filme tão experimental e de baixa qualidade conseguiu tal feito?

Seguindo a clássica história de jovens adultos presos em uma cabana amaldiçoada, A Morte do Demônio é baseado no curta de Sam Raimi, Within the Woods, de 1979. Ambas as produções são protagonizadas pelo amigo de longa data do diretor, Bruce Campbell. E é nesse tom de amizade que o filme é construído.

É palpável como Raimi, Campbell, Tom Sullivan ou qualquer outro indivíduo envolvido na produção, não tinham o dinheiro necessário para fazer um filme que se igualasse com sucessos da época, como Um Lobisomem Americano em Londres, Grito de Horror ou Possessão. E, mesmo assim, conseguiram.

Bruce Campbell e Sam Raimi no set de filmagens de Within the Woods

O principal fator para isso foi o trabalho de Tom Sullivan, artista de efeitos especiais de maquiagem, que se juntou à equipe de produção após ficar fascinado com o que Raimi havia feito anteriormente. Sullivan foi responsável por adicionar sangue e muita carnificina, dando destaque ao único ponto positivo de Within the Woods, de acordo com Raimi: o gore.

Mas isso não significa que tudo deu certo de primeira. A produção de A Morte do Demônio pode ser considerada uma das mais conturbadas da história do cinema. A inexperiência da equipe garantiu desde membros feridos durante as filmagens até a equipe se perdendo na floresta no primeiro dia de gravação. Talvez pelo trabalho “cru” da equipe, o longa foi considerado um dos mais impressionantes, sanguinários e assustadores da época, chamando a atenção de, principalmente, os censores.

Uma onda de conservadorismo e censura

Imagem do set de filmagens de Uma Noite Alucinante 2

Enquanto Stephen King se surpreendia com a originalidade de A Morte do Demônio no Festival de Cannes de 1982, a carreira de Raimi era catapultada na Europa. Inicialmente, o longa passou apenas na cidade do diretor, Detroit. Mas, o agente Irvin Shapiro o levou até Cannes, o que chamou a atenção de negociantes europeus. Foi então que, em 1983, chegou às salas de cinema com alguns poucos cortes.

Seu lançamento pelo resto do Reino Unido foi o que tornou a produção um sucesso. Se não fosse pelo entusiasmo da distribuidora britânica com o longa, o filme nunca se tornaria um dos principais “rostos” para a campanha conservadora do continente contra os “video nasties”.

Podendo ser traduzido como “porcaria de vídeos” ou “vídeos desagradáveis”, video nasties foi um termo cunhado no Reino Unido durante um movimento de proibição de obras vistas como “controversas”. Na época, com a popularidade dos videocassetes e como qualquer um poderia adquirir, ou até produzir, um sucesso de Hollywood, surgiu uma onda de conservadorismo e censura.

Mary Withehouse foi o rosto da guerra contra os “video nasties”

Utilizando da paranóia do público para interesses unilaterais, diversas produções ganharam o selo de “proibido” em diversos países. Dentre tantos títulos, estava A Morte do Demônio, descrito por Mary Whitehouse, fundadora do movimento contra os video nasties, como o “número um” entre as produções que deveriam ser evitadas pelo público.

Essa história não é nova. No mundo dos quadrinhos, tivemos um movimento por parte dos conservadores em 1950, que alegava que tais histórias “influenciavam negativamente as crianças”. Aqui, esse mesmo medo ganha um novo bode expiatório: os videocassetes. Enquanto, anteriormente, para se consumir um filme, fosse necessário ir até salas de cinema, agora precisava apenas de um aparelho, uma televisão e uma locadora.

Os anos 80 foi o primeiro vislumbre de que qualquer um podia ser o seu próprio produtor de conteúdo. E algo assim, sem regulamento, assustou o governo. Foi então que surgiram figuras como Constance Mary Whitehouse e a formação de órgãos como o National Viewer’s and Listene’s Association (Associação Nacional de Espectadores e Ouvintes).

Ao lado de seu marido, Ernest e o Reverendo Basil e Norah Buckland, Mary monitorava canais, mídia, videocassetes e reportava para o governo e consultores. Aos poucos, uma extensa lista de “proibidões” foi criada. O que Mary não esperava era que essa fosse a campanha perfeita para que produções como A Morte do Demônio se tornassem um grande sucesso.

O número um entre os “nasties”

A popularidade negativa de A Morte do Demônio impulsionou o longa para se tornar um clássico

Existia algo em A Morte do Demônio que, para Mary Whitehouse, era “obsceno”, mas para o público se tornou “criativo” e “inovador”. O trabalho de arte de Sullivan, junto de uma direção que usava a adversidade como meio para criar algo novo, deixou todos deslumbrados. Fosse pelo seu conteúdo que parecia tão real, fosse pela perversidade por trás do roteiro.

Em outras palavras, “a curiosidade matou o gato”. A propaganda de Whitehouse foi tão negativa, o filme sofreu tantos cortes e foi proibido em tantos lugares, que, em determinado momento, todo mundo queria saber o porquê de todo o alvoroço.

O mais curioso, quase quarenta anos desde o lançamento do longa no Reino Unido, é como a produção nunca parece ter sido entendida pelo governo. Pelo contrário, a história de Raimi não possui grandes aspectos políticos ou sociais, mas se trata de uma produção experimental, mostrando que “qualquer um” pode fazer um sucesso de bilheteria.

Para Raimi, o real problema é “quando as pessoas permitem que censores determinem o que é certo ou errado”

Cegos com os gritos e o xarope de milho de A Morte do Demônio, os censores não perceberam que o real problema eram eles. No livro de John Martin, Seduction of the Gullible: The Truth Behind the Video Nasty, Sam Raimi diz:

“O verdadeiro problema não são filmes como A Morte do Demônio, por que não é realmente importante a não ser que seja visto. O real problema é, quando as pessoas permitem que censores determinem o que é certo ou errado, uma vez que lhe dão esse poder, quem pode dizer que uma imagem politicamente perturbadora que diferente politicamente da opinião dos censores não deveria ser censurada? Os britânicos não deveriam dar esse poder, porque logo irão descobrir que outros direitos estão sendo tirados deles, um por um, até que não tenham mais o direito de falar por si mesmos”.

Um pós-vida macabro

Ash vs. Evil Dead trouxe tudo que os fãs da franquia gostam em A Morte do Demônio e mais

Desta forma, a vida útil de A Morte do Demônio se estendeu para além do fim de movimentos conservadores como esse. Assim como os macabros “deadites” da franquia, a história de Sam Raimi foi capaz de se manter pulsante por anos. O sucesso do primeiro filme, garantiu a produção de Uma Noite Alucinante 2, de 1987, que serve quase como um remake de A Morte do Demônio, mas com mais humor, sangue e dinheiro.

Indo contra todas as expectativas de como deveria terminar a história de seu protagonista, Ash Williams, Raimi ainda fez Uma Noite Alucinante 3 em 1992. Aquele se tornou o “ponto e vírgula” da franquia. Uma que se manteve viva em quadrinhos com encontros com Freddy Krueger e jogos para PlayStation.

A mesma apenas retornaria para os cinemas em 2013, sob a direção de Fede Alvarez, que deixaria o lado cômico de Ash de lado e investiria na brutalidade. A falta de Bruce Campbell no remake somado a como a franquia deixou um espaço no coração dos fãs e de Raimi, deu a oportunidade para a criação de uma série em 2015, Ash vs. Evil Dead.

O retorno da franquia para os cinemas com A Morte do Demônio: A Ascensão

Com três temporadas, Bruce Campbell, Lucy Lawless e, até mesmo, Ted Raimi, criaram uma nova leva de fãs. O que garantiu um novo jogo multiplayer, Evil Dead: The Game e mais um filme, A Morte do Demônio: A Ascensão.

Com direção de Lee Cronin, mas produção de Raimi e Campbell, o novo capítulo parece ser tanto uma baforada de novidade quanto saudosismo. Uma lembrança de que não há como matar o morto-vivo que se tornou essa franquia.

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