Crítica – Homem-Aranha: Através do Aranhaverso consegue ser ainda melhor do que o primeiro

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Crítica – Homem-Aranha: Através do Aranhaverso consegue ser ainda melhor do que o primeiro

Por Jaqueline Sousa

Desde tempos antigos, os seres humanos são fascinados pelo imprevisível. Pensar no universo de possibilidades que uma única escolha é capaz de criar e nas alternativas que são deixadas para trás a partir de uma decisão – ou imprevisto – pode até mesmo ser um encanto para alguns, mas imaginar os infinitos “e se?” que carregamos ao longo da vida não deixa de ser um tanto quanto sufocante. Afinal, qual foi a mudança (seja ela pequena ou gigante) que nos levou até o ponto onde estamos hoje? Será que tudo não passa de um mero efeito borboleta?

São essas questões – e outras tantas mais – que permeiam a jornada do jovem Miles Morales (Shameik Moore) em Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, a aguardada sequência da animação Homem-Aranha no Aranhaverso (2018). Com direção de Joaquim Dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson, o segundo capítulo protagonizado pelo Amigão da Vizinhança do Brooklyn usa tudo aquilo que consagrou o primeiro filme – os visuais extremamente inventivos, as cores explosivas, um protagonista carismático e a essência das histórias heroicas – para construir uma viagem épica pelo multiverso, ou melhor, pelo incrível aranhaverso de possibilidades e imprevisibilidades.

Ficha técnica

Título: Homem-Aranha – Através do Aranhaverso

 

Direção: Joaquim Dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson

 

Roteiro: Dave Callaham, Phil Lord e Christopher Miller

 

Data de lançamento: 1 de junho de 2023

 

País de origem: Estados Unidos da América

 

Duração: 2h 20min

 

Sinopse: Depois de se reunir com Gwen Stacy, Homem-Aranha é pego através do Multiverso, onde ele encontra uma equipe de Pessoas-Aranha encarregada de proteger sua própria existência.

Pôster de Homem-Aranha: Através do Aranhaverso.

Meu nome é Miles Morales

O que você faria se uma aranha radioativa te concedesse poderes inimagináveis? No caso de Miles Morales foi fácil: ele aprendeu a ser o Homem-Aranha (usando o material base dos quadrinhos, claro, e com uma ajudinha de amigos de outras dimensões), salvou o mundo de um vilão com complexo de superioridade e ainda teve tempo para aprender que, não importa quem você seja ou onde vive, qualquer pessoa pode ser o super-herói por baixo da máscara. É tudo uma questão de fé e, às vezes, um empurrãozinho do destino.

Mas, para ser um super-herói competente, não basta apenas usar um uniforme funcional, principalmente se você for um adolescente de 15 anos. Afinal, como tio Ben já sabia, com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, e Miles está prestes a descobrir que aquele vilão da semana – ou aquela simples reunião para decidir o seu futuro com os pais – pode se tornar um problema bem maior do que ele imaginava.

Assim, quando uma visitinha interdimensional de sua amiga Gwen Stacy (Hailee Steinfeld) transforma a teoria do caos em conversa para boi dormir, Miles acaba partindo (novamente) em direção a uma jornada épica pelo multiverso. O diferencial, desta vez, é que, para salvar o mundo, Morales vai precisar se unir com um novo grupo de figuras aracnídeas de outras dimensões.

Homem-Aranha: Através do Aranhaverso é uma viagem épica pelo multiverso.

É difícil falar sobre Homem-Aranha: Através do Aranhaverso sem querer explorar cada detalhe e nuance da história criada pelos roteiristas Dave Callaham, Phil Lord e Christopher Miller. Além de ser um show visual à parte, a animação protagonizada por Miles Morales tem um diferencial que a coloca acima de outras produções do gênero, justamente por não ter medo de abraçar toda a grandiosidade e diversão do universo dos quadrinhos e, dessa maneira, criar algo somente seu a partir de uma história tão popular quanto a de Peter Parker.

Se Homem-Aranha no Aranhaverso nos apresentou as várias possibilidades que realidades paralelas podem proporcionar, a sequência do filme de 2018 partiu dessa ideia para expandir ainda mais o universo de Teiosos, usando a criatividade para brincar com o conceito do multiverso, mesmo alguns anos – e umas saturações a mais da premissa – após o lançamento do primeiro longa.

É chover no molhado dizer que o tal do multiverso se desgastou ao longo dos últimos anos. Quando o primeiro Aranhaverso chegou aos cinemas, o grande boom da temática ainda estava dando seus primeiros passos na indústria, por mais que pareça que ela sempre esteve presente entre nós. Foi no mundo dos super-heróis que o conceito encontrou sua casa, como no divertido Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022), no quase esquecível Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa (2021) e no vindouro The Flash (2023), mas até mesmo filmes como Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022), o vencedor de Melhor Filme no Oscar de 2023, também adotaram a ideia de dimensões paralelas em seu cerne.

A sequência de Homem-Aranha no Aranhaverso é um show visual com a presença de diversas versões do herói.

Talvez seja somente esse uso excessivo que a indústria vem fazendo do conceito ultimamente que bata de frente com aquilo que Homem-Aranha: Através do Aranhaverso tem para nos oferecer. Contudo, ao contrário de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, que preferiu se apoiar na nostalgia e no parque de diversões tão criticado (com razão) por Martin Scorsese, ao invés de criar uma narrativa interessante usando o conceito, o segundo filme de Miles Morales consegue desviar do saturamento de um jeito louvável.

É claro que Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa e Homem-Aranha: Através do Aranhaverso existem em formatos diferentes, e uma animação permite criações bem mais inventivas que certas limitações de um live-action não permitem, por mais impressionantes que os efeitos visuais possam parecer (não que esse seja o caso de Sem Volta Para Casa). A questão aqui é como o universo de Miles Morales consegue usar suas próprias limitações e influências externas – como a tendência exaustiva de crossovers e as participações especiais que estão ali apenas para arrancar um grito dos fãs – a seu favor, sem deixar que o mais importante, ou seja, a história que está sendo apresentada nas telas dos cinemas, seja ofuscada por eventuais easter-eggs ou aparições divertidas aqui e acolá.

Homem-Aranha: Através do Aranhaverso mostra Miles lidando com dilemas da adolescência.

O mais impressionante de tudo isso é que, mesmo diante desse cenário, a equipe por trás de Homem-Aranha: Através do Aranhaverso conseguiu entregar uma aventura ainda mais empolgante que a de Homem-Aranha no Aranhaverso. É quase como se o primeiro filme funcionasse como um experimento das ideias que motivaram a jornada de Morales no segundo capítulo, que agora se encontra em uma das fases mais intensas e transformadoras da vida de um ser humano: a adolescência.

Afinal, para um jovem de 15 anos que, nas horas vagas, combate o crime na vizinhança, há um vasto mundo de possibilidades fora de casa que nem mesmo nossos pais são capazes de nos proteger. São os imprevistos, as decisões mínimas do agora, as dúvidas do amanhã e as incertezas rotineiras que nos levam adiante, queira estejamos preparados ou não para isso.

É esse o grande dilema vivido por Miles Morales, que tenta a todo custo encontrar sua própria identidade em lugares hostis, mesmo quando não é bem-vindo. Mesmo quando tudo que ele precisa é de um ombro amigo, e até mesmo quando ele age como seu maior inimigo.

Aranhas no multiverso

Com o apoio de traços impressionantemente belos e uma explosão de cores vivas, Homem-Aranha: Através do Aranhaverso usa o carisma de Miles Morales para pincelar autoconfiança e coragem em cada aspecto da narrativa. Isso já é algo que o primeiro Aranhaverso fazia, como podemos notar na ótima dinâmica entre o jovem protagonista e o Peter Parker de Jake Johnson, que não conseguia sair da espiral de sentimentos ruins que o impediam de atingir seu verdadeiro potencial.

Ainda assim, o que sempre fica com a gente, seja em sua versão punk ou em uma vinda do Velho Oeste, é que o Amigão da Vizinhança nunca deixa de ser aquele cara que vai fazer de tudo para salvar o dia, mesmo que isso atrapalhe suas relações pessoais ou que seus próprios pensamentos ajam como os grandes vilões da história. Miles bem sabe disso, e sua trajetória em Através do Aranhaverso mostra que, mais importante do que apenas vencer seu nêmesis semanal, Morales só vai conseguir ser quem ele quiser se tiver coragem para enfrentar o imprevisível.

A relação entre Gwen Stacy e Miles Morales recebe bastante atenção na sequência de Aranhaverso.

São essas questões que nos levam até Gwen Stacy e seu papel na sequência de Aranhaverso. A personagem, que é brilhantemente trabalhada pela atriz Hailee Steinfeld, ganha um merecido destaque na animação desta vez, o que acrescenta novas nuances na história de Miles. Isso porque, assim como o amigo de outra dimensão, Gwen também está enfrentando seus próprios demônios particulares, e também é por meio dela que os grandes méritos da animação vão se concretizando diante de nossos olhos.

A relação da garota com o pai, por exemplo, até mesmo ecoa alguns aspectos da relação de Miles com o seu, já que tudo que ambos querem é poder confiar o bastante em seus progenitores para, então, serem livres para mostrar quem realmente são. Por mais que a dinâmica Stacy-Parker já seja popular entre aqueles que conhecem o cânone do Teioso, Através do Aranhaverso aproveita essa realidade para brincar com ideias preestabelecidas na história do Homem-Aranha, atrevendo-se a mexer com o caos do multiverso para explorar todas as vertentes possíveis, sem medo de perguntar o “e se?” para ver até onde essa pergunta pode levá-los. Para Gwen e Miles, a questão pode ser exatamente o que eles precisam para se libertarem do peso do passado.

Miguel O’Hara, o Homem-Aranha 2099, é um dos destaques da animação.

Também é esse parte do conflito vivido por Miguel O’Hara (Oscar Isaac), ou o famoso Homem-Aranha 2099. Assim como Gwen Stacy, o personagem que recebe a voz do ator Oscar Isaac ganha um destaque bastante decisivo na animação, sendo o pivô de questionamentos propulsores da narrativa.

Para não entrar em muitos detalhes, vale dizer que a presença de O’Hara reforça aspectos que já estavam presentes na jornada de Miles Morales, como sua própria existência heroica, e levanta novos debates, como a linha trêmula que liga heróis a vilões. Afinal, tudo é uma questão de perspectiva e, mesmo que alguém acredite do fundo do coração que é o verdadeiro herói da história, o outro lado pode não ter a mesma visão.

Assim, em um mundo onde o breve aparecimento de uma aranha pode provocar consequências inimagináveis, ou a morte de um ente querido pode causar mudanças irreparáveis naqueles que ficam para trás, basta que um buraco na linha temporal se abra para conhecermos aquilo que poderíamos ter vivido, mas que de certa maneira foi tirado de nós. Não por obra de vilões megalomaníacos e, sim, por nossas próprias escolhas. Miles, Gwen, Miguel e todos os outros Homens-Aranhas estão aprendendo isso, cada um à sua maneira. Agora é ir além do multiverso para enfrentar um inimigo que pode ser bem mais cruel do que um Doutor Octopus: você mesmo.

Nota: 4,5/5

Homem-Aranha: Através do Aranhaverso estreia no dia 1 de junho de 2023 nos cinemas brasileiros.

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