Por que faz sentido Galadriel ser uma guerreira na série Os Anéis de Poder?

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Por que faz sentido Galadriel ser uma guerreira na série Os Anéis de Poder?

Por Jaqueline Sousa

Desde o lançamento de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder no Amazon Prime Video, a série vem recebendo uma enxurrada de comentários negativos a respeito da representação da Galadriel. Isso porque, para muitos fãs da obra de J. R. R. Tolkien, o distanciamento da imagem imortalizada pela performance da atriz Cate Blanchett, na trilogia O Senhor dos Anéis, é visto como um problema.

Além do teor machista em torno de tais discussões, o que muita gente parece não levar em consideração é que a Galadriel é muito mais do que aquela aura etérea que os filmes de Peter Jackson perpetuaram na cultura pop. Por isso, hoje nós vamos te mostrar que a Galadriel pode sim ser uma guerreira em Os Anéis de Poder!

O que a obra do Tolkien diz sobre a Galadriel ser uma guerreira?

Para começar essa discussão, é importante ressaltar que a história de Galadriel no universo de Tolkien é incompleta. A morte do autor deixou diversos aspectos da construção desse vasto universo em aberto, especialmente quando o assunto é a história da vida de Galadriel.

No capítulo 4 do livro Contos Inacabados (via Projeto Tolkien), por exemplo, Christopher Tolkien, o filho do escritor, aponta que “não há nenhuma parte da história da Terra-média mais repleta de problemas que a história de Galadriel e Celeborn, e deve-se admitir que há graves inconsistências ‘embutidas nas tradições’ […]”. O parágrafo em questão também diz que a história de Galadriel “sofreu contínuas readaptações”.

Dito isso, parte-se do pressuposto de que, quando falamos sobre Galadriel, é preciso levar em consideração que sua trajetória não estabeleceu “regras” claras dentro desse universo. Mesmo assim, dizer que Galadriel é uma guerreira durante o período retratado na série do Prime Video não é uma espécie de “sacrilégio” e nem ao menos está “traindo” o cânone estabelecido pelos relatos deixados por Tolkien.

A imagem angelical de Cate Blanchett como Galadriel ficou marcada na cultura pop.

Isso porque há algumas passagens nas obras do autor que justificam essa representação da Elfa. Embora sejam trechos “soltos”, o fato é que Galadriel viveu e viu muita coisa ao longo da história da Terra-média, então não é difícil imaginar que ela tenha se envolvido com grandes guerras e empunhado uma espada ou outra durante os anos de sua juventude.

Se no livro A Sociedade do Anel, Galadriel é descrita como “[…] parecendo alta além de qualquer medida, e linda além do que podia ser suportado, terrível e venerável” e “uma elfa esbelta, trajada de branco singelo, cuja voz gentil era suave e triste” (p. 516, edição da editora Harper Collins), outros relatos deixados por Tolkien apresentam uma faceta diferente da imagem pacífica que a personagem matinha na Terceira Era.

Uma carta de Tolkien para Catharine Findlay, enviada em 1973, traça um breve panorama de Galadriel na Primeira Era, onde o escritor diz que a Elfa era “de disposição amazona” e tinha “feitos atléticos” (via Tolkien Talk). Para aqueles que não sabem, o termo “amazona” vem diretamente da Grécia Antiga, onde era utilizado para se referir a mulheres guerreiras. A primeira definição de amazona no dicionário Michaelis, por exemplo, é “mulher aguerrida”, ou seja, uma mulher valente que possui inclinação à guerra.

A obra de Tolkien conta com relatos que apontam Galadriel como uma “amazona”, ou seja, uma guerreira.

O livro A Natureza da Terra-média (via Projeto Tolkien) também ressalta as características físicas de Galadriel, afirmando que a Elfa, além de ter uma alta estatura, demonstrava coragem e força em sua juventude.

O trecho diz:

“Galadriel era filha de Finarphin, filho de Finwë, primeiro rei dos Noldor. Era chamada de Nerwen, “donzela-homem”, por causa de sua força e estatura, e de sua coragem” (p. 404).

Outra passagem de A Natureza da Terra-média, ainda segundo o Projeto Tolkien, deixa ainda mais claro que Galadriel foi uma guerreira em sua juventude:

“Relato da querela de Galadriel com os filhos de Fëanor no saque de Alqualondë. Como ela lutou junto com Celeborn. Mesmo assim, foi para o Exílio porque, embora não amasse os filhos de Fëanor, pessoalmente era orgulhosa e rebelde e desejava liberdade” (p. 399).

Já em Contos Inacabados, há relatos da Elfa “ter lutado ferozmente contra Fëanor em defesa da família de sua mãe” (via Tolkien Talk). O Silmarillion também mostra como Galadriel participou ativamente de conflitos:

“O fogo de seus corações era jovem e, liderados por Fingolfin e seus filhos, e por Finrod e Galadriel, ousaram entrar no Norte mais terrível; e, a não achar outro caminho, suportaram afinal os terrores do Helcaraxë e as colinas cruéis de gelo. Poucos dos feitos dos Noldor depois disso superaram aquela travessia desesperada em firmeza ou sofrimento” (p. 133).

A imagem de Galadriel como guerreira não fica restrita apenas à Primeira Era. Outros relatos encontrados na obra de Tolkien apontam que ela “assumiu o poder e a defesa contra Sauron” (Contos Inacabados, via Tolkien Talk), eventos que pertencem à Segunda Era da Terra-média. Ora, se ela “assumiu a defesa contra Sauron”, é bastante cabível imaginar que ela tenha feito isso usando armas e um exército, não?

Por que a Galadriel pode ser uma guerreira em Os Anéis de Poder?

A representação de Galadriel na série do Prime Video vem recebendo comentários negativos por se distanciar da imagem angelical imortalizada por Cate Blanchett.

Quem já está acostumado com esse universo épico de Tolkien sabe que o autor conseguiu criar algo emblemático. São muitos personagens, locais, acontecimentos e aspectos que transformaram O Senhor dos Anéis naquilo que o conhecemos hoje.

É consenso também que, além da forte influência na literatura, a trilogia de filmes de Peter Jackson ajudou a consagrar ainda mais a importância da história na cultura pop. E isso inclui a própria Galadriel, imortalizada no imaginário do público como aquela figura angelical vivida pela atriz Cate Blanchett.

Talvez seja exatamente essa imagem etérea da personagem que vem atrapalhando a aceitação da performance de Morfydd Clark em Os Anéis de Poder. Além disso, claro, há os diversos discursos misóginos ao redor da discussão, que rejeitam qualquer tipo de representação feminina que fuja dos padrões opressores do patriarcado.

Galadriel é descrita como corajosa e forte, características de uma guerreira.

Quem afirma que “Galadriel não pode ser uma guerreira”, certamente nunca parou dois segundos para tentar entender, segundo as obras de Tolkien, quem a Elfa era em seus anos de juventude e norteia suas percepções sobre a personagem apenas pelos filmes de Peter Jackson.

Mas, como podemos ver a partir dos escritos de Tolkien, as coisas não são bem assim. Galadriel não precisa ser apenas uma única coisa. Ela pode ser angelical e guerreira, etérea e destemida, e assim por diante. Afinal, ser uma guerreira não significa necessariamente que ela vivia pegando em armas e comandando exércitos todos os dias. Ser uma guerreira também é demonstrar coragem e força, algo que Galadriel, sem dúvida, teve em toda sua longa trajetória pela saga.

É exatamente por isso que faz sentido Galadriel ser uma guerreira em Os Anéis de Poder. Além de expandir o universo de Tolkien no audiovisual, a série também aproveita a popularidade da personagem para mostrar que ela já foi muito mais do que aquela Elfa pacífica de O Senhor dos Anéis, e não há nada de errado nisso.

Os novos episódios de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder chegam ao Amazon Prime Video nas sextas-feiras.

Aproveite também para conhecer mais sobre Morfydd Clark, a atriz que interpreta a Galadriel na série: