Crítica – Argylle: O Superespião peca pelo excesso em filme bagunçado de Matthew Vaughn

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Crítica – Argylle: O Superespião peca pelo excesso em filme bagunçado de Matthew Vaughn

Por Jaqueline Sousa

“Eu vejo gente morta” é provavelmente uma das frases mais lembradas da história do cinema, e ela surge como um soco no estômago da maneira mais natural possível. Com apenas uma sentença dita pelo jovem Haley Joel Osment em O Sexto Sentido (1999), o diretor M. Night Shyamalan mostra como uma ideia simples e direta ao ponto pode surpreender muito mais do que um emaranhado de reviravoltas que, no final das contas, acabam se tornando extremamente vazias e superficiais.

Mas não é o caminho de Shyamalan em O Sexto Sentido que Argylle: O Superespião, o novo filme do diretor Matthew Vaughn (Kingsman), percorre – muito pelo contrário. Roteirizado por Jason Fuchs (A Era do Gelo 4), o longa-metragem anda pelas águas da espionagem, uma temática já dominada por Vaughn na franquia Kingsman, para explorar boas ideias de um jeito excessivo e desprovido de alma que, até mesmo quando diverte, acaba se transformando em uma narrativa visualmente preguiçosa e sem muito para oferecer.

Ficha técnica

Título: Argylle: O Superespião

 

Direção: Matthew Vaughn

 

Roteiro: Jason Fuchs

 

Data de lançamento: 1 de fevereiro de 2024

 

País de origem: Estados Unidos da América e Reino Unido

 

Duração: 2h 19min

 

Sinopse: Elly Conway é uma reclusa autora de uma série de romances de espionagem best-sellers, cuja ideia de felicidade é uma noite em casa com seu computador e seu gato, Alfie. Quando as tramas de seus livros – sobre o agente secreto Argylle e sua missão de desvendar um sindicato global de espionagem – começam a espelhar as ações de uma organização de espionagem da vida real, as noites tranquilas ficam só na lembrança. Acompanhada por Aidan, espião alérgico a gatos, Elly (com Alfie em sua mochila) corre pelo mundo para ficar sempre um passo à frente dos assassinos, enquanto a linha entre o mundo fictício de Elly e o mundo real começam a se entrelaçar.

Pôster de Argylle: O Superespião.

Entre ficção e realidade

Para a escritora Elly Conway (Bryce Dallas Howard), felicidade é estar acompanhada de seu gato Alfie, enquanto ela escreve mais uma empolgante história de espionagem para Argylle (Henry Cavill), o agente secreto que protagoniza sua série de romances best-sellers. Afinal, o que poderia atrapalhar a calmaria por trás da mente responsável por tramas mirabolantes sobre missões secretas, perseguições internacionais e espiões talentosos?

A resposta é até simples: seus próprios livros. Quando Elly descobre que seus escritos são extremamente parecidos com as ações de uma organização de espionagem da vida real, ela parte em uma aventura ao redor do mundo ao lado de seu gato e de um espião peculiar para conseguir sobreviver à medida que aprende a verdade sobre si mesma.

Bryce Dallas Howard vive uma reclusa escritora conhecida por seus best-sellers de espionagem.

Existe uma linha tênue entre ficção e realidade que permeia grande parte da narrativa de Argylle: O Superespião. Mesmo com uma direção pouco inspirada de Vaughn e o roteiro caótico de Fuchs, o filme estrelado por Bryce Dallas Howard (Jurassic World) consegue trabalhar algumas temáticas interessantes no que diz respeito à maneira como os seres humanos usam a ficção para entender o passado, o presente e até mesmo o futuro.

É a tal da famosa frase da jornalista Joan Didion, quando ela disse que nós contamos histórias para sobreviver. A diferença é que Elly Conway, a escritora vivida por Howard no filme, aprende isso de um jeito literal, já que ela realmente precisa contar uma história de Argylle para conseguir vencer uma perigosa associação de espionagem que ameaça sua vida. Assim, ao se ver diante de um perigo real, Conway é obrigada a encarar as próprias inseguranças e angústias, tanto as pessoais quanto as profissionais, e ela faz isso usando uma arma extremamente poderosa: a imaginação.

Abrir as portas da impossibilidade e suspender até mesmo as noções de descrença são coisas que Matthew Vaughn já fez com uma maestria em Kingsman: Serviço Secreto (2014), talvez o maior acerto da carreira do cineasta por trazer uma mitologia que, além de ser extremamente interessante, ainda marcou o gênero nos últimos anos com seu estilo distinto no comando de cenas de ação – uma combinação de computação gráfica com enquadramentos inusitados que te jogam para dentro do caos do confronto sem que você perca o fio da meada. Até mesmo Kingsman: O Círculo Dourado (2017) consegue repetir esse êxito, embora seja considerado (injustamente) um filme divisivo.

Direção pouco inspirada de Matthew Vaughn não repete excelência do primeiro Kingsman.

Porém, o poder imaginativo de Matthew Vaughn parece estar perdido em um labirinto sem saída desde o sucesso de Kingsman, o que é decepcionante para alguém que conseguiu revitalizar histórias de espionagem e ainda transformou uma adaptação de Kick-Ass em algo original. Logo, se a prequel King’s Man: A Origem (2021) já foi uma repetição malsucedida do primeiro filme da franquia que pouco contextualizou as origens da famosa organização de espionagem, Argylle: O Superespião traz um Vaughn quase parodiado.

Isso porque, embora o conhecido estilo do diretor esteja presente em todas as sequências explosivas do filme, como em uma ótima cena em que Bryce Dallas Howard patina com facas embaixo de seu coturno em um mar de petróleo para acabar com seus adversários, o conjunto da obra se parece mais com uma releitura preguiçosa do trabalho do diretor. É como se Vaughn quisesse replicar exatamente aquilo que deu certo no primeiro Kingsman, mas não tivesse o ânimo para reinventar sua própria abordagem, o que resulta em projetos questionáveis e nem um pouco inspirados.

Excesso de informações desperdiça potencial de Argylle: O Superespião.

Ao contrário de um diretor como Chad Stahelski, que segue aproveitando (e aprimorando) o caos de uma grande cena de ação em John Wick com se ela fosse uma pista de dança, ou Christopher McQuarrie com sua desenvoltura para continuar elevando o nível de Missão: Impossível, Vaughn vem perdendo o brilho que aquela icônica sequência da igreja em Serviço Secreto possui.

Não que a condução de Vaughn em Argylle seja completamente equivocada, afinal ainda há momentos, como a patinação no petróleo citada acima, por exemplo, que resgatam aquilo que sempre evidenciou o trabalho do cineasta, principalmente na maneira como ele sabe conduzir cenas de ação que beiram à insanidade. O problema agora é que Vaughn não parece muito interessado em descobrir quais são os reais limites de sua técnica.

Quanto melhor o espião, maior a armação (e a quantidade de reviravoltas)

Com exceção da personagem de Bryce Dallas Howard, Argylle: O Superespião não está muito preocupado em desenvolver as relações entre as figuras que apresenta. Existe sim uma boa dinâmica entre Elly e Aidan, por exemplo, o espião vivido por Sam Rockwell (Três Anúncios Para Um Crime) que acompanha a escritora em sua aventura internacional, e é uma relação que recebe uma maior atenção do roteiro por justamente acompanharmos o crescimento e amadurecimento de suas emoções à medida que novos desafios vão surgindo.

Dinâmica entre Bryce Dallas Howard e Sam Rockwell é a mais trabalhada do filme.

Porém, as coisas ficam por isso mesmo. Nomes como Samuel L. Jackson (Pulp Fiction, Os Vingadores) e Sofia Boutella (Rebel Moon), que repetem a parceria com Matthew Vaughn em Argylle, são completamente desperdiçados em personagens simplórios. Bryan Cranston (Breaking Bad) e Catherine O’Hara (Esqueceram de Mim) são mais dois atores que, apesar de fazerem o melhor que podem com o que têm em mãos, não possuem muito espaço para realmente fazer a diferença na trama.

Muito disso vem justamente da ânsia de Argylle para condensar em pouco mais de duas horas o maior número de plot twists sem dar o tempo necessário para que o espectador aprecie aquela sensação de surpresa que apenas uma boa reviravolta é capaz de proporcionar. É como se o roteiro de Fuchs estivesse ansioso para captar a atenção do público custe o que custar, sem se dar conta de que pecar pelo excesso pode ser um golpe fatal para transformar uma boa ideia em algo completamente vazio. Além disso, a condução de Vaughn também não opera milagres para tentar contornar o problema.

Apesar de trazer alguns momentos divertidos, Argylle: O Superespião não consegue se sobressair.

A presença de Henry Cavill (The Witcher) como o espião fictício Argylle, por exemplo, apesar de ser importante para o desenvolvimento emocional de Elly, assim como para as questões envolvendo a linha tênue entre realidade e ficção, também sofre com os excessos caóticos do filme, perdendo a relevância à medida que novas revelações vão se tornando “mais importantes”. São tantos nós amarrados na trama que chega a um ponto em que você não é mais capaz de discernir onde um começa e o outro termina.

No final das contas, Argylle: O Superespião até consegue divertir com uma piada espirituosa ou outra (ou pela relação de Elly com seu gato de estimação), mas existe um problema de ritmo na narrativa que prejudica o desenrolar da trama e até mesmo dos personagens. Junte a isso uma direção preguiçosa de Matthew Vaughn e um enredo que acaba se perdendo no meio de tantas reviravoltas que a receita final é um filme que não tem muito a dizer, além de não apresentar nada visualmente atrativo o bastante para se destacar no meio da mesmice.

Nota: 2,5 de 5.

Argylle: O Superespião estreia em 1 de fevereiro nos cinemas brasileiros.

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