Crítica – Babilônia: Filme exalta protagonismo de Margot Robbie em uma Hollywood que respira sexo, drogas e extravagâncias

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Crítica – Babilônia: Filme exalta protagonismo de Margot Robbie em uma Hollywood que respira sexo, drogas e extravagâncias

Por Jaqueline Sousa

Poucas localizações na história da humanidade se enraizaram no nosso imaginário da maneira como Babilônia o fez. Seja por crenças religiosas, mitos ou contos que transitaram por gerações, a cidade dos monumentos impressionantes e das extravagâncias em seus costumes é até hoje lembrada como sinônimo do excesso, do inacreditável e, talvez o mais popularmente difundido, dos caminhos pecaminosos.

E é exatamente esse “mais” que Damien Chazelle assume para si em Babilônia, seu retorno às salas de cinema após O Primeiro Homem, lançado em 2018. Mas, se neste último o diretor optou por seguir algo comedido, agora é a vez do maximalismo entrar em cena: usando o efeito hipnótico de Margot Robbie, o carisma de Diego Calva e o estrelismo de Brad Pitt, Babilônia nos leva em uma jornada fragmentada e pulsante pela Hollywood do final da década de 1920, que estava prestes a enfrentar uma verdadeira revolução de seus meios.

Ficha técnica

Título: Babilônia

 

Direção: Damien Chazelle

 

Roteiro: Damien Chazelle

 

Data de lançamento: 19 de janeiro de 2023

 

País de origem: Estados Unidos

 

Duração: 3h 8min

 

Sinopse: Decadência, depravação e excessos escandalosos levam à ascensão e queda de vários sonhadores ambiciosos na Hollywood dos anos 1920.

Pôster de Babilônia.

Sexo, drogas e rock ‘n’ roll

A década é a de 1920. Hollywood está muito mais do que satisfeita com o cinema mudo, onde as atuações caricatas, os gestos bastante expressivos e os intertítulos eram regras para que o público entendesse a história que estava sendo contada. Um universo que ícones como Buster Keaton e Charles Chaplin entendiam como ninguém.

Mas é claro que a magia do cinema não fica restrita aos grandes nomes da área, já que seu impacto é capaz de gerar figuras como Nellie LaRoy (Margot Robbie), uma jovem e sonhadora atriz que tem a certeza de que, algum dia, vai mostrar ao mundo a estrela que nasceu para ser. Sozinha em Los Angeles, o que resta para Nellie é a independência de ser quem ela quiser assim que a claquete bate e a ação se inicia.

A dinâmica entre Margot Robbie e Diego Calva é um dos grandes destaques de Babilônia.

 

É uma linguagem universal que também conquista Manuel Torres (Diego Calva), ou apenas Manny, um homem que, assim como Nellie, também sonha em fazer parte de algo maior por meio dos filmes que tanto ama. Com suas origens mexicanas, Manny enfrenta seus próprios percalços para conseguir chegar perto de um set de filmagens, uma oportunidade que aparece graças a uma obra do acaso e, claro, ao ator Jack Conrad (Brad Pitt).

Conrad pode muito bem servir como a definição do “strong-silent-type” que grandes ícones da era de ouro de Hollywood, como Humphrey Bogart e Cary Grant, exibiam em suas respectivas carreiras cinematográficas. Assim, ao contrário de Nellie e Manny, que ainda davam seus primeiros passos na indústria, o personagem de Pitt é o clássico ator com a carreira consolidada que, com o prestígio que vem atrelado a seu nome, tem passe livre para ser ou fazer o que quiser como bem entender.

Nellie, Manny e Jack. Três figuras distintas, mas com uma paixão em comum: o cinema. Uma linguagem capaz de conversar intimamente com os desejos mais profundos de alguém à medida que uma sequência de imagens narra uma história na tela. E são essas imagens que ficam imortalizadas na nossa mente, assim como continuam carregando consigo uma variedade de mudanças e transições que trouxeram o cinema até aqui.

Em Babilônia, Brad Pitt interpreta Jack Conrad, um ator renomado na indústria.

Embalado pela trilha sonora enérgica de Justin Hurwitz (que em certos momentos até lembra um pouco a de La La Land), Babilônia é um filme de excessos. Desde a primeira cena, fica nítido que é uma produção que não vai se contentar com pouco: tudo precisa ser maior, extravagante e imponente.

 

Talvez essa seja a metáfora perfeita para Hollywood, a Babilônia de nossos dias que respira a ordem “sexo, drogas e rock ‘n’ roll”. Chazelle aposta em uma direção ágil para fazer uma ode à depravação, em um ambiente onde todo tipo de excesso não somente é permitido como também é celebrado. A magia do cinema deixa os bastidores de um set de filmagens para dar voz à liberdade sexual, mental e física de sua geração. Um Woodstock por trás das cortinas e longe dos olhos julgadores da câmera.

Filme de Damien Chazelle é um conto sobre sexo, drogas e extravagâncias na Hollywood da década de 1920.

Babilônia é um projeto diferente de Chazelle, mas não completamente. É como se o diretor tivesse unido as essências de La La Land (2016) e Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014) para criar algo mais ousado e cacofônico, fazendo alusão às insanidades de Boogie Nights: Prazer Sem Limites (1997) e às festas alucinantes que Nick Carraway costumava frequentar na casa do Grande Gatsby.

Assim como a obra-prima de F. Scott Fitzgerald aborda, a década de 1920 ficou marcada por uma sociedade que se jogava em festividades insanas e futilidades vazias para esquecer o mundo lá fora, que passava por um contexto pós Primeira Guerra Mundial. Para sobreviver ao caos, era preciso viver intensamente como se não houvesse amanhã. E essa sensação é algo que Hollywood entende mais do que ninguém.

É o fim do cinema (como o conhecemos)

Babilônia não é somente um filme sobre as extravagâncias hollywoodianas do final da década de 1920. Chazelle usa o longa para, mais uma vez, deixar transparecer seu amor pela sétima arte, algo que fica ainda mais nítido aqui do que em La La Land, por exemplo.

Através das jornadas de Nellie, Manny e Jack, acompanhamos a crise que incendiou a indústria quando o filme O Cantor de Jazz (1927) levou o som às salas de cinema. Hollywood tinha, por fim, começado a falar e, a partir disso, revolucionou a forma como os filmes eram feitos, fazendo com que toda uma cadeia produtiva se adaptasse ao formato. Uma questão que o clássico Cantando na Chuva, que exerce uma forte influência em Babilônia, abordou lá em meados do início dos anos 50.

É aqui, então, que o magnetismo de Margot Robbie se sobressai, já que sua personagem, Nellie, precisa encontrar uma maneira de sobreviver a essa transição. Se antes ela era uma atriz em ascensão requisitada para tudo e por todos, sua rebeldia, que tanto encantou o público na era do silêncio, não cativou tanto assim depois que o som roubou os holofotes. E Robbie se aproveita dessa ambientação para entregar uma performance sincera e explosiva, duas coisas que Nellie LaRoy conhece muito bem.

A performance de Margot Robbie como a atriz Nellie LaRoy é explosiva.

Mas a luta para manter o prestígio diante dos olhares moralistas e limitadores não atinge apenas Nellie – Manny e Jack Conrad também entram nesse meio. Assim como Robbie, Diego Calva também entrega um excelente trabalho, tornando-se um dos personagens mais interessantes das obras de Chazelle por trazer um brilho diferente no olhar e uma vontade de seguir os seus sonhos como Mia fez em La La Land.

Pitt, por sua vez, consegue transitar entre o caricato e a representação de uma figura em decadência à medida que a narrativa segue, proporcionando momentos mais descontraídos e outros mais contemplativos, lembrando-nos do porquê grandes astros do cinema, como Marilyn Monroe ou James Dean, ficam imortalizados em nossas memórias. Ele traz uma melancolia que nos faz sentir saudade de uma época que nem sequer vivenciamos.

Também merece destaque as performances de Li Jun Li como Lady Fay Zhu, que age como uma Anna May Wong de Babilônia, Jovan Adepo como o músico em ascensão Sidney Palmer e Tobey Maguire. O astro do Homem-Aranha de Sam Raimi interpreta um homem perigoso e extremamente caricato e, embora não tenha muito tempo de tela, consegue aproveitar o espaço que tem para agregar mais uma insanidade aos excessos do filme.

Li Jun Li como Lady Fay Zhu.

Logo, ao apropriar-se do “fin de cinema” de Jean-Luc Godard e da imagem de Gene Kelly cantando na chuva, Damien Chazelle cria sua própria Torre de Babel para fazer uma homenagem à arte cinematográfica. Seguindo uma narrativa em “capítulos” de uma Hollywood depravada, luxuosa e pecaminosa, o filme até lembra o formato que Paul Thomas Anderson usou para costurar o enredo de Licorice Pizza, como se contos reunidos remetessem a um todo ainda mais expressivo.

Mas o maior problema de Babilônia talvez seja aquilo que o diferencia das demais obras de Chazelle: a grandeza exacerbada, que perde parte de seu apelo quando o excesso é mais importante do que o caminho que a obra pretende percorrer. Quando as luzes se apagam e os atores deixam o estúdio, a sensação de vazio que fica incomoda, em certo sentido, e Chazelle permanece apenas na superfície das revoluções que permeiam o contexto do longa.

Isso pode gerar uma resposta divisiva, mas também não faz com que Babilônia seja um produto raso ou esquecível. Isso porque Chazelle tem a sensibilidade de nos lembrar, mesmo assim, do porquê a sétima arte ainda leva as pessoas para dentro das salas de cinema, anos após o impacto de A Chegada do Trem na Estação, dos Lumière.

Babilônia mostra a conturbada transição do cinema mudo para às produções faladas.

É aquele mesmo brilho no olhar de Manny, seja por estar entrando pela primeira vez em uma locação cinematográfica ou apenas pelo simples ato de assistir a um filme, que busca naquela sequência de imagens um escape da solidão. Uma linguagem que já passou por tantas transformações, como a do silêncio para fala, a do preto e branco para as cores, a dos efeitos práticos para os visuais e assim por diante, mas continua viva.

Porque não, o cinema não morreu e provavelmente continuará encantando multidões por aí, de um jeito insistente e incansável. As crises e os obstáculos estarão presentes nessa jornada, é inegável. Porém, se tem uma coisa que a linguagem cinematográfica sabe fazer com excelência é se reinventar. Não importa quanto tempo isso dure, a certeza que fica é a de que alguém, no escuro de uma sala de cinema, independente do espaço temporal onde está, vai se identificar com aquilo que está sendo apresentado na tela. E é exatamente isso que Babilônia nos faz lembrar: a sensação agridoce de ter sua vida completamente transformada por um filme.

Nota: 4/5

Babilônia estreia no dia 19 de janeiro de 2023 nos cinemas brasileiros.

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