Crítica: Adão Negro vem para decretar o fim da era dos super-heróis

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Crítica: Adão Negro vem para decretar o fim da era dos super-heróis

Por Gus Fiaux

Após meses de promessa e espera, finalmente chega aos cinemas Adão Negro, filme que prometeu mudar toda a hierarquia do Universo Estendido da DC Comics apresentando um dos anti-heróis mais poderosos das histórias em quadrinhos. O longa dirigido por Jaume Collet-Serra não esconde, por momento algum, que seu maior atrativo é a presença incontestável de The Rock no papel principal.

Porém, além disso, ainda temos a introdução da Sociedade da Justiça da América, a presença de um vilão bem obscuro dos quadrinhos e muitas pistas para a direção futura da franquia… mas será que valeu a pena? Aqui, você pode conferir a nossa crítica do mais novo filme da DC Comics!

Ficha técnica

Título: Adão Negro (Black Adam)

 

Direção: Jaume Collet-Serra

 

Roteiro: Adam Sztykiel, Rory Haines e Sohrab Noshirvani

 

Data de lançamento: 20 de outubro (Brasil)

 

País de origem: Estados Unidos

 

Duração: 2h 04m

 

Sinopse: Quase 5 mil anos após ser agraciado com os poderes onipotentes de deuses egípcios e preso com a mesma rapidez, Adão Negro alcança a liberdade de sua tumba terrena, pronto para liberar sua justiça no mundo moderno.

Adão Negro está em cartaz nos cinemas.

O mundo realmente precisa de mais heróis?

Já não é de hoje que se discute a “saturação dos filmes de super-heróis“. Com o inchaço midiático da Disney, a constante tentativa da Warner de criar um universo consolidado e os exercícios dissimulados de outros estúdios, as histórias em quadrinhos se tornaram material fértil para a criação de personagens sobre-humanos no cinema, mas a quantidade excessiva dessas obras teceu um questionamento: afinal, uma hora o público vai se cansar, né?

Na superfície, parece que não. O Universo Cinematográfico da Marvel anda lançando mais de dez produções todos os anos (se contarmos com as séries do Disney+ e especiais esporádicos), enquanto a DC Comics vem criando vários afluxos para franquias que não são tão presas ao universo “principal”, vide o sucesso desenfreado de Coringa, que vai ganhar sua própria continuação, e The Batman, que em breve se tornará uma nova franquia.

Com isso, Adão Negro, o novo filme do Universo Estendido da DC, vem para mostrar ao público que ainda há um forte interesse e uma forte tentativa de continuar a linha narrativa estabelecida originalmente por Zack Snyder lá em 2013, mas com uma cara repaginada. Porém, em meio às suas tentativas de acerto, o novo filme veio para deixar claro que a era dos super-heróis chegou ao fim… ou ao menos, deveria chegar.

No longa, somos apresentados a Teth-Adam, guerreiro que faz parte das lendas de Kahndaq, uma nação fictícia que, no passado, foi dominada por um rei egoísta e maléfico. Adam chegou a destruir o rei e passou milhares de anos deixado de lado, até que é acordado mais uma vez e descobre que o futuro de seu povo é ainda mais assustador que o passado.

Ao ver Kahndaq dominada pela Intergangue, uma milícia ultra-tecnológica que usa equipamentos energizados por um metal mágico, ele entra em uma nova jornada para libertar seus irmãos e irmãs, tudo isso enquanto dá de cara com a Sociedade da Justiça da América, uma organização de super-heróis enviada para impedi-lo a qualquer custo. E no centro de tudo isso, ainda temos Adrianna Tomaz, uma líder revolucionária que vive com sua família.

Desde o começo, o filme já se vendia como um longa de ação frenética e irrefreável, e isso é exatamente o que temos. A porradaria come solta a partir dos cinco minutos iniciais, e se desenvolve de uma maneira quase angustiante, sem nenhum espaço para o desenvolvimento de tantos personagens. Porém, no fim das contas, nem a ação salva o que parece ser mais um projeto sem pé nem cabeça da DC Comics.

O maior inimigo de uma boa história: O algoritmo

A melhor forma de descrever a experiência que é Adão Negro é dizer que o filme é a versão cinematográfica de uma arte feita por inteligência artificial. Você consegue reconhecer padrões e formas que são comuns a todos os filmes do nicho dos super-heróis, há pequenas doses de “autoralidade” que mais parecem copiadas de outros artistas e, no fim, temos um produto disforme, sem apuro estético e que se limita a vomitar algoritmos e mais algoritmos.

É quase como se o longa dirigido por Jaume Collet-Serra fosse uma colcha de retalhos de tudo que vimos com os grandes ícones da Marvel e da DC nos últimos dez anos. Uma nação fictícia (possivelmente africana) com seu metal desejado por forças externas? Temos! Uma batalha com um mago capaz de se multiplicar e criar caleidoscópios? Nós temos também! Ação a la Snyder, junto do discurso em torno da necessidade de heróis? Mais um ponto!

Agora, um bom roteiro? Não… isso vai ter que ficar para outro dia.

Chega a ser surpreendente que isso tenha sido escrito não por um nem por dois, mas por um trio de roteiristas (que são Adam Sztykiel, Rory Haines e Sohrab Noshirvani), já que em momento algum percebe-se um fiapo de narrativa que sustente duas horas de filme. Na prática, Adão Negro funciona como uma série de sequências de ação soltas que são coladas por muitos momentos expositivos.

E nesse ponto, fica até engraçado ver algumas das reações iniciais que diziam que o filme “tem o melhor trabalho de construção de universo da DC em anos”, o que é um completo absurdo. Não há mitologia alguma sendo construída, não há tentativa de dar aos personagens algum desenvolvimento básico. Tudo o que temos são informações bem importantes para o desenrolar da trama sendo vomitadas a esmo.

Isso já se prova na sequência de abertura do longa, que vem para apresentar o personagem central e sua origem. No fim, há uma reviravolta envolvendo essa abertura que até funciona, mas que torna o filme extremamente inchado com suas intermináveis cenas (repetidas) de flashbacks. E olha que Dwayne Johnson se esforça para entregar um personagem igualmente carismático e ameaçador, mas nem o astro consegue torná-lo algo mais que apático.

A Sociedade da Justiça é outro ponto bem irritante do filme. O quarteto vivido por Pierce Brosnan (Sr. Destino), Aldis Hodge (Gavião Negro), Quintessa Swindell (Ciclone) e Noah Centineo (Esmaga-Átomo) funciona mais como um entrave para o próprio Adão Negro, e o longa até pincela a hipocrisia de um grupo americano interferindo em nações estrangeiras por ordens superiores, mas esse tema nunca é aprofundado e se torna apenas uma rixa besta e repetitiva.

Contudo, nada irrita mais que todo o núcleo envolvendo Adrianna Tomaz. Para não soar apenas rancoroso, Sarah Shahi está dando seu máximo no papel, mas o texto torna a personagem rasa como um pires. Em dados momentos, ela muda de ideia numa velocidade impressionante, e alguns de seus diálogos se contradizem em meros segundos de distância.

Pior do que ela, apenas o filho. Amon, interpretado por Bodhi Sabongui, é aquele clássico personagem que faz o papel “do público” em toda a ação, mas até o carisma do ator é sabotado por uma infinidade de momentos irritantes. Ele está sempre dando aulas de como se “deve ser um super-herói”, e como o Adão Negro pode ser famoso e ganhar “mochilas e lancheiras” próprias. Há uns cinco anos atrás, com Deadpool, esse discurso até podia ser novidade, mas hoje só soa cínico e acusatório do quanto os super-heróis se tornaram apenas uma máquina de dinheiro fácil.

Aliás, o filme também não faz um bom trabalho construindo seus antagonistas. A Intergangue é uma mera equipe de papelão colocada ali para que Adão Negro tenha quem socar e matar, enquanto o grande antagonista, Sabbac, não passa do monstro de CGI mais genérico que você já viu… isso é, até estrear outro filme de super-herói com um outro vilão computadorizado.

A hierarquia de fato mudou… para pior.

No fundo, Adão Negro me fez ter saudade da época em que Zack Snyder comandava os filmes da DC Comics – e não porque eles eram bons, mas porque pelo menos havia alguma visão criativa por trás de tudo aquilo. Mesmo em seus piores momentos, como as intermináveis três horas de Batman vs. Superman: A Origem da Justiça, o diretor pelo menos tinha algo a dizer e não pensava em fazer um “filme de super-heróis qualquer”.

Aliás, a impressão que passa é que o próprio Jaume Collet-Serra também sente essa ausência, e talvez essa seja a única justificativa por trás do excesso de cenas em câmera lenta colocadas ali para insertar o público na ação – o que quase sempre não funciona, já que as grandes sequências são carregadas de fundo verde, areia voando e detritos vindos de todos os lados. Isso tudo faz a batalha final de Homem de Aço parecer uma verdadeira obra-prima.

Porém, o mais decepcionante é constatar que não há mais qualquer tentativa de se fazer algo minimamente bom – e isso não é uma crítica exclusiva à DC Comics, já que a Marvel teve a proeza de emplacar, nos últimos dois anos, obras altamente questionáveis como Viúva NegraThor: Amor e Trovão. Em meio ao seu discurso batido e piegas, Adão Negro pelo menos acerta em um ponto: a era dos heróis está em seu crepúsculo.

É claro que isso vai se tornar uma franquia – afinal, quem dispensaria o superpoder de The Rock, que é capaz de extrair dinheiro mesmo nas produções mais questionáveis? Porém, se esse é o novo rumo que a DC Comics optou por tomar nos cinemas, é um caminho deveras triste. Um caminho que não se importa de fato com essas figuras e o que elas representam para o mundo.

Talvez Alan Moore esteja certo e todos devêssemos parar de dar tanta bola para heróis e histórias em quadrinhos. Talvez, o cinema finalmente esgotou todas as possibilidades criativas dentro dessas franquias. Talvez, tenhamos que aturar obras cada vez mais genéricas, mastigadas e sem nenhuma preocupação estética ou artística. Talvez, talvez, talvez… se ao menos fôssemos como o Senhor Destino, preveríamos o futuro e descobriríamos quão fundo esse poço é capaz de chegar.

Adão Negro é uma obra vergonhosa que poderia ter feito sentido dez anos atrás, quando ainda não tínhamos centenas de seres com capas e poderes divinos voando alucinadamente nas telas de cinema todos os meses. É um filme de ação que entedia e que confunde construção e desenvolvimento narrativo com uma tonelada de easter-eggs vomitados e uma cena pós-créditos “empolgante”. E talvez isso seja o que muitos fãs queiram ver, mas eles certamente mereciam algo muito melhor.

Nota: 1,5/5

Adão Negro está em cartaz nos cinemas.

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