Relembre a greve dos roteiristas dos anos 2000 e como ela afetou toda a cadeia de filmes e séries

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Relembre a greve dos roteiristas dos anos 2000 e como ela afetou toda a cadeia de filmes e séries

Por Jaqueline Sousa

O ano era 2007, e tudo que o público queria era assistir a mais um episódio inédito de Lost para tentar desvendar os intrigantes mistérios do seriado. Enquanto isso, uma greve de roteiristas organizada pela Writers Guild of America (WGA, ou Sindicato de Roteiristas da América, em português) revertia as regras do jogo em Hollywood, mudando significativamente toda uma cadeia de produção de filmes e séries da indústria em prol da reivindicação de direitos trabalhistas.

Mais de uma década depois e a história se repete: após semanas de negociações, os roteiristas norte-americanos se uniram novamente em uma nova greve, que teve início no dia 2 de maio deste ano. Mesmo com contextos e motivações diferentes, os protestos organizados pela WGA batem de frente com a Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP, ou Aliança de Produtores do Cinema e da Televisão em português), a representante de diversas empresas de televisão e cinema.

Ainda é cedo para afirmar com toda a certeza como a greve de 2023 vai afetar a indústria a longo prazo, mas as movimentações dos anos 2000 foram extremamente importantes e incisivas no cenário da época. Pensando nisso, vamos relembrar o que aconteceu na greve dos roteiristas de 2007/08 e como a indústria foi afetada pela paralisação!

Por que a greve dos roteiristas dos anos 2000 aconteceu?

A greve de roteiristas dos anos 2000 durou 100 dias.

Com início em 5 de novembro de 2007, não é à toa que a greve dos roteiristas dos anos 2000 é lembrada até hoje (muita gente provavelmente deve ter arrepios só de lembrar da ocasião). Na época, os protestos organizados pela WGA paralisaram a indústria da televisão e do cinema durante um longo período de 100 dias com muitas negociações, que só foram finalizadas em 12 de fevereiro de 2008. Mas por que a greve aconteceu?

Primeiramente, é importante ressaltar que a relação entre o público e a obra televisiva ou cinematográfica naquela época era bastante diferente da que temos hoje em dia. Isso porque, em meados dos anos 2000, a era dos streamings ainda não era uma realidade. Na televisão, por exemplo, as famosas TVs a cabo (ou TVs por assinatura) eram a sensação do momento, e as grandes corporações midiáticas possuíam uma forte influência na maneira como nos relacionávamos com qualquer tipo de mídia (não que essa influência tenha deixado de existir, mas em tempos de Netflix é algo bem mais pontual).

Assim, diante desse contexto, 12 mil roteiristas associados ao WGA decidiram organizar uma greve em 2007 para reivindicar direitos trabalhistas após o descaso de corporações que não pagavam de forma justa aquilo que eles deveriam receber (via Independent). A ação dos grevistas no período foi motivada pela falta de pagamento relacionada aos royalties da venda de DVDs, além de outras formas de distribuição das obras entre o público, seja por download ou transmissões on-line. Logo, o pedido exigia a construção de novos contratos que incluíssem garantias de que o trabalho dos roteiristas seria compensado justamente de acordo com o contexto da época.

O roteirista e produtor Damon Lindelof – o nome por trás de Lost e séries renomadas como The Leftovers e Watchmen – apoiou a greve de 2007/08 por não ter recebido um centavo dos lucros da distribuição de Lost. “É quando seu corpo está dizendo que tem algo de errado. As pessoas estavam baixando Lost e pagando US$ 1,99 por episódio… E eu não entrei nisso, não fui compensado por nada”, Lindelof explicou ao The Hollywood Reporter. O roteirista sabia que a alta visibilidade faria com que mais pessoas assistissem ao programa, mas não achava justo que seu trabalho fosse jogado na lata de lixo enquanto isso.

Como foi a greve dos roteiristas dos anos 2000?

A greve dos roteiristas foi motivada pela ausência de pagamento de royalties vindos de DVDs e distribuições digitais aos profissionais.

A partir do momento que a greve teve início, houve uma paralisação generalizada da indústria televisiva e cinematográfica. Assim, diversas produções foram interrompidas no meio do caminho pela ausência dos roteiristas. Só para você ter uma ideia do impacto das manifestações no setor: de acordo com o Milken Institute (via THR), a greve de roteiristas causou uma perda de US$ 2,1 bilhões para a economia de Los Angeles. Na televisão, a área que mais foi afetada pela greve, cerca de 25% da programação do horário nobre dos canais de TV foram retirados da grade porque não havia roteiristas sindicalizados disponíveis naquele momento (via Independent).

Sendo assim, os meses de duração da greve foram bastante delicados para a indústria audiovisual. Diversos programas de televisão tiveram suas temporadas paralisadas ou encurtadas (muitos até sofreram uma perda drástica de qualidade) e lançamentos de filmes também precisaram ser adiados, uma consequência que foi sentida a longo prazo (diferente da televisão).

Sem roteiristas, as emissoras tiveram que “tapar os buracos” de suas programações de algum jeito. Foi assim que vários canais passaram a investir em programas não-roteirizados e reality shows, já que tais produções não eram resguardadas pelo sindicato de roteiristas, enquanto outros até se arriscaram a contratar profissionais que não eram associados ao WGA para tentar apagar o incêndio. Neste último caso, o efeito foi extremamente desastroso para várias séries de TV que tiveram uma queda brusca de qualidade.

Quais produções foram afetadas durante a greve dos roteiristas dos anos 2000?

A série Heroes foi uma das principais produções afetadas pela greve de roteiristas.

Há casos bastante traumáticos, especialmente para os fãs, de produções que foram afetadas pela greve de roteiristas dos anos 2000. Um deles foi o da série Heroes, que estava em sua segunda temporada quando a paralisação começou. Até hoje, o público do programa se ressente da maneira como Heroes, uma série de ficção científica que parecia bastante promissora no começo, acabou se transformando em algo completamente diferente (e de gosto duvidoso) após as movimentações de 2007/08.

Outras séries famosas também tiveram suas produções interrompidas ou prejudicadas com a greve dos roteiristas. Breaking Bad, por exemplo, teve sua primeira temporada reduzida abruptamente para sete episódios, os únicos que tinham sido gravados e roteirizados antes da greve. No caso da história de Walter White, a paralisação até pode ter sido benéfica (ao contrário de Heroes) já que reza a lenda que o criador Vince Gilligan planejava matar Jesse Pinkman a princípio, mas mudou de ideia após o hiato da greve.

A primeira temporada de Breaking Bad foi reduzida por causa da greve de roteiristas.

Programas como Lost, The Office, Grey’s Anatomy, 30 Rock, Ugly Betty, Os Simpsons, Uma Família da Pesada e Desperate Housewives também enfrentaram dias turbulentos por causa da greve de roteiristas. Além disso, os programas de talk shows – os famigerados programas de entrevistas – foram ainda mais afetados pela paralisação, já que eles dependiam (e ainda dependem) de roteiristas para continuarem no ar.

Já no cinema, um exemplo marcante foi 007: Quantum of Solace, o segundo capítulo da saga de Daniel Craig como James Bond. Lançado em 2008, o filme sofreu mudanças drásticas em sua produção por causa da greve, conforme relembrado por Craig em uma entrevista (via Yahoo). De acordo com o astro, só havia o esqueleto de um roteiro quando a paralisação começou e chegou um momento em que ele até tentou reescrever algumas cenas. “Lá estava eu tentando reescrever cenas, e eu não sou roteirista”, o ator contou.

A produção de 007: Quantum of Solace passou por momentos conturbados por causa da greve de roteiristas.

Transformers: A Vingança dos Derrotados (2009), X-Men Origens: Wolverine (2009) e G.I. Joe: A Origem de Cobra (2009) são outros exemplos que foram terrivelmente afetados pela greve de roteiristas dos anos 2000. Embora os estúdios não tenham interrompido totalmente as produções de filmes, muitos aceleraram o processo de roteirização dos longas antes da greve (que já estava prevista para acontecer), o que acabou causando um efeito a longo prazo na indústria.

Qual foi o resultado da greve de roteiristas dos anos 2000?

Apesar de algumas negociações terem sido bem-sucedidas, isso não significou o fim da exploração de roteiristas em Hollywood.

Afinal, o que aconteceu depois de meses de manifestações e reivindicações dos roteiristas associados ao WGA? Eventualmente, a greve chegou ao fim em 12 de fevereiro de 2008 depois que a WGA conseguiu firmar um acordo com a AMPTP, fechando um documento de três anos para que os profissionais recebessem uma porcentagem da receita digital das produções dali para frente.

Contudo, isso não quer dizer que Hollywood tenha mudado da água para o vinho. Mesmo com o acordo que encerrou a greve, a pressão para ceder aos termos da AMPTP fez com que certas reivindicações, como os resíduos de DVDs, ficassem de fora das negociações. Em sua grande maioria, até hoje os roteiristas continuam recebendo o mínimo dos estúdios, principalmente agora que estamos no meio da era dos streamings e da inteligência artificial, apenas dois aspectos que impulsionam a nova greve de roteiristas na indústria americana em 2023.

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