Por que a gente não consegue mais enxergar os filmes e séries de hoje?

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Por que a gente não consegue mais enxergar os filmes e séries de hoje?

Por Gus Fiaux

Você reúne seus amigos para assistir um episódio de uma popular série de TV na sua casa. Foi prometido que esse episódio seria um momento catártico, a resolução de um grande conflito ou a descoberta de um mistério que nos acompanha desde a primeira temporada. Você sintoniza no canal (ou na plataforma de streaming) e quando todo mundo está pronto para se divertir… você não consegue enxergar nada.

Essa tem sido uma das reclamações mais frequentes em relação às produções recentes, seja na TV ou no cinema. De Game of Thrones e sua infame Batalha de Winterfell até os filmes mais recentes da Marvel, como Pantera Negra: Wakanda para Sempre, parece que há uma necessidade pré-estabelecida de diminuir a iluminação e deixar o público (literalmente) no escuro. Mas por que será?

Você tentando enxergar qualquer coisa na Batalha de Winterfell.

Embora seja um detalhe que passa quase sempre despercebido pelo público, a iluminação é essencial em qualquer produto midiático, seja um filme ou uma série de TV – ou videoclipes, comerciais, vídeos do YouTube… a lista cresce. Unida da fotografia, a iluminação faz exatamente isso que esperamos pelo nome: é a quantidade de luz usada pelos artistas para dar ao público material para enxergar em um produto audiovisual.

Nos últimos anos, no entanto, muitos fãs têm notado como a iluminação tem ficado precária nas obras que consome. Se antes podíamos ver batalhas gloriosas – mesmo que à noite – iluminadas de forma magnífica, onde podíamos ver tudo o que estava acontecendo na tela (basta lembrar da gloriosa batalha ao final de O Senhor dos Anéis: As Duas Torres), hoje não é bem assim…

Definir um único fator é um tanto quanto simplista, já que esse problema diz respeito a diversas decisões diferentes, que vão desde a liberdade artística dos autores, a necessidade de esconder falhas e defeitos e até mesmo uma forma de economizar gastos, levando em conta o tópico anterior.

Quem aí conseguiu enxergar o reino de Talokan em Wakanda para Sempre?

Passando pelo primeiro tópico, a tal liberdade artística.

Quando falamos de cinema – e produção audiovisual, de forma geral – existe a necessidade de falar de liberdade artística dos cineastas envolvidos. Embora esses projetos sejam financiados por grandes estúdios que precisam ter o retorno financeiro para justificar a gastança, os artistas contratados devem mostrar sua visão ao mundo e criar um vislumbre da ficção para o público, a partir de sua própria perspectiva.

Por isso, muitos diretores justificam a escolha dos visuais escuros como “parte da experiência e de sua visão para tal história, narrativa ou produto”. Essa é uma explicação razoável, mas deve haver uma ponderação por parte de quem está atrás das câmeras, especialmente levando em conta que cada recurso que utilizamos em tela faz parte de uma narrativa maior.

Pegue, por exemplo, A Chegada de Denis Villeneuve. O filme é bastante escuro durante quase toda sua duração, mas isso não significa que o público é privado de ver algo. Sempre que há alguma coisa importante em tela, o diretor usa a iluminação para acentuar aquele elemento específico.

Há outros casos em que a intenção do cineasta é que você realmente não veja o que está na sua frente. Entra aí um dos maiores sucessos do ano passado, o independente e experimental Skinamarinkde Kyle Edward Ball, que por sua vez brinca com o conceito de luzes, sombras e o espaço “não-visto” tanto pelos personagens quanto pelo público. Ali, ele realmente quer que você não veja nada, e que isso faça parte da experiência cinematográfica.

Quatro anos separam o episódio mais escuro de Game of Thrones e o episódio mais escuro de House of the Dragon… não mudou muito.

Porém, muitos cineastas usam a desculpa da “liberdade criativa” para disfarçar um problema que tem se tornado cada vez mais pungente no cinema e na TV, que é a necessidade de esconder erros e defeitos do público. Não é que isso seja de todo errado – desde o início do cinema, artistas se beneficiam de “truques” para esconder certos aspectos não tão bem trabalhados de seus filmes.

Mas na atualidade, isso tomou proporções graves, especialmente considerando o que está em jogo: o trabalho de outros artistas. Não é novidade que o setor de efeitos visuais tem sofrido muito nos últimos anos, especialmente graças a grandes corporações como a Disney e a Warner. Por não serem sindicalizados, eles estão sendo expostos a regimes de trabalho desumanos e prazos impossíveis, o que afeta sobretudo a criação e finalização de efeitos mais convincentes.

A falta de iluminação, em algumas produções, é um indicativo claro de um “truque” feito para esconder esses erros e defeitos nos efeitos visuais. Basta pensar nos últimos filmes do Universo Cinematográfico da Marvel, onde sempre que há uma cena mais carregada de efeitos, ela acontece à noite ou então em um cenário pouco iluminado e coberto pelas sombras. Talokan em Pantera Negra: Wakanda para Sempre é um ótimo exemplo. Nos prometeram um reino subaquático lindo e cheio de vida, e em troca nos entregaram cegueira temporária.

Sempre vale ajustar os valores da TV, mas não caia em papo furado.

É aí que entra todo o papinho sobre economizar gastos. Às vezes, os estúdios simplesmente não querem gastar o suficiente com efeitos visuais, para aprimorá-los e exibi-los ao público. Por isso, opta-se por uma fotografia bem mais escurecida.

Claro que a gente não pode esquecer também de problemas que acontecem quando o produto já está nas nossas mãos – seja uma projeção ruim em uma sala de cinema, por exemplo, ou até mesmo os níveis de contraste, brilho e saturação dos nossos próprios aparelhos de TV. Por isso, é importante sempre checar em quais cinemas a projeção foi boa, nítida e visível, ou até mesmo mexer no nosso controle remoto para ajustar os níveis da TV – ou, em alguns casos, os nossos monitores de computador.

Mas não caia em papo furado: muitos artistas tentam jogar toda a culpa para o público e dizer que a iluminação porca é culpa de uma TV mal ajustada. Foi exatamente o que Miguel Sapochnik falou ao ser questionado sobre a péssima iluminação na Batalha de Winterfell em Game of Thrones e em um episódio de House of the Dragon. E aqui vale ponderar: se os outros episódios ficaram bonitos e visíveis na minha TV sem eu precisar alterar as configurações, por que justo esse não ficou?

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