Marvel Studios: Artista de efeitos visuais expõe as péssimas condições de trabalho impostas pelo estúdio

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Marvel Studios: Artista de efeitos visuais expõe as péssimas condições de trabalho impostas pelo estúdio

Por Arthur Eloi

O nome da Marvel Studios está em destaque nas últimas semanas. Não só por conta de uma porrada de anúncios na San Diego Comic-Con 2022, mas também por conta de vários relatos de que a gigante do entretenimento é um péssimo lugar para artistas de efeitos visuais trabalharem. Agora, uma carta anônima de um profissional publicada pela Vulture ajuda a explicar como é o ritmo de trabalho por lá.

O texto foi escrito por um artista de efeitos especiais, que não assina com o próprio nome – e o teor do que relata ajuda a entender o motivo. Segundo a fonte, a Marvel é compreensivelmente o cliente mais cobiçado entre todas as produtoras de Hollywood, mas não é conhecida por ser uma boa parceira de trabalho. Os erros começam logo de início: apesar de bilheterias bilionárias, o estúdio apenas contrata produtoras que façam mais por valores minúsculos.

A fonte do texto afirma que não só isso cria uma concorrência desigual entre as produtoras, que tentam baixar seus preços para tentar conquistar a Marvel, como também isso afeta o desenvolvimento das próprias obras, dizendo:

Negociando com a Marvel, as propostas de trabalho costumam ter valores abaixo do piso, e a Marvel está muito feliz com essa relação porque economiza o dinheiro deles. No fim, os projetos acabam sofrendo com falta de equipes. Em produções em que eu normalmente teria uma equipe de 10 artistas trabalhando em uma obra, nos filmes da Marvel costuma ser só duas pessoas – sendo eu uma delas. Todo mundo está trabalhando mais do que deveria.

Por si só, já é preocupante o fato de que a Marvel não valoriza o trabalho das equipes de efeitos especiais ao ponto de abrir seus bolsos para bancar uma quantidade minimamente decente de profissionais por projetos. Mas o cenário se torna ainda pior quando o texto mergulha nas táticas de intimidação do estúdio.

Além de pagar pouco, o que resulta em equipes enxutas, a Marvel também pede por um fluxo constante de alterações cada vez mais irrealistas, com prazos impossíveis. Segundo a fonte, já houve casos em que o estúdio quis refazer todo o ato final de um filme faltando apenas um mês para a estreia, o que significava jogar fora meses de trabalho e criar cenários, personagens e lutas de última hora, correndo contra o relógio.

Gravar tudo em telas verdes permite a Marvel mudar o que quiser no meio do caminho – mesmo faltando pouco tempo para a estreia

A produtora que tinha essa tarefa nas mãos reclamou do prazo irrealista, e a Marvel simplesmente a colocou em uma lista negra para nunca trabalharem juntos novamente – algo que pode complicar a reputação da empresa em Hollywood, ainda que não tenham feito nada de errado. O texto relata casos de hora extra excessiva, como a fonte em questão dizendo que teve de fazer expedientes de nove horas todos os dias (incluindo sábados e domingos), por seis meses direto. Por conta disso, é comum artistas simplesmente quebrarem de burnout e ansiedade.

Além das demandas impossíveis, outro problema apontado no texto é a falta de experiência dos diretores que a Marvel contrata. No processo de pós-produção, a presença do cineasta principal e do diretor de fotografia são necessárias para garantir consistência em todas as etapas. O texto afirma que não há envolvimento de diretor de fotografia nessa fase, o que resulta nas próprias produtoras tendo que dirigir cenas vitais dos filmes:

Somos nós que temos que planejar várias cenas, o que causa muitas inconsistências. Um bom exemplo disso é a batalha no final de Pantera Negra. A física não faz sentido. De repente, os personagens estão pulando de um lado para o outro, como bonecos no espaço. A câmera faz movimentos estranhos que não aconteceram em nenhuma outra parte do filme. É tudo cartunesco, e quebra a linguagem visual do resto do filme.

E quanto ao diretor? Segundo a fonte, a tendência da Marvel Studios de contratar nomes promissores do cinema independente é mais um problema, justamente porque são pessoas sem experiência com blockbusters e o intenso processo de pós-produção que esses filmes pedem.

Nessa etapa de desenvolvimento, as produtoras costumam enviar cenas com efeitos inacabados para a equipe de produção aprovar o desenvolvimento. Acontece que os diretores, por não terem experiência, não conseguem visualizar nada a partir desse material inacabado, e pedem por cenas de teste altamente polidas e finalizadas – o que dá mais trabalho desnecessário. Pense em um cozinheiro que só sabe se precisa ajustar algum ingrediente se experimentar o prato finalizado, decorado e servido. Se for necessário mudar algo, por menor que seja, geralmente significa jogar quase tudo fora e começar de novo.

Diretores e produtores avaliam rumo da obra através de renders de baixa qualidade, para poupar o tempo e trabalho dos artistas de efeitos visuais

Mas por quê alguém ainda iria querer trabalhar com a Marvel depois disso tudo? Bom, além do Universo Cinematográfico da Marvel ser a tendência mais lucrativa do audiovisual no momento, o volume de trabalho é gigantesco, e a Marvel acaba dominando as produtoras de efeitos especiais apenas pelo fato de sempre ter uma avalanche de projetos para lançar a todo momento.

A fonte propõe mudanças dentro do estúdio, como cobrar mais expertise do processo cinematográfico de seus diretores e menos alterações sem sentido, mas também reforça a importância da categoria se sindicalizar para garantir que nenhuma das produtoras possa aceitar ofertas abaixo do piso salarial, e nem trabalhar horas extras sem algum tipo de remuneração digna.

Seja como for, a Marvel Studios tem um longo calendário de filmes e séries de TV planejados até 2025. Se os efeitos ficaram abaixo do esperado para um blockbuster com orçamento milionário, agora você sabe o verdadeiro motivo.