Crítica – Pânico VI: Ghostface aterroriza Nova York no filme mais sangrento e violento da franquia

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Crítica – Pânico VI: Ghostface aterroriza Nova York no filme mais sangrento e violento da franquia

Por Jaqueline Sousa

Se você olhar atentamente para a pintura O Grito, de Edvard Munch, é provável que, em algum momento, comece a sentir um certo desconforto. A sensação de angústia e desespero que a figura em destaque representa mexe com a nossa percepção da realidade, e a confusão de cores do clássico quadro apenas evidencia que, em algum momento da vida, já sentimos que o nosso mundo vai desabar. É o famoso querer gritar em público para, de alguma forma, externalizar uma dor.

E é exatamente essa perda total do controle consciente que Ghostface, o vilão por trás de Pânico, consegue proporcionar com um simples levantar de uma faca, principalmente no sexto capítulo da franquia. Com o retorno da dupla Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett (Casamento Sangrento) na direção, Pânico VI chega aos cinemas mundiais com a proposta de apresentar aos fãs um novo olhar sobre um dos slashers mais importantes do cinema de horror. Temos novas regras, novas vítimas e um Ghostface ainda mais violento e sombrio do que os anteriores. São elementos que funcionam muito bem e prometem continuar funcionando, caso a franquia não se perda dentro de seu próprio universo metalinguístico.

Ficha técnica

Título: Pânico VI

 

Direção: Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett

 

Roteiro: James Vanderbilt e Guy Busick

 

Data de lançamento: 9 de março de 2023

 

País de origem: Estados Unidos da América

 

Duração: 2h 03min

 

Sinopse: Sam, Tara, Chad e Mindy, os quatro sobreviventes do massacre realizado pelo Ghostface, decidem deixar Woodsboro para trás em busca de um novo começo em Nova York. Mas não demora muito para eles se tornarem alvo de um novo serial killer.

Pôster de Pânico VI.

Nova York, novas regras

O que você faz quando quer superar um momento traumático da sua vida? Alguns fazem terapia, outros decidem modificar algum aspecto físico para ter a falsa sensação de controle e muitos mudam de cidade para recomeçar. Este último caso é o das irmãs Sam (Melissa Barrera) e Tara Carpenter (Jenna Ortega), que decidem deixar Woodsboro para trás após o terrível massacre orquestrado por um novo Ghostface no capítulo 5 da saga, que foi intitulado apenas de Pânico (2022).

Ao lado dos gêmeos Mindy (Jasmin Savoy Brown) e Chad (Mason Gooding), que também sobreviveram à tragédia, Sam e Tara agora vivem em Nova York – a cidade que nunca dorme, o centro cosmopolita do mundo e todos os outros clichês sobre a Big Apple que você já leu por aí. Acompanhados de seus traumas particulares e coletivos, o quarteto tenta retomar o controle da situação, mas as coisas mudam quando um novo serial killer mascarado aparece para aterrorizá-los novamente.

Pânico VI mostra um Ghostface mais violento e aterrorizante do que os anteriores.

O tal assassino é, claro, Ghostface. Imortalizado na cultura pop desde que apareceu pela primeira vez no clássico de 1996, o dono (ou donos, no plural) do manto preto que parece flutuar por onde passa é certamente um dos mais interessantes do terror por justamente transcender a ele mesmo. Diferente de figuras como Michael Myers ou até mesmo Chucky, o mascarado fantasmagórico é maior do que ele mesmo por estar sempre “passando o bastão” para outras identidades, algo que, se você parar para pensar, dialoga com o próprio conceito de uma franquia.

Basta olhar para Pânico VI. Com a nítida e sentida ausência de Neve Campbell como Sidney Prescott, que até Pânico 4 ainda mantinha o posto de grande protagonista do slasher, o sexto capítulo parece finalmente aceitar que não há escapatória às regras de uma franquia: o universo criado nos anos 90 vai continuar existindo para além de Kevin Williamson e Wes Craven, velhos conhecidos e personagens inéditos irão habitá-lo e novas identidades do Ghostface continuarão surgindo.

Mas afinal, como manter uma franquia viva sem se render a artifícios baratos vindos diretamente da nostalgia excessiva (um círculo vicioso de Hollywood atualmente – é só ver o que aconteceu com Star Wars)? No caso de Pânico, o sexto filme é extremamente autoconsciente quando decide abraçar essa “fatalidade” porque, além de ser o filme mais nostálgico da saga, continua usando sua história de metalinguagem para tentar subverter nossas expectativas. A cena de abertura de Pânico VI é um ótimo exemplo disso por brincar com ideias pré-estabelecidas do que esperamos de uma história de horror.

Ambientado em Nova York, o sexto filme acompanha o quarteto que sobreviveu ao massacre de Woodsboro no longa de 2022.

E em um mundo repleto de remakes, reboots, revivals, requels e por aí vai, nem mesmo Ghostface escapou de seu “re”. O sexto capítulo da franquia é certamente o mais sombrio, sangrento e aterrorizante, e o grande mérito disso tudo vem a partir da nova identidade do assassino, que é ainda mais perversa e insana do que as anteriores. De novo, a questão da nostalgia também acaba respingando na construção do psicopata, e o filme, claro, não perde tempo em mostrar para você que sabe exatamente o que está fazendo com aquilo.

Isso porque, desta vez, os diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett pareciam estar mais confortáveis com o que tinham em mãos, embora o quinto filme já seja ótimo à sua própria maneira. Com o apoio de um roteiro repleto de referências e diálogos que não se levam a sério, a dupla foi ambiciosa o bastante para criar uma atmosfera violenta, garantindo sequências extremamente eletrizantes que conseguiram aproveitar o melhor do ambiente nova-iorquino e da ideia de recomeço, um aspecto tão presente na jornada das irmãs protagonistas. É o puro suco do que o slasher tem de melhor para oferecer, mas é claro que há ressalvas.

É meta (até deixar de ser)

Relembrando a estrutura de Pânico 2, o sexto capítulo da franquia dá continuidade aos eventos narrados no quinto filme, que aproveitou para revitalizar a franquia nos tempos atuais enquanto fazia uma crítica a fandoms obsessivos e ao papo exaustivo (e ridículo) da existência de um “pós-horror”. Agora, diferente do anterior, Pânico VI até escolhe satirizar a existência de franquias, como dito anteriormente, repetindo a trajetória da saga até então. O problema é até que ponto a metalinguagem que a moldou vai ser capaz de sustentar o legado de Pânico daqui para frente.

Embora continue usando sua autoconsciência, Pânico VI coloca em questão a essência da franquia.

Sim, o sexto filme é mais violento, sangrento e até mesmo mais inventivo quando usa tropos do gênero para conduzir a narrativa. É divertido na medida certa e, por mais que a resolução seja a mais previsível da saga, a condução que nos leva até a revelação final certamente vale o percurso. Qual é o problema, então?

Há alguns incômodos que permeiam a construção de Pânico VI que deixam um gosto um tanto quanto agridoce na boca depois que os créditos sobem na tela. Um deles diz respeito à essência da franquia e a tudo que foi explanado aqui até agora. É nítido que a equipe envolvida com os novos filmes quer revitalizar aquilo que tornou Pânico tão interessante nos anos 90, um período em o que o slasher precisava receber um choque de realidade. É claro também que certos elementos que funcionaram antes não vão mais funcionar hoje em dia – afinal, tudo é produto de seu tempo.

Contudo, até quando isso vai se sustentar por conta própria sem que Pânico acabe se tornando uma franquia vazia e desprovida de qualquer sentido? Se foi a autoconsciência e a sátira de tropos de terror que nos trouxe até aqui, a pergunta que fica é se é apenas uma questão de tempo até Pânico esgotar a si mesma.

Por mais que seu universo permita que atualizações aconteçam (já não temos mais Sidney Prescott, vejam só), o sexto filme parece ser apenas a pontinha do iceberg que pode provocar um trágico naufrágio. Talvez isso seja um pensamento pessimista demais ou até pareça ser o caso de “fã que se sente ofendido por não ver o legado de uma história ser respeitado”. No entanto, a questão não é essa (e nem nunca será) porque a grande incógnita que Pânico VI deixa no ar é se o grande mérito da franquia – sua autoconsciência e sátira inteligente – vai acabar se voltando contra ele mesmo, principalmente se levarmos em consideração as exigências do mercado hollywoodiano. Saber que o sétimo filme da franquia já está praticamente no radar é a prova disso.

Courteney Cox retorna como Gale Weathers em Pânico VI.

E é esse embate entre o velho e o novo que também incomoda em Pânico VI, principalmente quando a jornalista Gale Weathers entra em cena. A personagem de Courteney Cox, juntamente com o retorno de Hayden Panettiere como a Kirby Reed de Pânico 4, funciona como uma ponte entre as duas gerações. Porém, enquanto a presença de Hayden se justifica e acrescenta um ponto positivo para o teor nostálgico que permeia a narrativa, não é isso que acontece com Gale.

A repórter que esteve presente desde o primeiro Pânico basicamente funciona mais como um artifício de narrativa do que qualquer outra coisa. É até desconcertante vê-la regredindo no desenvolvimento que a conduziu ao longo da franquia, algo que de certa maneira aconteceu com Dewey (David Arquette) em Pânico 5, por exemplo (e falo isso como uma pessoa que adorou a maneira como o quinto filme foi conduzido).

As irmãs Sam e Tara Carpenter são as novas protagonistas da franquia.

Apesar disso, a presença de Courteney Cox não deixa a desejar em uma excelente sequência do sexto capítulo envolvendo Ghostface, que coloca Gale Weathers no centro da ação. É nesses momentos que Pânico VI mostra sua verdadeira força, especialmente quando o novo quarteto de protagonistas – Sam, Tara, Mindy e Chad – conquista a nossa atenção.

Sam Carpenter é a final girl da vez, embora o sexto filme não se esforce muito para que o público simpatize com suas motivações. Tara, por outro lado, se beneficia de um ótimo trabalho de Jenna Ortega, que consegue expor os conflitos internos da personagem sem parecer algo forçado. Mindy e Chad são extremamente divertidos e carismáticos, e juntamente com uma nova leva de personagens, conseguem nos manter entretidos e vidrados o tempo inteiro à medida que Ghostface coloca seu plano na ativa.

No final das contas, Pânico VI está longe de ser o melhor filme da franquia, mas isso não significa que seja ruim. Há a presença de sentimentos conflitantes a respeito de como a revitalização de um slasher que preza tanto pela autoconsciência vai continuar (ou não) apropriando-se de sua essência para manter a saga iniciada por Sidney Prescott viva. Talvez seja aqui que a menção da pintura O Grito mais se encaixe, então. Bom, apenas o futuro dirá.

Nota: 3,5/5

Pânico VI estreia no dia 9 de março de 2023 nos cinemas brasileiros.

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