Crítica – Napoleão: Joaquin Phoenix vive versão caricata do líder francês em filme pouco inspirado

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Crítica – Napoleão: Joaquin Phoenix vive versão caricata do líder francês em filme pouco inspirado

Por Jaqueline Sousa

 Se você olhar para Napoleão cruzando os Alpes, uma pintura feita por Jacques-Louis David entre os anos de 1801 e 1805, é fácil entender como Napoleão Bonaparte se imortalizou no nosso imaginário a partir da imagem do grande militar francês que comandou exércitos e venceu batalhas em nome da França. Montado em seu cavalo, o líder militar esbanja uma pose imponente que Napoleão, o novo filme de Ridley Scott (Alien, Blade Runner), amassa como um papel de rascunho que não serve mais.

Com Joaquin Phoenix (Coringa) na pele do ex-Imperador, o longa-metragem que tem como título o primeiro nome de Bonaparte faz uma corrida contra o tempo para tentar abordar os principais acontecimentos da trajetória de ascensão e queda do militar francês, enquanto explora sua conturbada relação com a esposa, Josefina de Beauharnais (Vanessa Kirby). Apesar de carregar um peso de impessoalidade ao redor da figura e fazer um apanhado picotado e confuso de fatos históricos, Napoleão alcança certo êxito pela maneira como satiriza o homem que escolheu viver sua própria verdade.

Ficha técnica

Título: Napoleão

 

Direção: Ridley Scott

 

Roteiro: David Scarpa

 

Data de lançamento: 23 de novembro de 2023

 

País de origem: Estados Unidos da América e Reino Unido

 

Duração: 2h 38min

 

Sinopse: Ascensão e queda do icônico Imperador francês Napoleão Bonaparte. O filme captura a incansável jornada de Bonaparte pelo poder, a partir de sua relação viciante e volátil com seu verdadeiro amor, Josefina, mostrando suas táticas militares e políticas visionárias em algumas das mais dinâmicas sequências de batalhas já filmadas.

Pôster de Napoleão.

Ele veio do nada e conquistou tudo

Muito antes de vencer batalhas e construir um império repleto de glórias, Napoleão Bonaparte (Joaquin Phoenix) era apenas um modesto oficial de artilharia. Vindo de uma família simples, o jovem soldado viu a água se transformar em vinho com a eclosão da Revolução Francesa, período de intensa comoção política e social que impulsionou a carreira militar de Bonaparte.

Esse foi apenas o início de uma intensa e incansável busca de Napoleão por poder, trajetória que o levou a se transformar em um líder cujas táticas e políticas elevaram a influência da França no mundo. Tudo isso enquanto ele lidava (ou pelo menos tentava lidar) com seu conturbado casamento com Josefina (Vanessa Kirby), um relacionamento extremamente volátil e complicado com uma mulher que até poderia ser seu único e verdadeiro amor, caso o país da liberdade não existisse.

Joaquin Phoenix vive Napoleão Bonaparte em cinebiografia de Ridley Scott.

Com passagens que percorrem grande parte da vida militar de Napoleão Bonaparte, a cinebiografia de Ridley Scott usa intensas sequências de batalha para recriar momentos significativos da jornada de Napoleão à medida que explora a relação de amor e ódio entre o ex-Imperador e Josefina, a única capaz de fazê-lo esquecer, nem que por alguns segundos, seu dever perante a França.

À primeira vista, é uma premissa que até poderia ganhar um olhar único, já que o roteiro de David Scarpa (O Dia em que a Terra Parou) tem um teor cômico que, apesar de não ter a coragem de assumi-lo totalmente, ainda consegue encontrar momentos de respiro aqui e acolá. Assim, ao apresentar para o público uma versão insegura e até mesmo patética de uma figura lembrada por sua coleção de vitórias em campos de batalhas, Napoleão brinca com o nosso imaginário o tempo todo, seja com suas construções duvidosas de fatos ou pela liberdade criativa de poder (re)criar a história à sua própria maneira.

É um processo que, por mais que não seja a melhor idealização do nome por trás da direção de clássicos como Blade Runner: O Caçador de Androides (1982) e Alien, o Oitavo Passageiro (1979), ainda consegue captar sua atenção com a performance de Joaquin Phoenix, que soube como equilibrar a comicidade tímida do roteiro com o peso histórico daquele que se tornaria o Imperador da França.

Apesar de não assumir totalmente, Napoleão traz uma visão caricata do líder francês.

Aproximando-se das representações do pintor Paul Delaroche, que retratou o líder militar em seus quadros com uma “humanidade” maior do que a Jacques-Louis David, apresentando-o como um homem melancólico e fadado ao cansaço (coisa que Napoleão cruzando os Alpes desconhece), a construção da persona de Napoleão por Ridley Scott ganha fôlego graças ao trabalho de Phoenix, que com seus olhares desviados, feições quase apáticas e gestos rígidos encontra espaço em meio a uma trama picotada e de pouca inspiração subjetiva.

Isso devido a uma certa impessoalidade de Scott, que retoma sua parceria de tons monocromáticos com o diretor de fotografia Dariusz Wolski para levar às telonas um resumo questionável dos feitos de Bonaparte cujo aspecto psicológico pouco (ou até mesmo nada) é explorado no enredo, a não ser quando a Josefina de Vanessa Kirby (Missão: Impossível – Acerto De Contas Parte 1) entra em cena. É esse olhar, tão rígido quanto a postura do militar francês, que provoca um distanciamento incômodo, quase como se estivéssemos passando as páginas de um livro de História sem conseguir prestar atenção aos detalhes.

Mesmo que as grandiosas sequências de conflitos – em especial uma que recria a Batalha de Waterloo – camuflem o teor “picotado” do enredo, a posição contemplativa da câmera, que vez ou outra se permite sujar as mãos de sangue, não se esforça o bastante para se aproximar de Napoleão e de seus conflitos internos. O resultado é uma condução fria que não sabe muito bem como aproveitar tudo aquilo que tem em mãos, ou melhor, não sabe o que fazer com tanta coisa em mãos, provocando um acúmulo de fatos históricos tão resumidos e recortados que chega a ser exaustivo.

Napoleão conta com grandiosas sequências de batalha.

Mas isso não é algo inédito para Scott, já que outros trabalhos recentes do diretor, como o mediano Casa Gucci (2021), filme que trata do assassinato de Maurizio Gucci, herdeiro da grife italiana que leva o sobrenome da família, também sofre do mesmo problema, embora os roteiristas sejam diferentes. Presos aos fatos, tanto Casa Gucci quanto Napoleão não conseguem sair da superficialidade e do mero desenrolar de acontecimentos seguidos de acontecimentos, como se fossem apenas recortes confusos daquilo que se propuseram apresentar.

Para Josefina, o mundo

Embora existam diferentes versões das últimas palavras de Napoleão Bonaparte, a que o filme de Ridley Scott escolhe é a frase que termina com “Josefina”, aquela que é tida como seu único e verdadeiro amor. Interpretada por Vanessa Kirby, a imperatriz é uma presença incisiva no filme de Ridley Scott, já que é a partir dela que a trama tenta desenvolver os conflitos internos de Bonaparte – servir à França, custe o que custar, ou dar ouvidos aos seus desejos pessoais.

Napoleão não traz uma visão aprofundada dos problemas matrimoniais enfrentados por Bonaparte e Josefina, como a suposta infidelidade da esposa (que no filme realmente acontece) ou sua infertilidade, motivo pelo qual o militar decide se divorciar dela após quase 15 anos de casamento. Contudo, a dinâmica entre Phoenix e Kirby é tão contagiante que o filme consegue recuperar sua atenção na maneira como ambos se comportam em cena.

Performances de Joaquin Phoenix e Vanessa Kirby são pontos altos do filme.

Kirby, com seus olhares expressivos e figurinos deslumbrantes, não precisa de muito para mostrar a força que Josefina exerce em Napoleão. Mesmo diante de relatos de infidelidade e conflitos comunicacionais, Josefina consegue virar o jogo a seu favor a partir da maneira como lida com as inseguranças do marido, mantendo as entrelinhas para si ao invés de colocar todas as suas cartas na mesa. Bonaparte, por sua vez, transforma-se totalmente quando está na presença da esposa, deixando seu chapéu de lado para tentar a todo custo salvar seu casamento (e as aparências).

Ainda assim, o filme faz questão de deixar claro que, não importa o quanto Napoleão a ame, sua adoração pela França sempre prevalecerá. Seja nas palavras não ditas ou nos remorsos acumulados com o tempo, a relação entre o casal parece sempre estar à beira de um precipício, com pouco (ou quase) nada de aprofundamento de suas nuances.

Vanessa Kirby vive Josefina, a esposa de Napoelão Bonaparte.

Isso porque o filme de Scott, embora faça várias tentativas para mostrar as causas que levaram ao famoso divórcio de Bonaparte e Josefina, acaba se perdendo em meio aos recortes históricos apressados que o roteiro impõe. Novamente, tudo resulta na superficialidade, algo que só é levemente superado com as performances de Joaquin Phoenix e Vanessa Kirby, ambos sempre a postos para extrair água de pedra.

Dessa maneira, ao longo de quase três horas de duração, Napoleão busca retratar a ascensão e queda de uma das figuras mais importantes da história com rápidos vislumbres de sua trajetória, partindo de uma ânsia para reunir o máximo de acontecimentos sem se dar ao luxo de realmente explorá-los. Logo, ao querer falar de tudo, o filme de Ridley Scott encerra seu grand finale com o oposto, deixando um vazio tão grande quanto uma página em branco.

Nota: 3/5.

Napoleão está em cartaz nos cinemas.

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