Crítica – A Pequena Sereia: Halle Bailey encanta como Ariel no melhor live-action da Disney até o momento

Capa da Publicação

Crítica – A Pequena Sereia: Halle Bailey encanta como Ariel no melhor live-action da Disney até o momento

Por Jaqueline Sousa

Mas uma sereia não tem lágrimas e, portanto, ela sofre muito mais. É essa frase, escrita por Hans Christian Andersen, o nome por trás de diversos contos de fadas que estão marcados no nosso imaginário, que o live-action de A Pequena Sereia usa como ponto de partida. A história da jovem que ousou sonhar, mas que foi condenada por isso vem encantando gerações há anos, e agora recebeu uma nova versão pelas mãos do diretor Rob Marshall.

Embalados pela voz hipnótica e pelo carisma da atriz Halle Bailey, somos levados às profundezas do oceano para (re)conhecer a jornada de uma jovem que não se contenta com respostas vagas. Mais do que ser conhecida como a “princesa que vendeu sua alma por um príncipe”, a Ariel da nova versão da Disney consegue traçar um caminho próprio em direção ao que ela acredita ser o seu destino. Logo, A Pequena Sereia está longe de ser “irretocável”, mas é nítido que a visão de Marshall no filme e toda a delicadeza de Bailey conseguiram transformá-lo em algo interessante em meio ao histórico deplorável de live-actions da empresa do Mickey.

Ficha técnica

Título: A Pequena Sereia

 

Direção: Rob Marshall

 

Roteiro: David Magee

 

Data de lançamento: 25 de maio de 2023

 

País de origem: Estados Unidos da América

 

Duração: 2h 15min

 

Sinopse: Ariel é uma bela e espirituosa jovem sereia com sede de aventura. A mais nova das filhas do Rei Tritão, e a mais rebelde, Ariel anseia por descobrir mais sobre o mundo além do mar e, ao visitar a superfície, se apaixona pelo elegante Príncipe Eric. Embora as sereias sejam proibidas de interagir com os humanos, Ariel deve seguir seu coração e, para isso, ela faz um acordo com a malvada bruxa do mar, Úrsula, que lhe dá a chance de viver em terra firme, mas acaba colocando sua vida – e a coroa de seu pai – em perigo.

 

Pôster de A Pequena Sereia.

Parte do seu mundo

Assim como qualquer jovem que deseja conhecer mais sobre si e o mundo ao seu redor, a princesa Ariel (Halle Bailey) sonha em seguir aquilo que acredita ser o certo e, dessa maneira, encontrar seu lugar na vastidão do universo, nem que seja no mundo da superfície. Ela poderia ter tudo isso, mas a rigorosidade e a superproteção de seu pai, o Rei Tritão (Javier Bardem), agem como obstáculos sufocantes em sua jornada de autodescobrimento. Afinal, o que uma sereia faria no mundo dos seres humanos?

Apesar dos alertas e da nebulosidade perante o desconhecido, Ariel acredita que merece mais do que o oceano tem para lhe oferecer. Até que seu destino se entrelaça com o de Eric (Jonah Hauer-King), um príncipe por quem a sereia se apaixona — mesmo que sua espécie seja proibida de interagir com seres humanos — e que a joga em um dilema que pode transformar sua vida para sempre: deixar de seguir seu coração ou fazer um acordo com Úrsula (Melissa McCarthy), uma bruxa dos mares que lhe dará a chance de viver na superfície. Mas tudo tem um preço.

Halle Bailey vive a sereia Ariel no live-action de A Pequena Sereia.

Tratando-se de um conto de fadas que foi publicado pela primeira vez em 1837, é difícil falar sobre A Pequena Sereia sem achar que tudo já foi dito sobre a clássica história de Hans Christian Andersen. Releituras, animações, peças e outros formatos mais já foram utilizados para relatar o “trágico” percurso de Ariel. Certamente, no meio de tantas representações artísticas, foi o filme animado da Disney, lançado em 1989, que ficou gravado na nossa mente, mesmo que sua “mensagem” – a sereia que se apaixonou por um humano e fez tudo que estava a seu alcance para ficar com ele, até mesmo desistir da própria voz – possa ganhar sua parcela de controvérsia nos dias atuais.

Para não entrar no debate envolvendo a relação entre obra e o contexto sócio-histórico onde ela é produzida (afinal, esse é uma discussão que, por hora, não cabe ser feita de maneira simplória e resumida em poucos parágrafos), basta dizer que o live-action de A Pequena Sereia pode até ser encarado, à primeira vista, como um filme que quer “consertar” os “erros” da animação dos anos 1980, mas não é dessa forma que ele merece ser visto.

Como dito, o clássico conto de fadas já ganhou diversas versões ao longo dos séculos. A animação de 1989 é uma delas, e o live-action de 2023 é outra. Cada um se adequa ao seu próprio contexto sócio-histórico, mesmo nos momentos em que o longa de Rob Marshall praticamente recria cenas e diálogos do filme animado. A grande questão aqui é que, por mais que a influência da animação esteja presente, a nova versão é exatamente isto: uma nova versão de uma velha história.

A dinâmica entre a Ariel de Halle Bailey e o Eric de Jonah Hauer-King é muito bem construída no live-action.

Ainda assim, se você prestar atenção aos detalhes, dá para perceber que A Pequena Sereia nunca foi somente uma história sobre “uma garota que desiste de tudo por um cara que ela acabou de conhecer”. Por mais que essa seja a “interpretação” (uso interpretação aqui por falta de uma palavra melhor) que a animação da Disney de 1989 transpareça, o que mais chama atenção, se você capta as nuances, é a maneira como Ariel sempre se mostrou mais fascinada pelo desconhecido, sendo motivada pelo interesse em desbravar o mundo e, quem sabe, finalmente sentir que pertence a algum lugar, do que por qualquer outra coisa. E isso vem desde a publicação do conto original.

O interesse romântico por Eric talvez tenha, sim, provocado o estopim para que a fascinação da sereia pelo “proibido”, ou pelo outro lado, tenha desabrochado. Afinal, não dá para negar que é uma história de amor, e a dinâmica entre a Ariel de Bailey e o Eric do ator Jonah Hauer-King é precisa ao demonstrar esse ponto. Mas a questão vai muito além disso: essa faísca, esse desejo por mais e a expectativa de simplesmente pertencer a um lugar sempre estiveram ali, e o live-action de Rob Marshall consegue captar isso nas entrelinhas de um jeito muito bonito.

Mesmo quando a Ariel de Bailey está diante de Eric, após se tornar uma humana, é nítido como ela não perde, em nenhum momento, o encantamento com as coisas que estão ao seu redor. Seja um garfo, um mapa desgastado ou um binóculo – Ariel não é apenas uma garota que decidiu dar sua voz em troca de pernas. É uma jovem que, por meio de um sacrifício, ousou ir atrás de seus sonhos para sentir que fazia parte de um mundo. Não de Eric, ou do Rei Tritão, ou de Úrsula, mas um universo só seu, onde ela poderia ser quem ela quisesse, sem impedimentos.

Apesar de suas limitações, o live-action de A Pequena Sereia é o melhor da Disney até o momento.

De certa maneira, a jornada de Ariel no live-action até ecoa as provações enfrentadas por Cassandra, uma mulher, segundo a mitologia grega, condenada por Apolo a anunciar profecias nas quais ninguém dava ouvidos. É uma relação complicada que, claro, em diferentes nuances, a encontramos na forma como a princesa tenta fazer com que suas verdades sejam escutadas – por Eric, pelo pai, pelos amigos – enquanto ninguém parece levá-la a sério o bastante. Bom, pelo menos não a princípio.

É por isso, e tantos outros motivos, que Halle Bailey capta toda a nossa atenção em A Pequena Sereia. Não somente pela voz que preenche o coração da audiência com a nostalgia das clássicas canções, como a inesquecível Parte do seu mundo (a mais significativa do filme inteiro, diga-se de passagem), mas também por conseguir transmitir a inocência e a curiosidade de Ariel através de gestos, olhares e mudanças quase imperceptíveis em sua feição. É um trabalho louvável, algo que não vemos na Bela de Emma Watson, por exemplo, no medíocre live-action de A Bela e a Fera de 2017.

Aqui no mar

Agindo em sintonia com a performance de Bailey, é interessante ver a maneira como a experiência de Rob Marshall como coreógrafo conseguiu enriquecer ainda mais as sequências do live-action, especialmente as musicais. O gênero já é um velho conhecido de Marshall e, mesmo com uma carreira de erros, como o esquecível Caminhos da Floresta (2014) e grandes acertos, como o magnífico Chicago (2002), não dá para negar que o diretor estava bastante confortável com o que tinha em mãos.

Em certos momentos, a construção do espaço cenográfico conseguiu convergir com as canções de um jeito único, criando uma ambientação que reforça os desejos mais profundos de Ariel na tela, deixando de lado aquela verborragia excessiva que encontramos aos montes por aí. No entanto, é preciso dizer que, apesar de ter seus méritos, não é sempre que isso ocorre.

Honestamente, ficar pontuando se as sequências no fundo do oceano são realistas o bastante para serem “críveis” não é uma questão relevante aqui, e nem deveria ser. Contudo, é difícil não comparar o efeito causado pelas cenas marítimas de A Pequena Sereia, que muitas vezes pecam com a péssima iluminação e seus aspectos artificiais, ao de Avatar: O Caminho da Água (2022).

Enquanto no filme de James Cameron somos arrebatados por um universo vivo e idílico, o mar de Ariel não consegue escapar das armadilhas que dominam a indústria cinematográfica atualmente: a urgência por um realismo em demasia, uma iluminação opaca e efeitos visuais questionáveis. A sequência da música Aqui no Mar, uma das mais famosas do histórico de animações da Disney, é a que mais sofre com essa triste combinação, perdendo todo o encanto que a animação consegue transmitir.

O que é uma pena, já que o filme poderia usar as características de sua própria construção de mundo para brincar com tais aspectos, como até tenta fazer por meio da vilã Úrsula. Porém, a antagonista acaba sendo comprometida por não receber a mesma atenção que outros elementos da narrativa, e o mérito fica nas mãos da atriz Melissa McCarthy, que entrega uma ótima performance caricata com todas as limitações que a trama impõe.

Melissa McCarthy faz um ótimo trabalho como a vilã Úrsula.

Outro ator que também conseguiu extrair água de pedra foi Daveed Diggs. O artista é a voz por trás do metódico Sebastião e, mesmo em momentos questionáveis (como a sequência musical de Aqui no Mar), o trabalho de Diggs é tão competente que ele capta sua atenção até quando o roteiro tenta arrancar uma risada forçada de você. Ele trouxe uma certa vivacidade para Sebastião que personagens como Linguado (Jacob Tremblay) e Sabidão (Awkwafina) não possuem, o que acaba tornando tudo um tanto quanto cafona. Dentre eles, é o peixinho amarelo e azul, o fiel escudeiro de Ariel, que mais sofre com o realismo em cena, já que os animais parecem tão desprovidos de vida que poderiam muito bem estar no terrível live-action de O Rei Leão (2019).

Além disso, a presença de Javier Bardem é mais um elemento que foi desperdiçado em A Pequena Sereia. Se, na animação de 1989, o Rei Tritão mostra toda sua imponência, não é isso que acontece no filme de 2023. É perceptível que as limitações de seu personagem na narrativa mais atrapalharam do que ajudaram a performance de Bardem, que muitas vezes parece apático e até mesmo deslocado em cena. Claro que existem outros fatores por trás, como a própria direção de Marshall, mas é decepcionante ver que uma figura tão interessante como Tritão e um ator tão competente quanto Bardem sejam jogados para escanteio no filme.

O Rei Tritão de Javier Bardem não se destaca no live-action.

Sendo assim, se comparado a outras produções da Disney em live-action, como O Rei Leão e A Bela e a Fera, a nova versão de A Pequena Sereia é um avanço para o formato. Por mais que o conjunto da obra não seja impecável, a maneira como somos apresentados aos conflitos e desejos de Ariel se beneficia muito da encantadora performance de Halle Bailey, que capta a essência da personagem de um jeito delicado e sonhador que mostra que, sim, a sereia não só tem lágrimas como também pode encontrar maneiras de superar a dor que a impede de escolher seu caminho. Basta que ela acredite o bastante para encontrar uma maneira de pertencer ao seu próprio mundo.

Nota: 3,5/5

A Pequena Sereia estreia no dia 25 de maio de 2023 nos cinemas brasileiros.

Aproveite também: