Review: Harvestella, a fazendinha apocalíptica da Square, é muito mais do que você imagina

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Review: Harvestella, a fazendinha apocalíptica da Square, é muito mais do que você imagina

Por Márcio Jangarélli

No mundo gamer, a segunda metade de 2022 foi programada especialmente para os fãs veteranos de JRPG. Remakes, remasters e novas tentativas para franquias clássicas trouxeram uma enxurrada de nostalgia para a comunidade, mas também tivemos novos títulos tentando seu espaço no mercado; entre eles, Harvestella, uma produção intrigante da Live Wire.

A Square enviou uma cópia do game para a Legião e agora, depois de muitas horas de colheita e viagens espaciais(?!), já posso tentar explicar melhor o que Harvestella é. Não será uma tarefa fácil, mas o game é bom o suficiente para me fazer tentar.

FICHA TÉCNICA

Título: Harvestella

 

Lançamento: 04 de Novembro de 2022

 

Estúdio: Live Wire

 

Distribuição: Square Enix

 

Gêneros: JRPG, Simulador

 

Plataformas: Nintendo Switch e PC

 

Tradução PT/BR: Não

Agricultura apocalíptica e existencial

É um jogo da Square, então tudo gira em torno de cristais misteriosos (C: Reprodução)

Definitivamente, não é todo dia que você topa com um jogo como Harvestella. Talvez no passado, quando os JRPGs se permitiam ser mais malucos em seu formato e proposta, mas não hoje. Em suma, a nova aventura da Square tem como base simulação de cultivo, mas mistura magia, tecnologia futurista, existencialismo e o apocalipse, resultando em algo incrivelmente coeso, impactante e divertido. Curioso, não?

O sentimento principal desse game é um déjà vu de jogar um JRPG de SNES ou do início do PS1, algo muito parecido com a minha recém descoberta de Live A Live, uns meses atrás. Você até pode prever alguns resultados da jornada porque, no fim, não tem como escapar de certos clichês, mas, no geral, os caminhos que Harvestella te mostra são surpreendentes e a forma como o jogo escolhe contar essa história é única.

Aqui você usa magia para criar um regador e aguar sua plantação de cenoura

Em Harvestella, seu protagonista acorda sem memórias em um mundo estranho e mágico. Logo de cara, você faz alguns amigos que te emprestam(?) uma casa e te ensinam plantar, para que você consiga sobreviver enquanto tenta descobrir sua identidade. A partir daí, você precisa lidar com o temível Quietus – um dia entre as estações onde tudo plantado morre e as pessoas se fecham em casa para não se contaminar – e investigar os mistérios desse lugar.

O sistema base aqui é simples: você compra sementes, prepara a terra, planta, rega, colhe e vende. Mais adiante, você pode usar sua colheita para cozinhar e vender os pratos ou usá-los para restaurar HP e status em suas batalhas. O game possui uma passagem de tempo contínua, dia a dia, estação a estação, com um dia de Quietus entre elas. Seu personagem não aguenta ficar acordado depois das 00h, então você é obrigado a dormir ou termina desmaiado, e também é preciso balancear sua stamina, seja nas explorações ou no plantio.

Claro, Harvestella não é apenas um simulador; fora da fazenda, o game funciona como um JRPG clássico, com missões, classes para o protagonista, amigos entrando para sua equipe e toda loucura que você pode esperar de uma trama dessas. A batalha é em tempo real, você só controla seu personagem, mas conta com uma variedade grande de Jobs (de guerreiro a paladino e samurai) e oito companheiros, que você pode revezar para montar seu trio principal.

A direção de arte desse game é absurda, mesmo que a qualidade dos gráficos não seja das melhores

Sem dúvida, o ponto alto de Harvestella é sua história. É uma aventura intrigante, que te prende, te faz tentar adivinhar o que vem a seguir, mas consegue sempre subverter suas expectativas da melhor maneira possível. O game não tem medo de seguir linhas mais sombrias ou debater tópicos sensíveis. Inclusive, a jornada coloca decisões moralmente impossíveis para o jogador (e sem pesar a mão em uma dicotomia de certo ou errado).

Os personagens também merecem elogios. Ao mesmo tempo que esses heróis e vilões seguem sim arquétipos clássicos, eles são carismáticos e profundos o suficiente para te conquistar. Você tem vontade de seguir a história secundária de cada um deles, que não é obrigatória, só pelo prazer de descobrir mais sobre essas pessoas e como os Jobs clássicos de RPG se encaixam neles.

Mundo e trilha sonora também são impecáveis. Pode ser que, em quesitos gráficos, o Nintendo Switch não deixe Harvestella explorar tudo o que poderia, mas ainda é um jogo extremamente bonito, com cenários sensacionais, cenas épicas e storytelling te rodeando o tempo todo. Quanto às músicas, não tem muito o que dizer; é uma trilha magnífica, que casa perfeitamente com o game, amplifica tudo o que está sendo mostrado e traz um gostinho nostálgico, da “época de ouro” dos JRPGs.

Fãs de Chrono Trigger, vocês reconhecem essa cena? Posso dizer que até o contexto é parecido

Inclusive, esse é um ponto importante: Harvestella se inspira em muitos JRPGs clássicos, os mais óbvios sendo Final Fantasy e Rune Factory, mas se você é fã, vai notar imediatamente o quanto esse jogo bebe de Chrono Trigger e Chrono Cross. Estranhamente, eu diria que essas são as maiores referências aqui, observando o pacote completo. Algumas cenas são homenagens claras a momentos clássicos desses jogos e essa inspiração acaba se costurando a tudo, de uma forma ou de outra.

Infelizmente, o game possui seus problemas. O sistema de batalha de Harvestella, mesmo sendo extremamente variado e divertido, poderia ser muito melhor. O fato de não ter uma mira constante, o timing estranho dos combos, a inteligência artificial fraca dos seus companheiros e a falta de peso nos ataques tornam a experiência mais cansativa do que deveria ser. Daria para entender se o foco do jogo realmente fosse a simulação e cultivo, mas o balanço aqui pende mais para a aventura fora da fazenda.

Não é o melhor combate do mundo, mas a quantidade de classes e estilos torna as coisas divertidas

Além disso, algo que realmente irrita, o sistema monetário do jogo é simplesmente mal pensado. Você precisa de dinheiro para tudo em Harvestella, da compra de sementes a renovação da sua fazenda, mas a única coisa que rende pagamento é a venda da colheita ou refeições. É preciso colocar tudo em uma caixa de entrega ao longo do dia e, quando a noite vira, só aí você recebe. Poderia não ser tão ruim se os produtos não fossem absurdamente caros, enquanto suas vendas não rendem muita coisa.

Isso te faz gastar boa parte do jogo se preocupando com dinheiro, no lugar de pensar na fazenda ou na história. Porque você precisa de “grillas” para sua próxima colheita, renovar sua casa e fazer upgrade nas suas armas. Não é algo divertido e ainda que dê para entender o porquê das coisas funcionarem assim, essa estrutura rouba sua concentração das coisas mais legais que o jogo oferece.

Não deixe isso te desanimar caso o título tenha te interessado, porém. Todas as qualidades excepcionais do jogo te fazem relevar esses problemas. É um game deliciosamente peculiar, que provavelmente seria um clássico caso fosse lançado na época de suas inspirações. Sem falar que conta com um lado perigoso, viciante como toda fazendinha deve ser.

Nota: 8,5/10

Harvestella é uma grata surpresa para o fim de 2022. É a curiosa proposta da Square de um game relaxante: uma fazendinha no fim do mundo. Não dá para dizer que não é único, certo?

 

Algumas mudanças no sistema de batalha e monetário fariam do título ainda melhor, mas ele já é sensacional como está: uma grande aventura, com ótimos personagens, trilha sonora e mundo magníficos e uma história inesquecível.

 

Por tudo isso, Harvestella leva 8,5 da Legião dos Heróis. Se você é fã de JRPG ou quer experimentar algo diferente, esse é o título para o seu final de ano.

Já tinha ouvido falar de Harvestella? Não esqueça de comentar!

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