Review: Resident Evil Village é um alucinante parque temático digital

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Review: Resident Evil Village é um alucinante parque temático digital

Por Lucas Rafael

Resident Evil Village talvez seja o lançamento mais aguardado de 2021. Dando sequência aos eventos de RE7, voltamos a jogar com Ethan Winters, o novo protagonista da franquia, desbravando um bucólico vilarejo europeu no auge de um inverno rigoroso. Ethan está em busca de sua filha e segue a trilha de seu sequestro até ali.

Mas e aí, será que a espera valeu a pena? Afinal, RE:Village honra o padrão de qualidade estabelecido pelo seu antecessor, responsável por revitalizar a franquia, ou decepciona e morre na praia?

Ficha Técnica

O Chris estampado na capa oficial de RE: Village também te deixou intrigado?

Desenvolvedora: Capcom
Publisher: Capcom
Plataformas: PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series X, Google Stadia, Microsoft Windows
Lançamento: 07 de maio de 2021

Como você gosta do seu Resident Evil? É um saudosista fã dos primeiros jogos, densos de uma atmosfera “filme B” com controles tanque e câmeras estáticas? Ou talvez seja fã de RE4, mais fluido e voltado para a ação, equilibrando suspense e explosões enlaçados num tom absurdo?

Seja lá qual for a resposta, Village bebe dessas fontes e além, inovando na fórmula enquanto se mantém seguro em raízes que, ao longo dos anos, tornaram Resident Evil a franquia poderosa que é.

*Para a review do jogo foi testada a versão do jogo no PS5. 

 

Turistando no vilarejo

A sensação de jogar Resident Evil Village é, muitas vezes, comparável a explorar as atrações de algum parque temático.

Sai de cena aquele intimismo doméstico da residência Baker, impregnado por uma aura sórdida de filme slasher, para dar lugar a um bucólico vilarejozinho europeu. Mas que segredos essa terra estranha reserva para você?

Village começa apostando em suspense e atmosfera. O início e a primeira área pedem por uma gestão de recursos inteligente: você não quer dar um tiro à toa.

Existe um excesso de adornos macabros nessas horas iniciais que reforçam a sensação de parque temático. Para chegar no vilarejo, por exemplo, você segue uma trilha de corvos mortos. Coisas rosnam em meio ao matagal, correndo por cima de galhos secos que estalam na noite, uma noite escura e densa pela qual você vaga desarmado e confuso contra aquilo que está te rondando.

Resident Evil Village aposta forte na atmosfera.

Lembra um pouquinho a chegada do Leon no vilarejo de RE4 – e os paralelos com o quarto game da franquia não param por aí. Do comerciante, até algumas setpieces e certos inimigos, Village presta reverência constante ao clássico quarto game da franquia.

Okay, RE8 é RE7 com pitadas de RE4. Mas há um ingrediente-extra na receita desse bolo.

Eu sou capaz de apostar um dedinho que alguém da Capcom, durante ou antes da produção de Village, estava jogando muito, mas muito Bloodborne.

O título da FromSoftware parece ter servido como uma inspiração estética muito forte. Há diversos inimigos e sub-chefes que poderiam muito bem ser modelos descartados pela From para a Fera Clerical, por exemplo.

Mas as coisas não param por aí: essa influência Soulsborne pode ser sentida até no layout dos mapas.

 

O Vilarejo das Sombras

RE8 conta com um mapa compacto e arrojado, repleto de atalhos que encurtam distâncias e até mesmo abarcando áreas secretas que escondem surpresas, às vezes até um chefe.

Essa filosofia de level design à lá Bloodborne-Souls faz com que Village seja um jogo que instiga exploração constante, não apenas em busca de recursos, mas por um fator de deslumbramento: sabe se lá o que você vai encontrar caso se desvie do objetivo e tome uma rota peculiar.

Isso gera alguns momentos maravilhosos que só bons jogos sabem criar: entrar em um moinho e encontrar um novo inimigo bufando para uma parede coberta em vísceras e sangue não falha em causar aquele arrepio que significa “opa, acho que não era pra eu estar aqui“.

Nada melhor que cabeças de cabra para decorar seu vilarejo.

Mas calma, a inspiração nos jogos da FromSoftware se limita ao fator estético e escolhas de level design, sem implicar num game difícil: há modos de dificuldade e no médio, em que eu terminei o jogo, a experiência foi tranquila, oferecendo desafios pontuais. Os puzzles, por exemplo, nunca são tão desafiadores quanto a área de Lucas Baker em RE7.

Falando nisso, caso você tenha jogado RE7, vai se sentir em casa aqui. É o mesmo esquema de jogabilidade: desvende salas, encontre chaves e resolva puzzles para prosseguir enquanto decide se é melhor fugir dos inimigos ou, quem sabe, matá-los mesmo.

Encontre novas armas, compre munições e itens de cura, enfrente chefes nojentos. Melhore suas armas para diminuir recuo, tempo de carregamento, aumento de dano e por aí vai.

O interior de uma casa em RE: Village.

O vilarejo instiga. O sequestro da filha de Ethan Winters, o protagonista sem face que você controla, é só o topo do iceberg. RE8 possui diversas surpresas narrativas para os fãs da franquia, algumas que podem soar absurdas, enquanto outras amarram bem com a lore de jogos passados.

Você quer explorar aquele lugar, quer entender qual é a da tal Mãe Miranda e porque há um culto em torno dela.

RE8 começa num ritmo duvidoso: após a chegada no vilarejo, o jogo te espreme por diversas situações lineares que buscam introduzir algo – os chefes, os inimigos, etc. A coisa só começa, pra valer, quando você adentra o castelo Dimitrescu.

 

Alcina Dimitrescu, a nova Nemesis?

O castelo Dimitrescu é uma pequena joia de level design. Com seus aposentos suntuosos e masmorras bolorentas, você o percorre bastante em busca de itens e chaves, decorando cada esquina como a palma de sua mão.

Alcina Dimitrescu, a vampira gigante dos trailers, é um Nemesis mais efetivo que o Nemesis de RE3 remake. Ela te persegue incansavelmente auxiliada por suas filhas vampiras.

Novamente, dá pra reiterar o quão RE8 parece um parque temático: você segue uma trilha de corvos, encontra um vilarejo. Passa por uma terra alqueivada de mato denso repleta de licanos e chega até um castelo regido por vampiras quase sensuais demais para darem medo. É atração após atração, cada qual com suas particularidades, um jogo claramente também pensado para a imersão em realidade virtual.

Não insulte a casa Dimitrescu. Ou insulte, você é quem sabe.

Há essas adegas de vinho subterrâneas onde os barris dividem espaço com vampiros decrépitos. Notas te informam que esses seres miseráveis são antigos membros da criadagem do castelo. Outras notas te revelam o ponto-fraco das filhas de Alcina. É tudo muito instigante de se explorar.

O castelo Dimitrescu é análogo à delegacia de RE2 – um vasto ambiente para você decifrar e explorar enquanto é perseguido. Há salas seguras, sim, e é pra lá que você pensa em correr quando a coisa toda sai do controle.

Após o castelo, Village ainda conta com muita estrada pela frente na forma de áreas temáticas que possuem cada uma seu sabor distinto.

Infelizmente, a sombra do castelo Dimitrescu paira pelo resto da experiência: algumas áreas são mais lineares e menos inspiradas que as outras, sendo muito rápidas e compactas ou focadas em puzzles simples demais. Há um perseguidor – bem medonho, por sinal – em uma delas que é simplesmente fácil demais de despistar, parecendo mais uma cutscene macabra pensada para dar sustos com um óculos de realidade virtual do que, bem, um perseguidor à altura de Alcina Dimitrescu.

Lugarzinho massa pra acampar com a galera da facul.

O lado positivo dessa variação entre as áreas é que RE8 possui um ritmo muito bom. Seguindo a analogia com um parque temático, nenhuma atração é igual à outra, tanto em termos estéticos, quanto de jogabilidade.

Uma mansão repleta de bonecas sinistras, um moinho no qual habita uma criatura disforme, uma masmorra infestada de lobisomens, uma fábrica de experimentos bisonhos: você visita cada área, se maravilha, se assusta, dá risadas por conta dos absurdos, dá risadas nervosas de medo e explora cada canto em busca de tesouros e surpresas.

 

What are you buying?

O comerciante, chamado Duque, é um aspecto de RE8 muito parecido com RE4, como vocês já puderam perceber. Mas ele é também uma peça-chave para sua progressão no jogo: no começo, todos os recursos parecem caros, opressivamente escassos.

Conforme você progride, o Duque, assim como o comerciante de RE4, vira um elemento-chave de balanceamento. Ao derrotar os chefes, você ganha itens que pode vender por um alto preço, valor que é convertido em munições, melhorias e até mesmo novas armas.

Você e o Ethan vão se perguntar como ele consegue ser tão rápido indo de um lugar pro outro.

Ele é tão misterioso quanto sua contraparte de RE4 e tão útil quanto ela. Há animais vagando pelas paragens de vilarejo e você pode “caçá-los” (é mais atirar covardemente, são poucos que te atacam de volta) para coletar carne e ingredientes. Eventualmente, você entrega essas mercadorias para o Duque te preparar pratos que melhoram seus status, como velocidade e vida máxima.

 

Imerso no vilarejo

A RE:Engine surpreende novamente. Tecnicamente falando, RE8 dá um show no Playstation 5.

Nos ambientes externos, a direção de arte capricha ao entregar visuais desoladores e belos, ruínas com cadáveres enforcados, bandos de aves sobrevoando mares de pinheiros. Não fosse a parte dos cadáveres pendurados ou das criaturas sanguinárias que espreitam por ali, você adoraria passar férias naquele local.

Mais um belo nascer do sol no vilarejo.

Nos ambientes internos, as texturas saltam aos olhos e, principalmente em masmorras e salas do castelo, é impossível não se impressionar com a luz âmbar que reflete dourada no cano de sua arma. É tudo muito natural, muito elegante.

O jogo se mantém nos 60 FPS com constância. Tirando uma textura duvidosa em partes específicas, não encontrei nenhum bug ou sofri nenhum crash – o que deveria ser o mínimo para um jogo single-player, mas parece raridade nos dias de hoje.

Lógico, a qualidade de áudio aqui também impressiona. Dos galhos secos que estalam denunciando a presença de inimigos ao rosnar lamurioso de criaturas à distância, RE8 é tecnicamente competente.

 

Entre o terror e a ação

RE4 foi um divisor de águas para a franquia na época, alternando entre suspense e ação e às vezes, conseguindo caminhar um meio termo saudável entre os dois.

Village segue a fórmula de RE7: início cheio de suspense, meiuca com gerenciamento de recursos até você se sentir bem equipado para lidar com as ameaças, reta final onde você se torna forte demais e o game vira uma galeria de tiro, quase um FPS mesmo.

Demorei 11 horas e 30 minutos para terminar minha primeira jornada pelo vilarejo, explorando bem o que eu encontrava de diferente pelo mapa. Indo para o final do jogo, a maioria das rotas que eram inacessíveis se abrem e você pode explorar aquele mapa à vontade. É uma sensação prazerosa de progresso.

Antes de visitar o vilarejo, não esqueça o casaquinho da vovó.

Quando os créditos rolam, fiquei com a sensação de não ter achado lá essas coisas as revelações narrativas e a conclusão que a história toma, mas a jornada até ali, passando por castelos, moinhos e masmorras, bosques e ruínas pagãs, certamente valeu a pena. RE: Village é um parque temático de horror folclórico que às vezes beira o ápice de um terror atmosférico e outras beira o ridículo (tem uma luta contra um chefe que é o suprassumo do absurdo).

 

Nota

Se você aprecia Resident Evil em todas as suas nuances, do humor absurdo ao horror viscoso, talvez Village seja o seu jogo favorito do ano.

Resident Evil VIII é um jogo competente e as inovações que traz para a franquia (emprestadas de Bloodborne / Souls) são muito bem-vindas. Não vejo a hora do próximo título se aprofundar ainda mais nesses conceitos.

No momento, eu quero re-experimentar Village numa dificuldade maior, pois quando você fica um tempinho longe daquele vilarejo coberto de neve, bate uma saudade. Vai que eu não explorei alguma área escondida ou que eu esqueci de algum item incrível. Village é esse tipo de jogo, entretém o jogador casual e fascina quem está em busca de um desafio. Há mistérios de sobra aqui para te manter investido e incentivos para novas jogatinas, como desbloquear munição infinita para suas armas favoritas e até novas armas no comerciante.

4,5/5 estrelas.

Se você gostou do 7, é quase certo que Village vai te ganhar. Este redator amou Resident Evil 7. No entanto, o clima mais minimalista daquele jogo (que se passa em sua maior parte numa casa e num quintal da Louisiana) é sacrificado por um tom mais grandiloquente, explosivo e atmosférico.

RE4, Bloodborne e RE7, eis uma soma de referências que eu posso te oferecer para pintar uma noção geral do que é RE Village.

A nota final para RE: Village são quatro estrelas e meia de cinco. Espero que você se divirta tanto quanto eu caso visite o vilarejo e suas atrações.

Já se rendeu à Lady Dimitrescu? Conta aí nos comentários!

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