[CRÍTICA] Death Stranding – Um passo de cada vez por um mundo melhor!

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[CRÍTICA] Death Stranding – Um passo de cada vez por um mundo melhor!

Por Lucas Rafael

Death Stranding evocou a curiosidade dos fãs do próprio diretor da obra, Hideo Kojima (criador da influente franquia Metal Gear Solid), desde o seu anúncio na E3 de 2016. De lá pra cá, piadas foram feitas com base no material promocional, afirmando que o game se tratava de um “simulador de caminhadas” e que não parecia ser muito divertido; altamente conceitual e ambicioso demais para o próprio bem. Mas e aí, será que Death Stranding é mais um clássico de Kojima ou morre na praia?

Atenção: Há pequenos detalhes de jogabilidade/narrativa (nada muito revelador ou crucial) e imagens de chefes salpicados pela análise. Se você considera tais revelações um spoiler e quer experimentar o game sem nenhum conhecimento prévio, é melhor deixar essa review para outra hora.  

Um Passo de Cada Vez 

A mecânica ao centro de Death Stranding é fazer entregas. Estas entregas são destinadas aos diversos sobreviventes que populam um Estados Unidos devastado pelo evento cataclísmico que dá nome ao jogo.

Neste pós-apocalipse, a morte não é uma fronteira final para a humanidade, ganhando toda uma nova conotação científica e metafísica. Existe uma mitologia extensa e cheia de jargões no game, fadada a render tópicos enciclopédicos em fóruns de fãs.

Termos como DOOMs, Repatriados, BBs, Ha e Ka são tanto neologismos quanto empréstimos de outras religiões. Os personagens empregam estes jargões com imensa naturalidade durante os diálogos. Muitas conversas no game são densamente expositivas, visando mastigar um pouco da ambientação ao jogador. Essa é a parte mais tediosa – porém necessária, dada a ambição do projeto – de Death Stranding: pessoas explicando coisas.   

E qual é a do jogo?

A trama começa quando Sam (Norman Reedus) ganha da presidente dos EUA a tarefa de ampliar a Rede Chiral (uma espécie de internet) através do país. 

Tal rede serve como uma alegoria bastante literal para a conexão de um povo. Ela permite que centros populacionais se comuniquem entre si, que informação e dados estejam disponíveis para todos e que artefatos e estruturas sejam impressos na impressora Chiral – uma espécie de impressora 3D. 

Instalar esta rede Chiral interessa ao jogador, já que quanto maior sua extensão, mais você pode utilizar estruturas feitas por outros jogadores que, por sua vez, também podem desfrutar das estruturas que você constrói. Este é o multiplayer: uma bela cooperação que facilita (e muito) a travessia do mapa. 

Você nunca vê outros jogadores, mas pode eventualmente ouvi-los e identificar seus nomes nas estruturas que criaram. A interação entre jogadores se dá por meio de Likes. Você pode dar likes para estruturas que te ajudam e jogadores podem curtir as suas estruturas, contanto que elas sejam bem posicionadas e úteis.

Também é possível deixar sinais, alertando aos jogadores sobre perigos iminentes ou até dando dicas e mensagens de apoio.

É normal, em certo ponto do game, você perder sua carga. Outros jogadores podem recolhê-la e entregá-la por você dependendo da natureza da carga – se ela for vital para a campanha, só você pode concluir a entrega. É possível também encontrar cargas de outros jogadores perdidas por aí, possibilitando que você finalize a entrega por eles. Existe um sentimento de cooperatividade contínuo aqui, que serve de alicerce para o próprio tema no núcleo do jogo: conexões.

Eventualmente, uma personagem declara que a solidão é a morte em vida. Após o Death Stranding, pessoas se mantém isoladas em seus refúgios, sem qualquer tipo de interação social, sobrevivendo ao invés de viver. É em Sam (personagem controlado por você) que recai a tarefa de unir as pessoas novamente, tanto através de suas entregas quanto da expansão da Rede Chiral.

Mais que um “Correios: The Game”

Entre um ponto de entrega e outro, Sam encontrará problemas. O terreno é um deles. 

Elevações, rios agitados e regiões montanhosas são algumas das agruras que dificultam a entrega de mercadorias. 

 

 

As estruturas que você pode criar variam de escadas para atravessar um rio, cordas para descer de um penhasco; até geradores de energia para recarregar a bateria de veículos/exoesqueletos, armários para depósito de carga e casas-seguras nas quais você pode descansar Sam, fazê-lo tomar banho e cuidar de suas necessidades fisiológicas.

Outro problema são os acampamentos de Mules – grupos de pessoas obcecadas pelo roubo de cargas. Em algumas missões, você deve fazer com que Sam recupere algumas das mercadorias roubadas pelos Mules. Nestes momentos, Death Stranding deve muito à franquia Metal Gear Solid. Furtividade é um elemento recorrente da experiência aqui, não apenas para passarmos pelos acampamentos de Mules, como também pelas áreas de BTs (Beached Things).

BTs são o maior problema que você, controlando Sam, encontrará em suas rotas de entrega.  São criaturas da dimensão da morte que buscam captar pessoas vivas. A presença destes seres é denunciada pela chuva – aqui chamada de Timefall – que acelera o tempo de tudo que toca. 

Quando você entrar em território chuvoso, em algum momento seu Odradek (sim, o jogo possui uma referência à Franz Kafka) irá virar uma antena que denuncia a posição das criaturas. Tais criaturas são, a princípio, invisíveis ou muito esmaecidas. Desta forma, o Odradek sempre apontará para aquela que estiver mais próxima de Sam, com a cor e ritmo da antena indicando o quão perto a entidade está. 

 

O Odradek é essa antena aí.

 

Desde a primeira aparição até os momentos finais do game, encontros com BTs são sempre tensos. A mecânica é genial, te dizendo que algo está perto mas nem sempre mostrando esse algo, fazendo a mão suar no controle. Principalmente se você carrega uma mercadoria frágil que com certeza será danificada em uma batalha contra BT. 

Se você for detectado pelos espectros, diversas pessoas untadas em óleo arrastam Sam para a dimensão da morte, onde ele deve enfrentar um monstro ou fugir.

Encontrei uma variedade de 4 monstros diferentes ao decorrer da campanha, mas podem existir mais, acredito. 

As batalhas se resumem em pular por estruturas que emergem de um líquido negro e atacar os monstros com armas que usam o sangue ou fluídos corporais de Sam como munição, visto que eles temem algo presente no organismo do protagonista. 

Das estruturas que emergem durante a batalha até o sangue de Sam ser nocivo aos BTs, tudo isso tem uma explicação em algum momento na trama. É desserviço entrar em muitos pormenores do jogo no risco de spoilar parte da experiência.

 


Uma parte essencial de Death Stranding é que você não pode matar pessoas. Se em Metal Gear o apocalipse vinha na forma de um robô nuclear e ogivas, Death Stranding transforma cada indivíduo em uma potencial bomba devastadora. Toda vez que alguém morre, o cadáver é passível de sofrer necrosis (lembra quando eu disse que o jogo era cheio de jargões fictícios?) fazendo com que o corpo da pessoa exploda em um raio generoso, deixando uma cratera e entulhos para contar a história. 

Ou seja, nada de mortes aqui. “Ah, mas e se eu morrer no jogo por cair de uma montanha ou algo do tipo?” Bem, Sam é um repatriado. Lembra lá no começo quando eu falei que o conceito de morte é diferente neste universo? Ao falecer, as pessoas vão para a “praia”. Sam não, ele acorda no mar e volta à vida, vomitando um líquido escuro e viscoso em seguida.  

É importante destacar que você vai andar/navegar pelo mapa MUITO em Death Stranding. Algumas músicas de artistas renomados tocam às vezes. São momentos “vibes” nos quais você percorre vales e picos nevados, atravessa rios e basicamente absorve o cenário. Pode ser bonito, pode ser tedioso. Este redator achou tais momentos bastante catárticos, visto que se desenrolam geralmente quando Sam está próximo de concluir seu objetivo ou iniciando uma jornada, servindo como recompensa ou incentivo ao jogador. 

 

O Odradek também escaneia o ambiente e te informa sobre o solo e itens dispostos no mapa.

No começo, há apenas uma maneira de realizar entregas. Conforme se progride, o jogo fornece um leque de variedade que permite a cada jogador ter uma abordagem distinta ao mapa. Desde motos e carros para cobrir o terreno plano e estradas, passando por exoesqueletos especiais para escalar montanhas até plataformas flutuantes nas quais você pode surfar ou carregar carga-extra. Sua criatividade conta muito aqui.

Toda vez que você realiza uma entrega há um sistema de pontuação. Este sistema avalia a condição na qual a carga foi entregue e dá uma nota, que é refletida na reação do destinatário.  “Uau Sam, isso aqui não tem um arranhão!”. 

É inevitável não ficar… viciado em entregar coisas? Existe uma descarga de dopamina agradável toda vez que você conclui uma entrega com perfeição. 

Tem o bebê também, chamado de BB. Nascido em circunstâncias atípicas criadas pelo Death Stranding, o pequeno é capaz de detectar BTs. Ou seja, você precisa cuidar bem dele, evitando que ele se estresse, se quiser driblar as batalhas contra os bichões. 

Como se tranquiliza o bebê? Dormir em salas privadas que servem como o HUB do jogo é uma alternativa. Outra é desacoplar o casulo no qual ele repousa e chacoalhar seu controle do PS4 com carinho, fazendo com que Sam copie seu ritmo e acalente o guri até ele ficar tranquilo.  

 

 

Existe uma batalha contra chefe aqui que é especial, remetendo a alguns dos momentos célebres de Metal Gear Solid. Há também alguns pontos que o jogo entrega um pepino e te deixa coçando a cabeça, tentando calcular o que deve ser feito. É bom se sentir desafiado e fora do lugar comum às vezes e fazia um tempo que eu não tinha essa sensação de “Que?” jogando algo.

Elementos furtivos, tensão digna de um filme de horror, batalhas contra chefes gigantes, entregas de carga (principalmente entregas de carga) e uma história extensa permeada por conceitos filosóficos sobre conexão e morte. Estes são os ingredientes da receita que culmina em Death Stranding. Mas será que você vai se divertir com o negócio?

Death Stranding é para você?

O motivo pelo qual muitas pessoas leem a análise de um game é o seguinte: Será Que Eu Compro Isso? 

Fãs de Metal Gear Solid, que se encantaram pela mitologia verborrágica da franquia e pelo autorismo de Kojima, têm aqui um possível novo jogo favorito. 

Pessoas alheias à obra do autor podem encontrar um game tecnicamente impressionante, com uma história ambiciosa e que deixa muitas pontas soltas. 

A história de Death Stranding almeja o existencialismo; quer confrontar questões filosóficas como morte e solidão, enquanto nos faz entregar remédios para montanhistas, peixes para biólogos e cadáveres para crematórios (sim). 

Eu queria poder articular melhor meus sentimentos por Death Stranding numa análise mais coerente e técnica que fosse um fator decisivo na decisão da sua compra por um jogo novo. Ao mesmo tempo algo me diz que Death Stranding simplesmente não será para todo mundo. 

Se uma avaliação concisa de um game para você é aquela que parte de uma cartilha meramente técnica, Death Stranding vira uma recomendação fácil. 

O gráfico? Incrível. As expressões dos atores são absurdamente realistas e o nível de detalhes; da respiração de Sam no frio até o tecido da roupa molhada pela chuva, nunca falha em impressionar. 

Bugs? Encontrei um ou dois no qual o personagem clipava no cenário, mas nada muito comprometedor.

Jogabilidade? Responsiva e lisa, mas é normal estranhá-la nos minutos iniciais do game, visto que é necessário ter controle do centro gravitacional de Sam para que ele não tombe por excesso de peso. 

Direção de arte? De cair o queixo (sério, alguns cenários são estonteantes de belos).

Se é esse tipo de métrica que te diz o quão bom é um jogo, pode ir fundo. 

Elenco de peso

O game possui nomes célebres compondo o elenco. Os diretores premiados Guillermo Del Toro e Nicolas Winding Refn são a dupla de cientistas principais que auxiliam Sam em sua jornada para fazer sentido do Death Stranding

O Sam de Norman Reedus é um protagonista estoico e monótono. Ele não quer estar ali, não quer reunir a América e topa a jornada graças aos seus próprios interesses particulares (e muita pressão alheia).

O destaque fica para Léa Seydoux como Fragile e Troy Baker como o terrorista separatista Higgs (acho que é um dos melhores vilões dessa geração de videogames, o antagonista mais marcante desde Vaas em Far Cry  3).  

 

Higgs, um dos melhores antagonistas da geração.

 

Assim como Metal Gear Solid, Death Stranding é pesadíssimo em cutscenes, tornando o apreço pela história e seu desenrolar um fator decisivo na sua apreciação do jogo. Essa história tem seus deslizes expositivos e soluções convenientes que podem não clicar com todo mundo. No entanto, o elenco de personagens que a sustenta é forte o suficiente para manter o jogador pelo menos entretido.

Diferente não quer dizer Perfeito

A trama às vezes tenta lidar com conceitos demais, tornando-se muito didática. Ao mesmo tempo, a narrativa explora o ponto de vista de cada personagem, dos NPCs que recebem cargas até o vilão, mostrando que cada um possui uma motivação válida e que nem tudo é preto no branco. 

Alguns consideram a Bridges (organização para a qual Sam trabalha) um órgão vigilante manipulador. Outros vêem essa tentativa de reerguer os EUA como algo nobre e necessário. A própria Rede Chiral, que visa estabelecer conexões e facilitar o trânsito de dados, põe em cheque a privacidade de seus usuários. Tudo isso é explorado no game seja por cutscenes ou arquivos textuais.  Essa dualidade recorrente dos pontos de vista ajuda e muito a enriquecer o mundo.  

 

Mads Mikkelsen também está no jogo, mas falar dele implica muitos spoilers…

Death Stranding pode ser uma obra-prima. O tempo vai dizer o legado que o game irá construir. Joguei a trama uma vez e terminei em 48 horas no médio (fazendo algumas entregas secundárias pelo caminho). O jogo simplesmente abarca muitos conceitos para que eu chegue numa review fingindo que entendi tudo, saquei todas as coisas que o título queria me dizer e manjei 100% da mitologia que transborda para fora dos diálogos e cutscenes, necessitando que o jogador leia arquivos textuais que Sam recebe por e-mail para uma compreensão plena. 

Dá pra sentir o cheiro de pretensão exalando de cada frame do jogo, especialmente nos momentos finais. É algo diferente. Enquanto a maioria dos jogos exige sua atenção através de explosões e estímulos, Death Stranding quer que você se conecte com outros jogadores para fazer daquele mundo digital algo melhor, mais fácil e acolhedor. Ainda assim, existem explosões e estímulos em doses generosas através da experiência pelo bem da variedade. 

Embora a trama seja surtada, cheia de reviravoltas malucas e soluções convenientes, os momentos finais são poderosos ao ressaltar o relacionamento entre os personagens. 

A história aqui bebe de Evangelion e algo como Árvore da Vida, do diretor Terrence Malick. Em termos de tom, é o casamento entre Animes e Cinema Arthouse Americano que ninguém nunca pediu, mas ainda bem que existe. Provavelmente muitos vão odiar e outros vão amar. Vai ter gente dizendo que é um lixo e outros afirmando ser a melhor coisa do mundo. 

É um dos jogos mais pretensiosos do mercado atual. Isso é ruim? Definitivamente não. Death Stranding é aquele tipo de jogo cuja presença vai ser cada vez mais rara conforme a indústria dos videogames evolui. Poucos manifestos criativos desse calibre alcançam a esfera do grande mercado.

Para alguns, vai ser um simulador de caminhadas muito bonito, com uma história ininteligível – uma pilha de ideias pretensiosas na forma de um game que não consegue acertar o soco que quer desferir.

Para outros, Death Stranding será um dos melhores títulos da geração, recusando a se conformar com as normas de indústria e levando o jogador por um mundo idiossincrático norteado por um claro senso de autorismo. 

Por enquanto, sigo fazendo as secundárias do jogo; desbloqueando novos arquivos de texto, encontrando novos personagens, reforçando a conexão de Sam com os personagens já presentes e tentando desvendar com mais atenção um dos universos mais únicos já disposto num videogame. Ou seja, existe bastante para se fazer aqui após a conclusão da campanha principal.

Death Stranding foi feito por um estúdio japonês, com um elenco de pessoas americanas, dinamarquesas, inglesas, brasileiras, mexicanas e orientais. É um game que cabe somente no contexto de um mundo globalizado. Seus temas fazem com que noções japonesas e americanas colidam violentamente – a ansiedade social do Japão e a paranoia/ultra-vigilância governamental americana. O título traz conceitos religiosos do Egito antigo e também um pedaço de equipamento inspirado pelo conto de um escritor austríaco. É um recorte cultural que transcende qualquer fronteira para falar sobre nossa inevitável eventual extinção como espécie humana. Enquanto ela não chega, a gente tem mais é que se abraçar mesmo. Quando foi a última vez que fizeram um videogame sobre isso?

Minha nota final para Death Stranding são quatro BBs e meio de cinco. É um jogo que vai me assombrar por um tempo, mesmo depois de eu largá-lo. São poucos títulos contemporâneos que possuem essa capacidade e o perigo é que eles fiquem cada vez mais escassos no mercado AAA. Celebremos.

Confira também nossa análise em vídeo com trechos da dublagem em português!

Death Stranding chega às lojas no dia 8 de novembro e será um exclusivo temporário de PlayStation 4. 

Confira os cartazes de Death Stranding na galeria a seguir: