[CRÍTICA] Star Trek: Sem Fronteiras – O Clássico Modernizado!

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[CRÍTICA] Star Trek: Sem Fronteiras – O Clássico Modernizado!

Por Gus Fiaux

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Ficha Técnica

Título original: Star Trek: Beyond Duração: 122 minutos Data de estreia: 1º de setembro de 2016 (Brasil) Direção: Justin Lin Produção: J.J. Abrams, Roberto Orci, Lindsey Weber, Justin Lin Roteiro: Simon Pegg e Doug Jung Elenco: Chris Pine, Zachary Quinto, Karl Urban, Zoe Saldana, Idris Elba, Anton Yelchin, John Cho, Sofia Boutella e Simon Pegg

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Indo aonde ninguém jamais esteve

Após enfrentar Nero e Khan, a tripulação da U.S.S. Enterprise experimenta um período de grande paz e descoberta, transcorridos três dos cinco anos da sua missão pelo espaço, em busca de civilizações e de tarefas diplomáticas por todo o universo. Após falharem em um encontro amistoso e ancorarem na avançada estação espacial de Yorktown, a equipe acaba no meio de um grande ataque arquitetado pelo misterioso e violento Krall. Quando eles se encontram sem saída e sem os recursos da nave, a equipe, completamente destroçada, precisa se unir, ao lado de uma nova aliada, Jaylah, para encontrar uma maneira de fugir de seus captores e impedir um grandioso atentado terrorista.

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Capitão para ponte

Depois de dois filmes, a dinâmica dos atores e da equipe como um todo mudou consideravelmente e foi uma mudança extremamente positiva. Por mais que alguns dilemas soem repetitivos – como toda a trama de Kirk ou o conflito de Spock e Uhura – a consistência do grupo é tão forte que qualquer redundância com os filmes anteriores também acaba recebendo mais sustentação. E o elenco traz melhorias de base. Chris Pine, Zachary Quinto e Karl Urban estão visivelmente mais confortáveis nos seus papeis. O restante do elenco, embora tenha funções mais tangentes, também já domina com maestria seus personagens. Zoe Saldana já incorporou toda a potência de Nyota Uhura, ao mesmo tempo em que Scotty agora tem mais tempo de tela e mais funções, assim como Chekov e Sulu. Isso é um aspecto bem positivo do filme, já que durante o segundo ato do filme, toda a equipe está desfalcada em núcleos divergentes, que conseguem manter o espectador igualmente preso na história.

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Tripulação

Uma das maiores preocupações que Sem Fronteiras deixou aos fãs, quando anunciado, foi a saída de J.J. Abrams. Apesar de algumas decisões impopulares na franquia, o diretor conseguiu reerguê-la e içar à mesma qualidade de outros concorrentes cinematográficos de ficção científica – como aquele que começa como “Guerra”. O primeiro trailer do filme, carregado de ação, fez até os menos apreciadores dos filmes de Abrams ficarem com um pé atrás pelo filme, agora dirigido por Justin Lin, cujo trabalho mais notável tinha sido na franquia Velozes e Furiosos. Contudo, o diretor, ao lado de Simon Pegg – que além de cuidar da engenharia da Enterprise, também cuidou do roteiro do filme, entregam algo que não deve em nada aos filmes anteriores. E a coordenação é bem precisa: a fotografia é extraordinária, desafiando a gravidade e a lógica, ao mesmo tempo que usa recursos como câmera tremida para construir uma boa tensão. O som está impecável, tanto na trilha incidental quanto no uso de ruídos e sons ambientes. O CGI, apesar de incomodar em algumas poucas cenas, permanece neutro e quase imperceptível. Ao mesmo tempo, a direção de arte e os figurinos são práticos e funcionais, criando um senso profundo de ambientação desse universo.

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Apostando alto

Ainda que o filme aposte fortemente em quesitos diferentes, é a simplicidade que o torna fluido e agradável ao público. Não há uma confusa linha temporal como no primeiro Star Trek, ou um plano confuso e requintado do vilão, como vimos em Além da Escuridão. As apostas são altas em um nível além do intelectual: o emocional. A tensão está nos personagens e na forma como eles se comportam, e não em esquemas elaborados. Não é por menos que, mesmo após vários filmes retratando a U.S.S. Enterprise sendo destruída, é justamente aqui que temos o maior impacto emocional com a perda da nave, ainda mais tendo em vista que a falta dela é um dos conduítes da trama, elevando seus personagens a um posto maior. Eles não podem se esconder atrás de escudos e phasers, pois nada disso está ao alcance deles agora. O lado humano fala mais alto que a máquina e é ele quem precisa vencer as apostas para conseguir impedir um vilão teoricamente incontrolável.

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O desvio na utopia

O vilão interpretado por Idris Elba – aqui envolvido em uma dose cavalar de maquiagem e próteses, tornando-o visualmente ameaçador e realista – é o grande distúrbio da ordem. O filme, assim como a série de TV já fazia, há mais de cinquenta anos, é uma grande ode a um futuro utópico e perfeito, onde tudo funciona e há uma ordem sem conflitos. Krall é o elemento externo que ameaça essa ordem vigente. Por mais que a ficção retire um pouco da realidade da coisa, ele funciona como a alegoria perfeita para um terrorista. Na realidade, seu papel vai um pouco além disso, mas entrar nesses detalhes seria estragar uma reviravolta vital do personagem. Infelizmente, embora Krall funcione, em suas mãos reside o maior problema do filme: o uso de um objeto como instigador da trama – o famoso macguffin. Aqui, o uso desse artifício acaba tornando o plano do vilão pouco interessante e até mesmo previsível, embora o roteiro consiga corrigir isso poupando soluções fáceis.

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Modernizando o clássico

O que Sem Fronteiras faz – com profunda maestria – é recuperar todo o sentimento da série clássica, trazendo uma roupagem atual e mais propícia às salas de cinema. Ainda assim, nota-se que o filme não passa de um grande e megalomaníaco episódio da série clássica, ambientado nessa linha alternativa criada em 2009. Os principais elementos da franquia estão claros ali: a esperança no futuro, a importância do elemento humanizador em cada personagem, a união da equipe em um momento extremo, um vilão com raízes propícias para se tornar uma verdadeira ameaça para a Frota (ainda que em escala menor que Khan, por exemplo) e, principalmente, o desejo da descoberta, o que impulsiona a “jornada” que dá nome ao filme.

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O valor do novo

Como artifício dessa modernização, temos Jaylah, representando tudo que a franquia busca atualmente. Além de guerreira implacável, a improvável heroína traz um tom leve ao filme, por seu comportamento errático e cético em relação ao que é “normal” para a Frota. Aqui, a jovem – interpretada por Sofia Boutella, bem confortável no papel – traz as melhores cenas de humor e ação. Ação, inclusive, que é um dos pontos altos do filme. Porém, longe das investidas de Hollywood, o núcleo da ação se torna tenso e potente por conta de quem a pratica. Cada pancada é sentida pelo próprio público, não apenas porque atinge um herói, mas porque atinge alguém com o qual temos empatia.

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A dura despedida

Porém, por mais que saiba da importância da modernidade, Trek continua fazendo, pelo terceiro filme consecutivo, uma ode ao classicismo da série de TV e, agora, é ainda mais forte devido à morte de Leonard Nimoy. O Spock original é homenageado no filme de uma forma pura e belíssima, que acaba relembrando um passado bem mais anterior que 2009. Não é menos triste ver todas as cenas de Anton Yelchin que, embora não possua nenhuma despedida, – o filme já estava pronto antes de seu trágico acidente – acaba sedimentando o personagem e deixa a todos com o coração pesado pela falta de uma conclusão ao papel do animado Chekov. Ainda assim, é quase seguro dizer que Yelchin adoraria ver a forma como seu personagem é construído no filme, da mesma forma que Nimoy se encantaria com a homenagem prestada a ele.

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Abortar?

Um jargão popular que sempre simbolizou muito o espírito de Star Trek nas telinhas e telonas é “menos é mais”. Através de tramas simplificadas, buscavam-se contar histórias sofisticadas e com grande questões sociais, políticas e morais. Sem Fronteiras recupera esses valores de uma forma fantástica, traduzindo o espírito da série de TV original, ao passo que cria um contexto forte de ação e drama. O foco do novo filme é contar a história de uma equipe sem o conforto de sua nave, e tendo que se apoiar como família para superar um problema maior. Embora o novo filme feche diversos ciclos, está longe de ser uma conclusão para a épica jornada do Capitão James T. Kirk e sua tripulação. Pelo contrário, agora é o momento oportuno de ir ainda adiante, resgatando todo um sentimento de esperança e luta pela utopia, que sempre esteve presente na série e nos filmes.

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Relatório de missão

Depois de dois filmes bem interessantes, Star Trek: Sem Fronteiras vem para sedimentar a franquia no antro cinematográfico – já que os filmes anteriores, sejam derivados da série clássica ou da Nova Geração, sempre foram mais propícios para o esquema televisivo. Ainda assim, este terceiro filme sabe balancear de forma consciente os dois propósitos da série, ao mesmo tempo que nos entrega um filme excelente de ação, movido principalmente pela emoção de seus personagens e a construção de uma boa tensão sem escapadas fáceis. Em um ano com uma safra pouco engenhosa de filmes blockbusters, Sem Fronteiras representa um respiro necessário para a franquia e se destaca por sua completa sinceridade e simplicidade.

Nota: 4,5/5