[CRÍTICA] Vidro – Dos quadrinhos para as telas… para o manicômio!

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[CRÍTICA] Vidro – Dos quadrinhos para as telas… para o manicômio!

Por Gus Fiaux

Se tem um cineasta que não cansa de surpreender seu público, esse alguém é M. Night Shyamalan. Após anos de projetos criticamente rejeitados, ele voltou com tudo graças a Fragmentado, que no último segundo se mostrou como uma sequência do aclamado Corpo Fechado.

Agora, dezenove anos depois do lançamento do primeiro filme, o diretor está fechando todas as pontas soltas com Vidro, longa que encerra a jornada de David Dunn, Kevin Wendell Crumb e Elijah Price. Mas será que a conclusão está no nível dos antecessores?

Créditos: Universal Pictures

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Ficha Técnica

Título: Vidro (Glass)

Ano: 2019

Data de lançamento: 17 de janeiro (Brasil)

Direção: M. Night Shyamalan

Duração: 129 minutos

Sinopse: O segurança David Dunn usa seus dons sobrenaturais para encontrar Kevin Wendell Crumb, um homem perturbado que possui 24 personalidades.

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Vidro - Dos quadrinhos para as telas... para o manicômio!

Quem conhece um pouquinho da carreira de M. Night Shyamalan sabe que o diretor é um dos cineastas mais controversos da atualidade. Apesar de ter produzido obras-primas como O Sexto Sentido e Sinais, tivemos também algumas catástrofes como Fim dos Tempos e O Último Mestre do Ar.

Assim sendo, Vidro - que conclui a Trilogia Eastrail 177, precedido por Corpo Fechado e Fragmentado - não poderia ser uma experiência fácil. No fim, o longa é um paradoxo: é exatamente o tipo de filme que esperamos de Shyamalan, ao mesmo tempo em que é imprevisível, surpreendente e chocante.

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Na trama, vemos David Dunn quase duas décadas após os eventos de seu filme de origem. Ele se tornou um super-herói local, conhecido na mídia pela simplória alcunha de "Vigilante". Sua meta atual é caçar a Horda - ou seja, o homem com várias personalidades que acaba de sequestrar mais quatro garotas para alimentar a Besta.

Óbvio que estamos falando de Kevin Wendell Crumb, diagnosticado com transtorno dissociativo de identidade. Agora, ele está mais perigoso que nunca, e a caçada acaba colocando os dois em um hospital psiquiátrico, onde reencontramos o Sr. Vidro. Com as três principais peças dispostas no tabuleiro, começa um jogo perigoso.

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Antes de mais nada, o ponto alto de Vidro reside na brilhante interpretação de seus protagonistas. James McAvoy está melhor que nunca, e se em Fragmentado o ator só teve a oportunidade de representar oito das vinte e quatro personalidades de Kevin, agora ele choca ao viver cada uma delas.

Por outro lado, Bruce Willis retorna bem ao papel de Dunn, por mais que seu personagem seja o mais escanteado da trama, quase sem um arco dramático definido. Mas quem realmente rouba os holofotes é Samuel L. Jackson, que retorna com um vilão astuto, devastador e que compensa a fragilidade de seu corpo com uma mente absolutamente poderosa.

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Vidro é um filme carregado de ideias excepcionais, mas também é uma das experiências mais subjetivas da carreira de M. Night Shyamalan. É o tipo de produção que vai dividir o público ao meio: ou você vai amar, ou você vai odiar, sem espaço para meio-termo. E se você esperava algo diferente vindo do diretor, você já embarcou nessa jornada equivocado.

O longa é conduzido com uma sutileza inacreditável. Em termos de direção, é uma das obras mais completas de Shyamalan, especialmente do ponto de vista técnico. Na crítica de Fragmentado, lançada há quase dois anos, insisto em dizer que, com o diretor, o diabo está nos detalhes - e aqui não poderia ser nem um pouco diferente.

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No entanto, temos sim motivos para reclamar da megalomania do diretor, especialmente no clímax. Os plot twists - marca registrada de quem já produziu O Sexto Sentido - às vezes pesam em excesso, e embora a maior parte deles seja previamente construída, há pelo menos dois que surgem do nada, causando uma suspensão de crença na trama.

Ainda assim, como disse previamente, é uma experiência subjetiva: você pode aceitar as reviravoltas ou simplesmente se revoltar com elas - e isso define necessariamente o que Vidro vai simbolizar para você. Ainda assim, o clímax de fato sofre com o abarrotamento dos twists e uma conclusão um tanto quanto polêmica e decepcionante.

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Mas é justamente de um filme de M. Night Shyamalan que estamos falando, e isso pesa aqui. O longa consegue ser uma mistura sensacional dos temas e tons de Corpo Fechado e Fragmentado, conduzindo a ideia de um thriller psicológico que beira o terror em meio a uma narrativa fantástica de super-heróis.

Heróis vírgula, aliás. Apesar de ser um filme que toca no tema - e que possui uma análise muito simbólica e complexa dos quadrinhos e do papel deles na sociedade -, Vidro está longe de ser a apoteose de ação que são os filmes da Marvel e da DC. É um longa construído com lentidão, mas que culmina em uma revelação paradoxalmente decepcionante e recompensadora.

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A chave para decifrar e destrinchar Vidro está nas entrelinhas. O filme faz um uso simbólico dos seus elementos técnicos, principalmente a fotografia. Se as cenas gravadas de "câmeras de segurança" causam uma estranheza, à princípio, elas logo se revelam imprescindíveis para o encerramento da trama - enquanto também oferecem um vislumbre da visão distorcida de Shyamalan.

O destaque também está em como o filme aborda temas já presentes na carreira do cineasta, como fé, religião e (in)sanidade - tudo nas mais escondidas entrelinhas. Um contraponto interessante a ser traçado aqui é com Sinais, de 2002. Enquanto o longa de invasão alienígena é o ápice do teocentrismo do cineasta, Vidro representa o renascimento antropocentrista de sua carreira.

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No final, é complexo falar de Vidro sem mencionar spoilers e detalhes do roteiro - e isso estragaria a experiência de uma forma irreparável. Ainda assim, mantenho a ideia de que o filme é algo a ser abstraído - e talvez, ver mais de uma vez seja uma boa ideia para quem está "em cima do muro" ou com sentimentos conflitantes em relação à obra.

Ou seja, é difícil dar uma análise geral, falando apenas sobre a qualidade técnica e o funcionamento do roteiro. No entanto, em uma análise mais particular, Vidro é um filme que me agradou bastante, apesar do clímax realmente quase descarrilhar tal qual o trem em que David Dunn estava há vinte anos.

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Com brilhantes interpretações e ideias sensacionais, Vidro pode tanto ser o encerramento perfeito para a trilogia heroica de Shyamalan quanto um desastre completo - e isso depende inteiramente de você. No fim das contas, o que importa mais aqui é a experiência - e como cada um absorve as ideias que o diretor quer passar.

Em meio a um cinema de super-heróis cada vez mais pasteurizado, Vidro se prova uma interessante digressão e desconstrução. É um filme que dá alguns passos para trás para se mostrar uma experiência única e cheia de significado - por mais que nem todo mundo goste do que M. Night Shyamalan tenha a dizer.

NOTA: 4/5