[CRÍTICA] Vice – Colapso do Século XXI!

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[CRÍTICA] Vice – Colapso do Século XXI!

Por Gus Fiaux

Último lançamento da corrida do Oscar a chegar ao Brasil, Vice era um filme esperado, narrando a ascensão e o declínio de Dick Cheney a partir da perspectiva única de Adam McKay, cineasta que já havia nos agraciado no passado com o aclamado A Grande Aposta. 

Porém, será que o filme consegue dissecar bem as nuances do vice-presidente da Era Bush? Nós já conferimos o filme e aqui está uma breve análise sobre o mais novo longa-metragem protagonizado por Christian Bale!

Créditos: Imagem Filmes

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Ficha Técnica

Título: Vice

Ano: 2018

Data de lançamento: 31 de janeiro de 2019 (Brasil)

Direção: Adam McKay

Duração: 132 minutos

Sinopse: A história de Dick Cheney, um burocrata modesto, que silenciosamente adquiriu o poder como vice-presidente de George W. Bush, reformulando o mundo de modos que ainda sentimos hoje.

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Vice - Colapso do Século XXI!

"Eu prezo pela liberdade / A liberdade para obedecer / É uma canção que me estrangula / Bem, não ultrapasse a linha". Esse é apenas um dos trechos mais marcantes de 21st Century Breakdown, uma das canções mais icônicas do Green Day na década passada. E quem conhece a banda, sabe que a música é uma carta aberta ao povo norte-americano.

Assim também é Vice, o mais novo filme de Adam McKay - que, há alguns anos, estava ganhando os louros por ter dirigido A Grande Aposta, o longa tragicômico sobre a crise financeira que engolfou o mundo na década passada. Aqui, por mais que o longa seja um apanhado da história de Dick Cheney, a história é uma carta aberta à população dos EUA.

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Como já era de se esperar pela sinopse, o filme coloca Christian Bale no papel de Richard Bruce Cheney, desde a década de 60 até o final da década passada. Para quem ainda está desinformado, Cheney foi o vice-presidente dos Estados Unidos durante os dois mandatos do governo de George W. Bush.

No elenco coadjuvante, temos Amy Adams interpretando Lynne Cheney, a esposa do político; Sam Rockwell fazendo o papel de Bush; Steve Carell como Donald Rumsfeld, um importante político republicano que esteve envolvido na ascensão de Cheney; e Jesse Plemons, vivendo um narrador misterioso identificado como Kurt.

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Vice é, de certa forma, a continuação espiritual de A Grande Aposta. Assim como o longa de 2015, o filme tinha tudo para ser uma biografia padrão, que faz um recorte selecionado e tenta seguir os moldes hollywoodianos, inserindo bastante melodrama e convenções narrativas que nem sempre condizem com a história.

E embora isso esteja até presente, a estética usada por McKay é algo de outro mundo. O filme é abarrotado de inserts, de cards textuais e interrupções para explicar termos da política ou detalhes obscuros da trama. Há inclusive um momento excelente que ocorre por volta da metade do filme, e pode até deixar alguns espectadores um tanto quanto desnorteados.

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Ainda assim, há um balanço em falta aqui. De muitas formas, Vice acaba exagerando um pouco nessa pegada esquizofrênica, o que prejudica um pouco a construção narrativa. Mais de uma vez, acabamos nos deixando guiar pelos floreios estéticos, e esquecemos do que está em jogo na história. E quando nos lembramos, já é tarde demais.

Mas isso em momento algum apaga o monumental trabalho de atuação dos envolvidos, especialmente Christian Bale. Mais do que fisicamente, o ator se dedicou de corpo e alma para o projeto, incorporando trejeitos quase imperceptíveis do Cheney da vida real, como um lábio mais puxado para um lado ou um sotaque bem próprio do meio-oeste norte-americano.

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Outros estão igualmente empenhados. Amy Adams e Sam Rockwell podem não ter um destaque muito grande devido ao roteiro, mas nota-se o esforço dos atores para entregar uma apresentação decente e marcante. E esse trabalho só é possível graças a um excelente departamento de maquiagem, que transforma os atores por completo.

Dessa forma, Vice realmente possui uma estética e um visual que o tornam bem diferente dos longas biográficos que inundam os cinemas todos os anos. O problema, no entanto, está no roteiro, que não consegue estabelecer muito bem sua narrativa de uma forma clara e segura - o que o faz recorrer muito mais do que o necessário aos inserts e firulas visuais.

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Uma mudança de ritmo inclusive pode ser sentida após o momento genial que acontece no meio do filme, que mencionei anteriormente. Se até ali, o filme parecia construir sua história com nuances de criatividade, mantendo um ritmo agradável, a segunda metade é chata, interminável e redundante em seu discurso.

Por exemplo, há toda uma sequência envolvendo o staff da Casa Branca durante os eventos do atentado às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001. A cena é forte e mostra o poder que Cheney exercia no país, mas a repercussão dela no filme é muito óbvia e repetitiva, o que faz com que o impacto seja perdido exponencialmente.

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Por outro lado, o filme acerta em cheio ao tecer um retrato cru do político, sem demonizá-lo ou torná-lo um monstro, independente do viés político de McKay. Se, em alguns momentos, Cheney se mostra um republicano de carteirinha, em outros, vemos ele tomando decisões consideradas "democratas" - e isso acontece por um simples fato: ele é humano.

Por mais grandiloquente e barulhento que Vice seja, o filme não deixa de considerar a humanidade de Dick Cheney, tornando-o uma figura bem complexa, por mais que o roteiro tente falar mais do que a atuação de Bale, e acabe falhando justamente por isso. Ainda assim, é um retrato interessante do homem que mudou a vida de milhões de pessoas.

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No fim, o longa se sai como um dos menos favoráveis do Oscar de 2019. Se considerarmos as críticas mornas que o filme tem recebido lá fora, aliado à falta de um lobby maior do estúdio, é possível que Vice sequer seja lembrado na premiação. Ainda assim, para quem gostou de A Grande Aposta, o longa é um exercício divertido.

E uma recomendação: fique até o fim dos créditos. Além da sequência de créditos ser muito simbólica, mesclando iscas a importantes símbolos do poder estadunidense, há também uma cena pós-créditos sensacional, que brinca justamente com a polarização política do mundo contemporâneo, e como nós somos influenciados direta ou indiretamente por isso.

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Em sumo, Vice é um filme um tanto quanto agridoce. Por mais que Adam McKay seja seguro em sua proposta, ele acaba exagerando demais, construindo um discurso que muitas vezes aposta mais no estilo que na substância. Ainda assim, o diretor se prova como um dos nomes autorais mais influentes de Hollywood atualmente.

Contudo, o grande mérito aqui fica para Christian Bale e seu elenco coadjuvante, que conseguem recriar a história com um humor ácido, um clima sagaz e uma mensagem política ambígua. No fim, o longa deixa de ser apenas uma biografia descartável para mandar um recado para nossos amigos da América do Norte: abram o olho e cuidado com os discursos de liberdade.

NOTA: 3/5