[CRÍTICA] Terra Média: Sombras da Guerra – Temporada de Caça aos Orcs!

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[CRÍTICA] Terra Média: Sombras da Guerra – Temporada de Caça aos Orcs!

Por Lucas Rafael

Sombras de Mordor foi uma grata surpresa no ano de seu lançamento. Sim, em muitos aspectos era um jogo derivativo que reciclava a mobilidade de Assassins Creed e o combate da série Arkham em uma skin de Senhor dos Anéis. Porém, ele executava bem essas mecânicas e trazia consigo uma novidade muito interessante: o sistema nêmesis.

Era aí que o jogo brilhava, fazendo com que nenhum inimigo fosse “só mais um inimigo” e, sim, um Orc especial, com nome e personalidade. E de quebra, se ele matasse o personagem do jogador, ganhava níveis, subia na hierarquia orc e se tornava mais um inimigo em sua coleção, um conceito interessante e muito bem implementado que rendeu diversos elogios ao game.

Sombras da Guerra continua seguindo de perto o patrulheiro Talion junto do elfo Celebrimbor em uma aventura ambientada na Terra Média de Tolkien, enquanto busca expandir nos conceitos introduzidos do primeiro título. E aí, funcionou?

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Território conhecido

Sombras da Guerra ainda utiliza em seu cerne diversas mecânicas básicas do primeiro - o combate por exemplo. Outras foram levemente alteradas, como a movimentação que é tão absurdamente fluida que parece que estamos jogando Infamous em certos momentos. Todas as estruturas são escaláveis e existem poucos elementos do mapa que se mostram intransponíveis perante o protagonista, Talion. A sensação de overpower que temos com o personagem é latente, e conforme progredimos pelo jogo, esse sentimento de poder só vai intensificando. Mas vamos com calma.

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A história

A trama do jogo é inconsistente. Ela é pontuada por momentos altos que investem o jogador e por missões secundárias banais e repetitivas acompanhadas por personagens desinteressantes. Se em determinados momentos o jogador está envolto nas reviravoltas da narrativa e na escala que o jogo assume em suas batalhas, em outros existe um marasmo tedioso.

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De volta à Terra Média

Embora eu tenha consumido alguma parte do material de Tolkien, não estudei a fundo para afirmar com propriedade o nível de fidelidade do jogo para com o universo da Terra Média. Ainda assim, dá pra afirmar que muitos personagens icônicos aparecem só por aparecer mesmo, em pinceladas puramente referenciais que não acrescentam à trama.

Outros nomes conhecidos pelos fãs começam a ocupar a tela e tomar partido no destino do patrulheiro Talion. Fãs dos livros e, em certos casos, dos filmes também, vão reconhecer um Balrog, Shelob, os Nâzgul e até Sauron, no que parece ser uma espécie de greatest hits da Terra Média.

Embora a trama do jogo trabalhe com esses elementos grandiosos, ela jamais consegue equilibrá-los de maneira orgânica e palatável, fazendo justiça à imponência daquelas figuras em seu material fonte, ou até nas adaptações de Peter Jackson. Ainda assim, o jogo consegue entregar aqui e ali momentos verdadeiramente pungentes que investem o jogador, ainda que só por algumas missões.

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Orcs, muitos Orcs!

O verdadeiro ouro de Sombras da Guerra está nos Orcs. As criaturas simplesmente esbanjam personalidade, compensando a rigidez da maioria dos personagens humanos. Suas vozes e visuais distintos fazem o jogador se interessar pelo ecossistema de suas hierarquias e lutar para alterá-lo ao seu favor.

Em determinado ponto do jogo, é possível começarmos a montar nosso exército de Orcs. E mais pra frente, podemos converter capitães Orcs para a nossa causa com a ajuda do anel forjado por Talion e Celebrimbor, liderando-os em investidas contra fortalezas inimigas no intuito de conquistar toda Mordor.

Esses cercos contra as fortalezas inimigas são catárticos e extasiantes. Eliminar as forças do Senhor das Trevas e ver os Orcs que você subjugou lutando ao seu lado contra as tropas e capitães inimigos é um espetáculo. E são nesses momentos que Sombras da Guerra brilha.

Durante esses cercos, a fortaleza inimiga vai contar com defesas que podem ser desabilitadas se você fizer as missões para eliminar os Orcs responsáveis por elas. Ao final da grande batalha, é necessário enfrentar o Overlord daquela base, que é geralmente uma luta complicada contra um Orc durão.

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O sistema Nêmesis

Lembra quando citei ali atrás sobre a trama principal do jogo não ser aquilo tudo? Bem, aquela é a narrativa principal do jogo, mas não é só dela que Sombras da Guerra dispõe.

O sistema nêmesis sofreu alterações em relação ao jogo anterior, em que seu escopo foi consideravelmente expandido. Agora, precisamos gerenciar um exército de Orcs e, no melhor estilo Pokémon, precisamos enfraquecê-los para que a "captura” se torne possível. Para ilustrar um pouco melhor esse sistema, deixem-me contar uma historinha rápida.

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O Patrulheiro Talion e seu elfo fantasma contra Tôk, o Orc que decapitava.

Enquanto corria pelo mundo aberto da Terra Média, me deparei com um orc chamado ”Tôk, o arranca-cabeças”, ou algo do tipo. A câmera deu um zoom nele, ele proferiu alguma coisa ameaçadora e então era uma luta. Eu estava bem confiante controlando Talion, afinal, já havia derrubado uns capitães Orcs maiores que Tôk e criei um certo conforto ao controlar o personagem. Exceto que eu não havia pegado direito o timing de atordoar o inimigo e Tôk possuía uma habilidade que impedia Talion de pular por cima dele para acertá-lo pelas costas. Não foi minha primeira morte no jogo já que Tôk decidiu ser piedoso. O orc falou umas abobrinhas e a palavra “Humilhação” estampou a tela da TV enquanto ele dava no pé.

Reencontrei Tôk mais umas 4 vezes no jogo e aí, pela terceira vez, quando o desgraçado aparecia minha mão suava no controle. Ele NUNCA matava Talion, sempre humilhava e desaparecia. E por algum motivo (talvez fosse o nervosismo ou eu seja péssimo no jogo mesmo) eu jamais consegui derrotá-lo.

Quando essa saga de ódio e somente ódio finalmente chegou ao fim, Talion estava com seu exército performando um cerco e Tôk resolveu aparecer logo nessa hora mágica. Quando de repente, uns três capitães Orcs de meu exército avançaram impiedosamente contra Tôk, sua barra de vida foi se esvaindo num ritmo alucinante. Minha vingança foi negada e algum membro do meu exército deu cabo de Tôk. Pode não ter sido final mais catártico possível para nosso relacionamento, mas ver a cabeça dele voar através da tela certamente estampou um sorrisinho no meu rosto.

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Onde Sombras da Guerra funciona, ele funciona muito bem!

E Tôk foi só um exemplo. Existem Orcs que vão te trair em pleno cerco e você vai querer fazer questão de acabar com a raça deles. Existem também Orcs que vão te matar no meio de batalhas e subir na hierarquia, e assim irá despontar mais uma jornada através do ecossistema da mecânica nêmesis para reconquistar sua honra. Cada um que jogar Sombras da Guerra vai ter um relato diferente resultante desse sistema. E isso é mágico, ainda que as coisas também fossem desse jeito no primeiro jogo.

Em suma, essas narrativas aleatórias e inerentes à trama principal, geradas pelo sistema nêmesis, são muito mais interessantes e imersivas que o plot principal do jogo.

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Upgrades, poderezinhos e o multiplayer

Existe um sistema de upgrades no jogo que vai deixando o personagem de Talion cada vez mais roubado, desde convocar Caragors contra o inimigo até montar em dragões e fazer churrasquinho de Orcs. Essas habilidades acabam facilitando o jogo base depois de um tempo (ao menos na dificuldade Normal). Mas a sensação durante o cerco, aquela de sobrepujar tropas inimigas com seu exército comandado por capitães que você lutou para converter, praticamente nunca se vai.

Existem também upgrades de armadura e armas que você coleta após abater capitães, assim como torres para você “purificar” e encontrar alguns pontos de interesse. O visual de alguns itens são bem legais, mas esses pontos de interesse raramente trazem algo substancial para sua experiência.

Agora, sobre o multiplayer, existem maneiras de invadir fortalezas inimigas e ser invadido por inimigos. A campanha te introduz muito bem esses conceitos e cabe a você decidir se quer investir horas aqui ou não. Dá para vingar a morte de jogadores pelas mãos de Orcs, e outros jogadores podem vingar você também, o que é legal.

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Tá, mas e o gráfico?

Em termos gráficos, Sombras da Guerra não é ruim, mas também não será lembrado por isso. O tom opaco do jogo dispensa paletas de cores chamativas, e embora aqui ou ali você se depare com paisagens bonitinhas, vão rolar uns glitches estranhos como árvores e pontes aparecendo do nada, assim como umas texturas bizarras.

A versão do jogo usada para a análise foi a de PS4.

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Sobre a polêmica das microtransações

Bom, precisamos falar sobre o desfecho do jogo e suas microtransações. Não sei sua visão particular sobre essa prática dentro dos jogos, mas eu não me importo com ela contanto que seja ignorável, ou exista só pra comprar roupinha pros personagens, sem afetar o balanço do gameplay.

Em Sombras da Guerra, após chegar no que parece ser o final, rolam umas reviravoltas estranhas e um anticlímax gigante, que mina o compasso do jogo e faz o jogador descobrir que existe um “final verdadeiro”. Para chegar nele, o nobre patrulheiro Talion precisa reforçar seu exército com mais alguns Orcs. Você vai precisar afundar mais algumas horas pra conseguir completar a requisição do jogo. OU, você pode apelar para microtransações e comprar caixas com Orcs para o seu exército e chegar nesse “final verdadeiro” muito mais rápido. Vai de você, mas não me senti confortável com isso. A outra finalidade dessas caixas diz respeito ao multiplayer do jogo.

Em últimos casos, o final “verdadeiro” não é lá aquelas coisas e tá no youtube de graça também.

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Nota

No fim das contas , Sombras da Guerra é um jogo divertido e ambicioso, que tropeça em alguns aspectos compensando em seu maior trunfo: o sistema Nêmesis. Por mais extasiante que sejam os momentos proporcionados por ele, ainda fica difícil ignorar algumas das falhas narrativas e das missões secundárias repetitivas que permeiam o título.

Sombras da Guerra ganha 3 anéis e meio. Se você acha que conquistar Mordor através do seu exército de Orcs em batalhas épicas é algo chamativo, o jogo é pra você. Mas fica o aviso: nem tudo nesse pacote são flores.