Festa da Salsicha – Não é esse salsichão todo!

Capa da Publicação

Festa da Salsicha – Não é esse salsichão todo!

Por Gus Fiaux
Imagem de capa do item

Ficha Técnica

Título original: Sausage Party

Duração: 88 minutos

Data de estreia: 6 de outubro de 2016 (Brasil)

Direção: Conrad Vernon e Greg Tiernan

Produção: Megan Ellison, Seth Rogen, Evan Goldberg e Conrad Vernon

Roteiro: Kyle Hunter, Ariel Shaffir, Evan Goldberg e Seth Rogen

Elenco: Jonah Hill, Kristen Wiig, Michael Cera, Salma Hayek, Seth Rogen, Bill Hader e James Franco.

Imagem de capa do item

Todos os dias, nas prateleiras de um super-mercado normal, alimentos e produtos cantam felizes na esperança de serem escolhidos pelos deuses e poderem habitar o paraíso – ou seja, serem comprados por seres humanos. É aqui que entra a salsicha Carl, um herói improvável, que acaba descobrindo que o “paraíso” que todos tanto esperam é uma mentira e os alimentos estão sendo preparados para um cruel abatedouro. A partir daí, ele se reúne com alguns aliados – a bisnaga Brenda, o bagel Sammy Jr. e o pão sírio Kareem Abdul, investigando a origem dessa mentira e uma forma de derrotar os cruéis “deuses.”

Imagem de capa do item

Em linhas gerais, o que se pode dizer de Festa da Salsicha é que o filme possui – apesar da trama completamente bizarra – um potencial bruto para uma história verdadeiramente divertida, abordando algumas alegorias de forma consciente, crua e sarcástica. O adendo da classificação indicativa alta gerou toda uma polêmica e também um crescente hype para que o filme se tornasse uma grande comédia nada “politicamente correta”. Em certos aspectos, o filme chega a abraçar esse potencial, criando momentos realmente memoráveis... mas na maior parte do tempo, ele se aproveita da censura rated-R para abusar de uma série de clichês, falhando categoricamente.

Imagem de capa do item

Como animação, o filme é um trabalho eficiente. Obviamente, não há nenhuma inovação técnica de destaque, mas cada personagem – seja alimento ou produto – possui características próprias, aliados a traços culturais que remetem às suas origens, tornando-os visivelmente diferentes e únicos, embora ainda submetidos às uniformidades de embalagens e formas. O mesmo não se pode dizer sobre os personagens humanos, que acabaram sendo tratados com menor cuidado. Além disso, os cenários externos ao super-mercado são pobres e sem vida – ainda que isso faça parte do contexto da trama – enquanto, dentro da cidade de prateleiras e seções do mercado, encontram-se as melhores sequências visuais do filme.

Imagem de capa do item

Contudo, o problema real está na base. O roteiro do filme, apesar de simples, acaba tendo coisas demais para abordar. Isso torna o filme extremamente cheio, beirando o cansativo. Há uma lotação constante de novos personagens, alguns sem nenhum papel aparente. Pessoalmente, eu fui pego de surpresa mais de uma vez com personagens que haviam sumido na trama e retornavam sem nenhuma motivação aparente. Um exemplo claro da falha nesse sistema é o vilão do filme – uma ducha higiênica dublada por Nick Kroll –, que não precisava estar no filme (tendo em vista que toda a trama da descoberta dos “deuses” invalida a necessidade de um antagonista) e que é tão desinteressante em suas ações que, uma vez longe de cena, é fácil desassociá-lo do restante do filme.

Imagem de capa do item

Mesmo assim, é notável o quanto o filme se esforça. Deixando o humor de lado, a busca por várias alegorias é algo presente sempre e, devido à sua presença em grande parte do filme, a mais notável delas é a constante briga entre Sammy Jr. e Kareem Abdul – sendo um deles um bagel e o outro um lavash, dois pães de origem judaica e síria, respectivamente. Em poucos momentos, o filme consegue construir bem uma série de confabulações e alegorias a respeito de conflitos étnicos, sistemas de classe, questões a respeito de religião (mais sobre isso depois) e até mesmo manipulação alienante. Ainda assim, devido à sua quantidade absurda de personagens, núcleos e subtramas, essas alegorias se perdem, e todas nunca conseguem atingir seu pleno potencial, enquanto outras – como sexualidade, imigração ilegal e consumo de drogas – são tão jogadas e gratuitas que acabam sendo um desserviço, tanto para o filme quanto para os temas em si.

Imagem de capa do item

Nesse mar de subtemas, o destaque principal vai para a crítica à religião e como ela é usada para doutrinação de pensamento e alienação. A base do filme está nisso e, enquanto as piadas e a narrativa se voltam para essa abordagem, é quando o filme parece realmente funcionar. Aqui, por mais “porra louca” e bizarro que seja o contexto do filme, é onde ele se mostra como crítica ferrenha e desempenha momentos de extremo brilhantismo – como a música tocada no início de cada novo dia e seu significado dentro do super-mercado. Fosse mais focado nesse aspecto, Festa da Salsicha teria tudo para ser um filme realmente memorável. Mesmo para uma comédia.

Imagem de capa do item

Aliás, falando na comédia... temos um caso familiar aqui. Vendido e comprado como uma animação para maiores e ainda mais vindo da turma de Seth Rogen, era de se esperar que o filme trouxesse palavrões, sexo, drogas e rock-n-roll em grande estilo. Porém, em vez de dosar no timing, a animação se estabiliza demais nesses elementos. Dessa forma, nos primeiros vinte minutos de filme, já temos mais de uma centena de palavrões despejados a torto e a direito, de forma que todos perdem o tom da comédia e ficam gratuitos demais. As piadas de cunho sexual são vergonhosas e parecem ter sido escritas por pré-adolescentes, ainda que um grande momento em especial, lá pelo final do filme, arranque gargalhadas. No final das contas, o filme usa a classificação alta como sinal verde para uma série de elementos e cenas gratuitos que mais servem para deixar o público com uma sensação de “que porra é essa?”, em vez de arrancar risos. E além disso, repete-se outra mania de Hollywood: as melhores piadas estão nos trailers.

Imagem de capa do item

Ainda assim, vale o esforço do trabalho de dublagem. É curioso, porque normalmente, em animações, quanto menos se reconhece o ator por trás de cada personagem, mais eficiente é o filme. Nesse caso, é justamente o contrário. Ouvir a voz de Jonah Hill, Kristen Wiig, James Franco, Paul Rudd e Michael Cera, dentre tantos outros atores, ajuda a construir todo o ambiente do filme e faz com que ele acabe sendo mais engraçado do que realmente é, já que os maneirismos dos atores são replicados de maneira perfeita – destaque para o drogado dublado por Franco. A experiência pós-filme é a de imaginar uma festa a fantasia onde cada um desses atores vai fantasiado de um alimento diferente.

Imagem de capa do item

Num geral, Festa da Salsicha é um filme que promete bem mais do que cumpre. Por baixo de toda a bagunça, um roteiro lotado demais, o humor claramente forçado e o foco em chocar em vez de fazer rir, existem ideias fenomenais que, se fossem um pouco melhor trabalhadas, renderiam uma comédia subversiva excelente. Porém, em vez disso, temos um filme razoável, que deve causar polêmicas durante sua exibição, mas que logo cairá no esquecimento. A nível de comparação – isto é, se você é fã dos filmes de Seth Rogen – Festa da Salsicha não chega a ser tão maçante quanto A Entrevista, mas certamente não está no nível de É o Fim.

Nota: 2/5

-

Obs: Por favor, lembrem de não levarem seus filhos para ver esse filme. Se não fui claro até agora, não é para crianças.