[CRÍTICA] Corra! – Hipnoticamente assustador

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[CRÍTICA] Corra! – Hipnoticamente assustador

Por Gus Fiaux
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Ficha Técnica

Título: Corra! (Get Out)

Ano: 2017

Lançamento: 18 de maio de 2017 (Brasil)

Direção: Jordan Peele

Classificação: 14 anos

Duração: 103 minutos

Sinopse: Um jovem negro visita a família misteriosa de sua namorada branca e logo se vê em grande perigo devido à sua etnia.

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Corra! – Hipnoticamente assustador

Na época de discussões importantes a respeito de etnia e valorização de pessoas negras – seja através de filmes e séries como Dear White People ou de movimentos que nem o Black Lives Matter - Jordan Peele consegue fazer um longa-metragem que usa um discurso mais velado para falar de racismo de uma maneira estrutural, subvertendo os papeis de autoridade e opressão.

Corra! é um filme que, nesse sentido, consegue elevar a alegoria do racismo e suas consequências – como violência policial e exotização de pessoas negras – a um nível ainda mais crônico e visceral, criando uma imagem aterrorizante da questão social por trás do preconceito étnico.

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Não há muito sobre a premissa que o trailer já não nos entregue de mão beijada. Aqui vemos Chris (Daniel Kaluuya) indo visitar os pais de sua namorada, Rose (Allison Williams). Ao chegar no local, um bairro de classe alta nos EUA, os dois – principalmente Chris – começam a notar estranhas situações com subtextos racistas.

Enquanto isso, a família de Rose parece não perceber nada. Tanto Dean (Bradley Whitford) quanto Missy (Catherine Keener), os pais dela, não se manifestam quanto às situações esquisitas e tudo só começa a piorar com a chegada de Jeremy (Caleb Jones), irmão de Rose e o início de uma festa anual sediada pela família.

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Além de tudo, há uma inquietação presente na casa, uma vez que as únicas pessoas negras além de Chris - a empregada Georgina (Betty Gabriel) e o jardineiro Walter (Marcus Henderson) – demonstram um comportamento muito estranho após a chegada dos visitantes.

E assim começa uma história agoniante, atuada com maestria por todos os seus personagens centrais e coadjuvantes. Todos sob a brilhante maestria do diretor Jordan Peele - que curiosamente, faz aqui sua estreia na direção de um longa-metragem.

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No elenco, merece destaque Daniel Kaluuya e Allison Williams. Uma vez que a trama central é focada neles, os dois conseguem guiar a história com domínio, sem fugirem dos personagens ou criarem personalidades caricatas demais.

Logo em seguida, Bradley Withford e Catherine Keener conseguem formar uma dupla de peso, criando seus personagens com uma atenção a detalhes tão requintada e precisa que os torna, definitivamente, os melhores atores do filme. O restante do elenco tem cenas poderosas, especialmente Caleb Jones e Betty Gabriel, com um ou dois momentos de destaque.

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A direção, por sua vez, é onde reside a maior qualidade técnica do longa. O trabalho de câmera é excepcional, com um uso preciso de iluminação, realçando focos de luz e sombra de maneiras contrastantes e antagônicas. Ao mesmo tempo, os enquadramentos valorizam a direção de arte e o trabalho corporal dos atores na mesma proporção.

O design sonoro é um espetáculo à parte. A trilha acompanha muito bem a narrativa, sem se perder no genérico e, desde a cena inicial, consegue imprimir um aspecto agridoce que tem grande referência na estética narrativa do longa. Ao mesmo tempo, ela consegue criar uma sensação de transe hipnótico – algo que acaba retornando na história central.

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Porém, problemas existem e impedem o filme de atingir todo seu potencial. O principal deles reside no papel de Lil Rel Howery, que é o grande alívio cômico do filme. Embora suas cenas nos dois primeiros atos não atrapalhem, é sua presença no ato final que incomoda, gerando uma quebra de tom muito forte e que não ajuda em nada à história.

Ainda falando de seu personagem, o filme encontra nele algumas soluções de roteiro muito fáceis e consegue “atenuar” o drama e o horror no que está acontecendo na casa dos pais de Rose, algo que acaba tirando um pouco da potência do terror.

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Mesmo assim, o filme se coloca acima da média e propõe reflexões profundas, especialmente ao empregar alegorias sutis na sua trama – a forma como negros são colocados uns contra os outros, ou sufocados pela necessidade de se manterem no parâmetro de pessoas brancas.

Mais à frente, uma série de reviravoltas e plot twists também funcionam para direcionar a história em uma série de alegorias e discussões presentes nos movimentos raciais contemporâneos. Ao mesmo tempo que a maior parte consegue se explicar, uma das revelações acaba soando um tanto quanto mirabolante, ainda que seja aceita no conjunto da obra.

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E mesmo para os menos politicamente engajados, o filme se mantém um suspense prazeroso, pontuado com cenas inquietantes e de revirar o estômago. Além disso, com um uso bem curioso e amedrontador de subtemas como psicologia, hipnose e controle mental.

O longa age de uma forma bilateral, tanto dando ao público aquilo que ele quer ver, como também escancarando uma realidade sombria e apodrecida, enviesada por temas como escravidão e perseguição étnica.

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Em suma, Corra! já figura como um dos melhores filmes de horror do ano. Se não tivesse tanto a presença de muitos elementos cômicos e abraçasse mais o seu lado sinistro, sem se comprometer em subtramas muito mirabolantes, poderia ter sido um filme realmente memorável.

Ainda assim, ele sedimenta temas relevantes e sem dúvidas servirá como uma grande catapulta para o trabalho de Jordan Peele nos cinemas daqui para a frente.

NOTA: 4/5