[CRÍTICA] Ao Cair da Noite – A Porta para Todos os Horrores!
[CRÍTICA] Ao Cair da Noite – A Porta para Todos os Horrores!
Aclamado pela crítica e polarizado pelo público norte-americano, o terror do momento, Ao Cair da Noite, chega aos cinemas brasileiros na próxima quinta-feira. Mas será que ele cumpre suas expectativas?
Ficha Técnica
Título: Ao Cair da Noite (It Comes at Night) Ano: 2017 Lançamento: 22 de junho de 2017 (Brasil) Direção: Trey Edward Shults Classificação: 14 anos Duração: 91 minutos
Sinopse: Seguro em sua casa desolada, enquanto uma ameaça anormal assola o mundo, um homem estabelece uma rígida rotina doméstica com sua mulher e seu filho, mas ele logo terá seus limites testados quando uma família desesperada surge em busca de refúgio.
Ao Cair da Noite - A Porta para Todos os Horrores
Boa parte do sucesso de um filme, tanto crítico quanto comercial, tem a ver com as expectativas impostas sobre ele antes de seu lançamento. É por isso que a cada dia, Hollywood tem entregado projetos vistos como “decepcionantes” por não corresponderem com exatidão à pré-concepção de seu público.
No caso de filmes de terror e suspense, isso tem sido visto com frequência nos últimos anos. Filmes como A Bruxa, O Babadook e Corra! acabaram tendo grandes expectativas movimentadas por críticos e por seu próprio material de divulgação, mas ao chegar ao grande público, acabaram sendo divisores de opiniões. E esse parece ser o mesmo caminho que Ao Cair da Noite fará.
Na história, acompanhamos a vida de Paul (Joel Edgerton), Sarah (Carmen Ejogo) e Travis (Kelvin Harrison Jr.), uma família que vive em um mundo assolado por uma espécie de doença contagiosa não determinada, que deforma e mata suas vítimas. Após perderem um parente próximo, os três vivem um rotina extremamente regrada e vigilante.
Tudo muda com a chegada de Will (Christopher Abbott), um estranho em busca de ajuda para sua esposa Kim (Riley Keough) e seu pequeno filho. Após a desconfiança inicial de Paul, os três decidem ajudá-los e isso faz com que eles aceitem a família refugiada, ainda que com muita desconfiança.
Em termos de atuação, o filme é sensacional. Joel Edgerton está em um de seus melhores papeis, enquanto Riley Keough, Kelvin Harrison e Christopher Abbott também se destacam em personagens multidimensionais e cheios de camadas interiores. Carmen Ejogo está boa, mas não tem tanto para fazer quanto seus colegas de elenco.
Além disso, toda a performance dos atores é privilegiada por um uso belíssimo de planos longos e muito bem enquadrados, que captam emoções e sentimentos com uma potência visceral. Dessa forma, o filme não se apoia em um horror fácil de jump scares, mas constrói tensão e desconfiança no público tanto quanto em seus personagens.
Basta notar todas as metáforas e analogias, feitas dentro e fora de câmera, com relação ao “ponto de vista” dos personagens. Há um foco muito grande nos olhos dos personagens e um uso constante de planos que emulam uma visão subjetiva, com uma leve aproximação e poucos desvios de rumo.
Isso torna o público parte da história e faz aumentar o sentimento de desconfiança e perigo sentido na narrativa. Além disso, há um uso muito impactante da sugestão para causar o horror, de forma que nada é visto além das reações e ações dos personagens centrais.
E embora isso se prove um bom acerto para a criação de uma trama menos óbvia, também acaba se tornando um problema quando analisamos funções básicas de um roteiro. Diversas informações são omitidas do público e o sentimento final é de que o filme lança alguns mistérios e não entrega as respostas, criando uma trama cheia de lacunas em branco.
O roteirista e diretor do filme, Trey Edward Shults admitiu que essa foi uma decisão consciente e proposital, para que o público se sinta tão desolado e confuso quanto os personagens. E embora isso funcione em algumas circunstâncias, não deixa de ser revoltante chegar aos créditos sem ter algumas conclusões explícitas.
Dessa forma, é muito subjetivo julgar Ao Cair da Noite. O filme definitivamente tem um grande valor técnico, principalmente no uso de fotografia, som, montagem e iluminação (aliás, grande destaque nesse quesito, uma vez que o jogo de sombras para compor mistério e suspense é primoroso aqui).
Porém, apreciá-lo narrativamente é algo que depende muito do espectador. Particularmente, me senti convencido pela trama do filme, ao ponto que as perguntas deixadas em aberto não me incomodaram tanto. Ao mesmo tempo, é compreensível que alguém não goste desse tipo de narrativa e acabe desprezando o longa por conta disso.
Ainda assim, temos aqui um filme que realmente aguça curiosidades, uma vez que ele consegue estabelecer muito bem as relações humanas em meio à calamidade. O foco do filme não está no que “vem com a noite”, como sugere o título do filme, mas sim em quem fica para presenciar sua chegada.
Há alguns pequenos deslizes no que diz respeito às cenas mais gráficas envolvendo sequências de horror e alguns jump scares, uma vez que boa parte dessas cenas são parte de sequências de sonhos de um dos personagens, o que tira um pouco do senso de realismo do filme. Por outro lado, isso é compensado com uma jogada sagaz no aspect ratio - ou formato de tela do filme, que muda conforme o que estamos contemplando.
Se você admira a nova leva de filmes de horror mais psicológicos e menos “assustadores”, como Corrente do Mal ou O Babadook, esse é um filme que merece sua atenção. Produzido pela mesma companhia responsável por A Bruxa, Ao Cair da Noite mostra que ainda há espaço no mercado para terror independente e sobretudo inteligente.
Ao mesmo tempo, esteja preparado para ter sua curiosidade atiçada e ter algumas expectativas quebradas ao longo da trama. Aliás, falando nisso, é bom retornar ao início da crítica: o sucesso de um filme, tanto crítico quanto comercial, tem a ver com as expectativas impostas sobre ele. Se você procura se surpreender positivamente com Ao Cair da Noite, tente abaixar ou diminuir suas expectativas, independente do que você já leu ou ouviu sobre o longa.
Com um brilhantismo técnico impecável, Ao Cair da Noite nos mostra um horror consciente, humanizado e ao mesmo tempo, hediondo. Apesar das poucas respostas entregues ao público, temos uma trama tensa, compassada e retratada em planos que poderiam se transformar em belos quadros de arte.
E é a prova de que embora o cinema mainstream de terror esteja em decadência há longos anos, o cenário independente ainda é uma porta para todos os horrores imagináveis e inimagináveis.
Nota: 4/5