Crítica – MaXXXine camufla mediocridade com neon vibrante dos anos 80

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Crítica – MaXXXine camufla mediocridade com neon vibrante dos anos 80

Por Jaqueline Sousa

Em Hollywood, até que você seja conhecido como um monstro, você não será uma estrela. A frase, de autoria da inesquecível Bette Davis (O Que Terá Acontecido a Baby Jane?), abre MaXXXine como um prelúdio sombrio que praticamente não oferece escapatória. Afinal, se a Maxine que conhecemos em X: A Marca da Morte (2022) está realmente disposta a entrar no seleto grupo das estrelas de cinema, ela vai ter que fazer o que for necessário para conseguir realizar seu grande sonho, mesmo que essa ambição a transforme em uma criatura grotesca.

É diante dessas circunstâncias que Mia Goth (Piscina Infinita) retorna ao universo macabro de Ti West (A Casa do Demônio) com MaXXXine, terceiro filme da saga onde a jovem protagonista, após escapar das garras da sádica Pearl como uma Sally de O Massacre da Serra Elétrica (1974) no final de X, agora é uma estrela de filmes adultos. Disposta a fazer de tudo para conseguir entrar em Hollywood, Maxine acaba embarcando em uma jornada sufocante cujas sombras escondem segredos do passado. O problema é que, mesmo pincelando uma boa discussão sobre a falsa magia por trás das cortinas da indústria hollywoodiana, MaXXXine não tem muito mais a oferecer além de referências vazias, uma protagonista apática ao que acontece ao seu redor e um preciosismo estético que, embora funcione visualmente, apenas camufla a mediocridade da narrativa.

Ficha técnica

Título: MaXXXine

 

Direção: Ti West

 

Roteiro: Ti West

 

Data de lançamento: 11 de julho de 2024

 

País de origem: Estados Unidos da América e Reino Unido

 

Duração: 1h 44min

 

Sinopse: Após sobreviver aos acontecimentos do primeiro filme da série, Maxine Minx agora está em busca da tão sonhada carreira como atriz em Hollywood. Mas além dos testes de elenco, a protagonista desta vez terá que se esforçar para resistir às ameaças de ataque do Perseguidor Noturno, assassino em série que está aterrorizando a região.

Pôster de MaXXXine.

Hollywood pode ser mortal

Em meio às luzes neon, às jaquetas bomber e aos sintetizadores da década de 1980, Maxine Minx (Mia Goth) só pensa em uma única coisa: tornar-se uma grande estrela de Hollywood. Com o massacre ao qual sobreviveu, na obscura fazenda texana de X: A Marca da Morte, pesando nos ombros, a jovem aspirante a atriz almeja uma vida fora da indústria pornográfica, onde acabou se tornando um nome bastante popular graças aos filmes adultos aos quais protagonizou ao longo de sua carreira.

Traçando um caminho similar ao da dançarina Nomi Malone, personagem de Elizabeth Berkley (Uma Galera do Barulho) que sonha com a fama dos palcos no Showgirls (1995) de Paul Verhoeven (Instinto Selvagem), Maxine desbrava a Hollywood de Los Angeles com a confiança de que é apenas uma questão de tempo até que ela consiga uma oportunidade de ouro na concorrida e nociva indústria cinematográfica.

Mia Goth retorna a universo macabro de Ti West como Maxine Minx, estrela de filmes adultos que busca sucesso em Hollywood.

Não é à toa, então, que a primeira cena de MaXXXine, ao invés de abrir as portas para a fazenda de Pearl, abre seu universo de possibilidades para um estúdio de cinema, local este onde Maxine encara a adrenalina de uma audição para estrelar o filme de terror Puritana 2, provando que sua fome de sucesso é mais forte do que qualquer tipo de comentário reacionário ou moralista acerca de sua jornada como uma estrela de filmes adultos.

Seja em sua chegada confiante à audição, ou na maneira como recita o roteiro falando sobre o “pecado de viver”, Mia Goth insere uma certa dose de raiva na maneira como apresenta essa nova Maxine, mais madura e segura de si, mas ainda com os mesmos sonhos e desejos de uma garota cujo maior objetivo é viver dentro dos filmes que tanto amava, o que até emula os passos de Pearl em sua própria versão de Dublê de Corpo (1984).

É possível enxergar as nuances dessa raiva misturada com ambição, uma junção que caminha com Maxine desde que ela deixou a fazenda de Pearl aos pedaços, em vários momentos do terceiro filme, especialmente se levarmos em consideração que, além de ter que enfrentar as agressões do mundo hollywoodiano, Maxine também é ameaçada pelos ataques de um assassino em série conhecido como Perseguidor Noturno, um criminoso que anda matando mulheres na região com suas luvas pretas e as roupas de couro que gritam a estética giallo.

Mais ambiciosa e segura de si, Maxine faz tudo que está ao seu alcance para conquistar fama em Hollywood.

Em dado momento, Maxine até mesmo se transforma na Ms. 45 (1981) de Abel Ferrara ao confrontar um homem que a perseguia em seu caminho para casa, puxando uma arma para aterrorizá-lo num local sem saída. Com sua raiva reprimida transparecendo como uma explosão, Maxine mata a virilidade do perseguidor fornecendo uma sensação de satisfação para o espectador voyeur que a vê se livrando daquela situação como uma femme fatale.

Contudo, os acenos de uma Maxine mais confiante e ativamente dona de sua jornada ficam por isso mesmo. Ti West, com suas variadas referências aos anos 80, seja na trilha sonora contagiante ou nos filmes que tenta homenagear, se preocupa muito mais em construir uma estética oitentista vívida e palpável do que criar uma narrativa consistente que dialogue com tudo aquilo que ele quer dizer.

Desde o começo da trilogia, iniciada com o divertido X: A Marca da Morte – que, apesar de se apegar em demasia ao que Tobe Hooper fez com o clássico O Massacre da Serra Elétrica, entrega um slasher competente que aproveita os clichês do gênero para brincar com as diversas possibilidades do formato – é nítido que West busca criticar as hipocrisias de uma sociedade puritana, que olha para o sexo como um “mal que deve ser cortado pela raíz”, assim como fazem os psicopatas desses filmes de terror, cujas vítimas sempre são jovens que transam e são tidos como “desvirtuados” por caprichos sociais moralistas.

Apesar de fazer sátira hollywoodiana, MaXXXine é um filme contido naquilo que se propõe a discutir.

É interessante ver como West consegue reverter isso tanto em X quanto em Pearl (2022), sendo que este último coloca Mia Goth em um universo technicolor, onde a protagonista vive um macabro O Mágico de Oz (1939), para tratar de como a repressão de sonhos e vontades pode provocar consequências devastadoras. Mas não é isso que o diretor faz em MaXXXine, o que parece até mesmo equivocado.

Isso porque, mesmo que sua protagonista tenha construído uma carreira fazendo filmes pornográficos e a trama aposte em seu teor crítico em relação ao puritanismo que ameaçava o avanço de ideias progressistas na década de 1980 (e que, digamos de passagem, é uma crítica tão atual que chega a ser assustador), MaXXXine é um longa-metragem extremamente contido, e até mesmo Mia Goth, embora continue fazendo um excelente trabalho na franquia, acaba sofrendo as consequências de um filme que, ao invés de criar uma narrativa consistente, apenas se apoia em referências vazias para criar uma sátira hollywoodiana oca e apegada ao preciosismo estético.

A vida que você merece

Apesar de flertar em vários momentos com o cinema de Brian De Palma, como nas telas divididas e no thriller psicológico que exala sensualidade, por exemplo, MaXXXine não passa disso: um flerte. Fala-se muito de sexo, drogas e rock ‘n’ roll, mas a narrativa não caminha de acordo com o que quer transmitir por justamente permanecer na superfície, enquanto regurgita críticas que acabam recebendo pouca ou nenhuma atenção com o avanço da narrativa.

Não é também como se o filme precisasse falar dessas coisas – afinal, nada é necessário nos filmes, como bem disse Paul Verhoeven certa vez após ser questionado sobre a “necessidade” de cenas de sexo em longas-metragens – mas fica claro que West tem a intenção de usar esses debates, como o falso moralismo, os embates envolvendo religiões que se acham detentoras da verdade e a indústria pornográfica em si, para desenvolver a jornada de Maxine Minx, enquanto mostra o lado perigoso de uma Hollywood que pode até mesmo ser comparada a um culto macabro.

Apegando-se ao preciosismo estético, MaXXXine é um compilado de referências vazias.

Talvez os acenos ao universo cinematográfico, mesmo com suas referências óbvias e autoexplicativas a Psicose (1960) e ao sonho hollywoodiano (uma ideia muito bem disseminada por filmes da era clássica da indústria), sejam os elementos mais instigantes de MaXXXine, juntamente com a estética oitentista que, apesar de camuflar as problemáticas do filme, ainda assim possui seu mérito.

Nesse ponto, existe algo de interessante no filme quando ele usa a protagonista como motivação para explorar a fábrica ilusória da fama das estrelas de cinema, principalmente quando vemos a personagem de Goth interagindo com Elizabeth Bender, a diretora de Puritana 2 que é interpretada por uma Elizabeth Debicki (The Crown) muito segura de si e de suas opiniões diante de uma indústria machista, preconceituosa e moralista, cujo olhar predominantemente masculino coloca mulheres em posições degradantes e ofensivas.

Mia Goth e Elizabeth Debicki exploram a maneira como Hollywood trata mulheres dentro e fora das câmeras.

Mas se MaXXXine enxerga o letreiro de Hollywood e o puritanismo como inimigos, muito mais do que o assassino em série que atormenta a protagonista com histórias do passado, Ti West não parece muito interessado em ir além de suas preciosas referências que dão tom ao filme. Nem mesmo o ótimo charlatão interpretado por um excelente Kevin Bacon (Footloose: Ritmo Louco) consegue sair ileso da elegância artificialmente orquestrada da estética, que é tão bem construída que, em alguns momentos, é possível até mesmo se esquecer de que, por trás de toda fumaça da pista de dança, existe uma narrativa fraca que culmina em uma conclusão bastante medíocre e preguiçosa. Ora, nem mesmo toda a sátira do fazer cinematográfico ganha força, já que o grande sonho de Maxine em estar nas telonas não recebe qualquer tipo de desenvolvimento nos bastidores.

Assim, é desta maneira que MaXXXine fecha a trilogia (que, embora tenha sido promovida como uma série de três filmes, ainda pode ganhar uma nova produção no futuro): com medo de si mesma. Escondendo-se por trás da nostalgia dos anos 80, o filme estrelado por Mia Goth foge do clássico bordão de sua protagonista, aceitando uma jornada simplista e prudente à medida que finge ser irreverente ou subversivo, como se usasse uma máscara para ocultar seu verdadeiro eu ao invés de ter a coragem para ir além.

Nota: 2,5/5.

MaXXXine estreia em 11 de julho nos cinemas. Sessões de pré-estreia acontecem a partir de 4 de julho.

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