Crítica: Madame Teia não é o seu típico filme de super-herói, para o bem ou para o mal

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Crítica: Madame Teia não é o seu típico filme de super-herói, para o bem ou para o mal

Por Gabriel Mattos

Madame Teia estreia com um legado bem complicado em suas costas. Estrelado por Dakota Johnson, o filme é o quarto projeto produzido pela Sony Pictures para o seu universo de derivados do Homem-Aranha — nenhum dos quais tem uma fama fantástica. Depois do fracasso colossal de Morbius, a fé no público está ainda mais abalada nos heróis e vilões da empresa. Todos se perguntam se o próximo filme será um Venom, divertido apesar dos problemas, ou um Morbius, uma completa bagunça. Sem apego algum aos moles dos filmes de herói, Madame Teia se encaixa confortavelmente no meio de seus irmãos — meio bagunçado, meio divertido, mas com um carisma incontestável.

Ficha técnica:

Título: Madame Teia (Madame Web)

Direção: S. J. Clarkson

Roteiro: Matt Sazama, Burk Sharpless, Claire Parker e S. J. Clarkson

Data de lançamento: 14 de fevereiro de 2024

Duração: 116 minutos

País: Estados Unidos

Sinopse: Cassie Webb é uma paramédica de Nova Iorque que tem uma premonição sobre o assassinato de três adolescentes. Sem nenhuma habilidade de combate, a jovem precisa correr contra o tempo e contra o destino para encontrar uma maneira de salvá-las.

Madame Teia estreia em 14 de fevereiro

Nem todo filme ruim é uma perda de tempo

Ignorando completamente a linguagem que as produções de super-herói vieram construindo ao longo das últimas décadas, Madame Teia parece um filme deslocado no tempo. Com uma história que se passa em 2003, todos os elementos convergem para replicar a mesma energia que um filme daquele período teria. Desde a estética azulada marcante de Crepúsculo ao diálogo obtuso com bobagens místicas sobre Amazônia, tudo evoca uma energia meio cafona que traz um ar diferente para um gênero tão saturado.

Poderia ser um grande acerto, se a intenção fosse explorar novos caminhos que pudessem fugir da temida fatiga dos filmes de herói. Contudo, este não parece ser o caso. As decisões da produção soam mais como a defasada vergonha de ser uma adaptação de quadrinhos, algo que não víamos desde o início do Universo Cinematográfico da Marvel. Enquanto o estúdio aprendeu, com o tempo e o sucesso, a abraçar o lado mais extravagante dos gibis, a recente fadiga do gênero reacendeu o medo de ser associado com os heróis — e um dos primeiros reflexos disso é Madame Teia.

A todo momento, o longa investe exatamente naquilo em que o distancia de seus irmãos e sabota tudo que veio diretamente dos quadrinhos. Um sintoma claro está nos figurinos. Com exceção do vilão, que pouco aparece, o roteiro encontra motivos para nenhuma das protagonistas usar as roupas coloridas dos quadrinhos. A preferência é por roupas sóbrias e urbanas, quase como os primeiros filmes dos X-Men, que poderiam ser encontradas em qualquer filme de ficção científica dos anos 2000. A questão é que Madame Teia prefere muito mais ser associado a sucessos genéricos do passado que aos fracassos extravagantes do presente.

Madame Teia tem uma vibe anos 2000 (Créditos: Sony)

O alvo parece ser o grande público, que não tem conexão alguma com super-heróis. Assim, emular a identidade de grandes clássicos do suspense acaba sendo uma estratégia razoável. Substituir a base mística aracnídea da história por qualquer outro artefato sobrenatural ou explicação pseudocientífica não faria qualquer diferença — o que é bastante intencional. Porém, evitando ao máximo qualquer decisão arriscada, o filme se aproxima muito mais de algo que se espera de um filme da Sessão da Tarde do que de um grande lançamento do cinema.

O resultado é basicamente um filme perdido e bem diluído da franquia Premonição, só que com um foco em ação e sem a sensação de que tudo vai dar errado no final. Saber o que vai acontecer, graças aos poderes de ver o futuro da protagonista, cria uma certa ansiedade, que casa bem com a atmosfera de suspense que o longa quer construir. E ter apenas heroínas sem qualquer habilidade de combate apenas reforça essa vulnerabilidade. Ninguém tem capacidade real de enfrentar o vilão, então cada confronto parece uma sinuca de bico com as heroínas encurraladas pelo destino.

A base da trama gira em torno destes encontros de puro suspense. Cassandra Webb, a personagem de Dakota Johnson, era apenas uma paramédica de Nova Iorque quando começa a ter visões com a morte de pessoas que cruzaram seu caminho. E quando três garotas adolescentes são o alvo de sua visão, perseguidas por um maníaco mascarado, ela decide intervir — mesmo sem ter qualquer plano de como conseguir salvá-las.

Ezekiel Sims (Tahar Rahim) em cena de Madame Teia

Essa corrida contra o destino cria uma sensação de estar acompanhando presas indefesas em uma caçada sangrenta, quase como em um filme de terror, que qualquer tropeço das protagonistas pode ser fatal. Porém, graças a clarividência da heroína, a situação inverte de uma forma interessante. No fim vira uma caçada diferente — é a Madame Teia que corre contra o tempo para impedir a catástrofe premeditada em que o vilão põe um fim em todas as meninas.

A ação, mesmo que esparsa, funciona bem em manter um ritmo legal para a história. Pena que todo o esforço de construir uma atmosfera interessante seja desperdiçado por um roteiro capenga. Os diálogos entre as personagens muitas vezes soa forçado ou clichê. Quebra a imersão, mas não chega a ser tão ruim quanto os constantes furos de roteiro.

Muitas informações são descobertas sem muito contexto ou de forma irreal, especialmente do lado dos vilões. Mas pior ainda é quando algumas situações só acontecem por ignorar completamente a lógica e o bom senso. Tudo é muito conveniente, como em uma novela mal escrita. Sem entrar muito em spoilers, a situação que mais me frustrou foi o momento em que uma personagem procurada pela polícia decide sair do país para uma rápida viagem internacional. Nem o vilão com seu amplo aparato de rastreamento, nem os agentes de imigração do governo descobrem de sua escapada e intervém. Situações como esta são constantes ao longo da trama, desgastando a boa vontade do público.

Trio de adolescentes não tem profundidade alguma (Créditos: Sony)

Clichês são usados em abundância como muleta para não precisar pensar em uma construção muito profunda de personagem e as coadjuvantes são as maiores afetadas por isso. Sydney Sweeney, Celeste O’Connor e Isabela Merced continuam servindo muito carisma, como de costume, porém recebem personagens completamente superficiais para atuar. Cada uma das meninas segue a risca um estereótipo raso — a menina certinha, a rebelde e a sensata — e não há esforço algum para mostrar qualquer profundidade ou evolução além disso.

Estruturas fáceis e vazias também empobrecem o roteiro — possivelmente o caso mais grave é o vilão. Completamente unidimensional, vivendo única e exclusivamente em prol de sua obsessão, Ezekiel Sims nada mais é que a personificação da força que move o suspense da trama. Ser tão mais poderoso que suas adversárias e quase onipresente funciona na hora de criar um senso real de perigo, que dá o tom da aventura, mas falha na hora de cativar como personagem. Poderia ser um rosto sem nome, e até sem ator, que não faria a diferença. Um completo desperdício do talento de Tahar Rahim.

Quem mais se salva do caos promovido pela caneta dos roteiristas é a Dakota Johnson. Conhecida por seu senso de humor caótico, irônico e rasteiro, que combina bem com sua fachada calma, a personalidade natural da atriz casou muito bem com a personagem. A completa inaptidão social de Cassie Webb, que Dakota representa tão bem, consegue tirar boas risadas sem precisar de um grande esforço do roteiro. Nem sempre essa mesma confiança está presente nas cenas de ação ou mais emotivas, mas quando acontece é simplesmente impactante, como na sequencia final de ação.

Adam Scott tem um papel misterioso em Madame Teia

Outra grata surpresa são os personagens secundários de Emma Roberts e Adam Scott, que conseguem transbordar carisma mesmo com pouco tempo de tela. A escalação certeira em papéis tão importantes, mesmo que menores, consegue suprir a banalidade do roteiro. E até mesmo trazer certa grandiosidade a detalhes que serão muito apreciados pelos fãs do Homem-Aranha.

Mesmo enganando o público e fugindo de suas origens, Madame Teia não consegue escapar do seu destino. Este é um filme de super-herói da Sony como os outros, apenas com outro público-alvo em mente. O roteiro pode estar sendo preso com chicletes para não cair, mas a atmosfera competente de suspense consegue entreter ainda assim. No fim, está é a primeira vez que eu saio de um filme de herói da Sony torcendo para que façam mais. Não é o melhor filme, mas prepara as bases para um futuro promissor. Não necessariamente com o retorno da Madame Teia, mas, com sorte, mais das Mulheres-Aranhas.

Nota: 2,5/5

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