Review: Super Mario Bros. Wonder resgata um brilho que a franquia não via desde Super Mario World

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Review: Super Mario Bros. Wonder resgata um brilho que a franquia não via desde Super Mario World

Por Gabriel Mattos

Será que é cedo para falar que 2023 é o momento do Super Mario? Não bastasse o tremendo sucesso de Super Mario Bros. — O Filme, que vigorou por meses como a maior bilheteria do cinema deste ano, como, em outubro, o mascote mais conhecido do mundo dos jogos retorna às origens em uma aventura plataforma 2D surpreendente: Super Mario Bros. Wonder, o mais novo exclusivo de Nintendo Switch.

Mas o que diferencia este novo jogo do encanador bigodudo entre centenas de outros lançados ao longo dos anos é a sua deliciosa dualidade. Ao mesmo tempo que entrega a nostálgica experiência da franquia, muito bem estabelecida desde a estreia do herói no Nintendinho, o novo jogo injeta uma necessária dose de inovação nesta fórmula — algo que esteve em falta nos games bidimensionais do às da Nintendo desde Super Mario World. Wonder reencontrou o charme da franquia, mas o que foi responsável por essa virada de chavinha?

Ficha Técnica

Título: Super Mario Bros. Wonder

 

Data de Lançamento: 20 de outubro de 2023

 

Desenvolvedora: Nintendo

 

Plataformas: Nintendo Switch

 

Gênero: Plataforma

 

Tradução para Português: Sim (incluindo dublagem)

Depois de muitos anos, Mario está de volta ao topo

Simplesmente fenomenal (Créditos: Nintendo)

Afinal, é inegável o carisma que exala de cada cantinho dessa aventura. Basta pôr os pés na primeira fase do Reino Flor para perceber a magia transbordar. Para começar, enfim temos uma merecida repaginada visual geral, que não só trata cada fase com muito mais carinho como ainda incorpora muitas tendências de animação dos últimos anos. Sabe aquele papo de que Homem-Aranha no Aranhaverso mistura o estilo de desenho 3D e 2D para realçar a expressão dos personagens? Então, Wonder aplica a mesma técnica com maestria.

Mario, acompanhado dessa vez por mais 11 personagens jogáveis, reage a tudo que acontece na tela, até ao menor dos detalhes. Ao subir em uma manada de dinossauros, por exemplo, ou em um Bill Balístico, o herói logo entra em uma posição de surfe. Sempre tem uma pose, um momento de impacto, que traz muita personalidade a cada herói. Os inimigos também aprenderam a reagir a seus arredores, demonstrando até mesmo um certo medo do jogador ao vê-lo massacrar seus pobres irmãos. São pequenos toques especiais que juntos tornam este mundo muito mais vivo e orgânico.

Inclusive, os inimigos são um grande destaque e parte integral do coração de Super Mario Wonder. Pela primeira vez em décadas temos um elenco quase que completamente inédito de adversários, cada um com uma mecânica nova e inventiva que torna a jogabilidade muito revigorada. Inimigos que fogem, como o Atirifoge, que empurram elementos da fase e até alguns que funcionam de gancho para as piruetas de Mario — todos ampliam bastante as possibilidades do game. Até mesmo os poucos vilões veteranos ganham uma nova personalidade com pequenas mudanças, como as Plantas Piranhas, que agora andam e cantam, e os Koopa Troopas, que aparecem em uma gangue de patins.

Novos inimigos oferecem experiências completamente absurdas (Créditos: NIntendo)

As surpresas espreitam a cada nova fase, que estão muito mais caprichadas dessa vez. Os fundos ganham muito mais detalhes e histórias paralelas. Não chega a ser algo absurdo, como em Donkey Kong Country Returns, mas é ótimo ver Super Mario, a franquia que iniciou todo o gênero de plataforma, não ficando para trás de seus rivais. De Rayman Legends, por exemplo, Wonder aprende a transformar suas fases em algo vivo, que muda, evolui e interage com o jogador: muito graças às Sementes Fenomenais.

Presentes em todas as fases, ora escondidos, ora exuberantes, estes itens que dão nome ao jogo mudam completamente o contexto de tudo ao seu redor. Não é exagero dizer que as Sementes Fenomenais viram o jogo de cabeça pra baixo! Seus efeitos variam de mudar o comportamente dos inimigos, que podem começar a cantar como em um musical absolutamente do nada, ou até mesmo a natureza da própria fase, que pode assumir a jogabilidade dos Zeldas clássicos de uma hora para outra. Lava pode se tornar um rio, estrelas de invencibilidade podem chover dos céus… Até o próprio Mario pode se tornar um Goomba, aqueles inimigos clássicos das primeiras fases. Encontrar este item é sempre um motivo de alegria, surpresa e empolgação. Por um breve momento, Mario se transforma em tudo que poderia ser, algo que não estava presente na franquia há muito tempo.

Podemos dizer que este é o sucessor espiritual de Super Mario World. Super Mario Bros. Wonder tem um brilho natural que a franquia tinha perdido há muito tempo. Parte por culpa dos fãs e outra por conta da natureza dos negócios. Afinal, jogos são uma indústria multimilionária que não aceita riscos. E quanto maior se torna uma franquia, mais garantias de lucro cada jogo precisa entregar. No final, apostar em novidades acaba sendo menos interessante. E assim, a própria grandiosidade de Super Mario acabou lhe sufocando.

Onde a franquia Super Mario se perdeu?

Explorar melhor as possibilidades dos cenários é uma herança de concorrentes do gênero (Créditos: Nintendo)

Era meio triste o que vinha acontecendo com a série principal de Super Mario. Enquanto os jogos tridimensionais sempre se reinventavam, seja Super Mario Odyssey, de Nintendo Switch, ou Super Mario Galaxy, de Nintendo Wii, os jogos tradicionais mantinham a mesma linha, traziam os mesmos elementos, seguiam sempre a mesma fórmula. Como a Marvel Studios que se acomodou com a Fórmula Marvel, Super Mario Bros. se acomodou com a Fórmula Mario.

No início, quando surgiu em 1985 no Nintendinho, o primeiro console da empresa, Super Mario Bros. precisou de apenas um punhado de pixels e um macacão vermelho para explodir a mente de toda uma geração. A forma como o título apresentava uma sequência de fases a ser superada revolucionou a indústria e criou um lugar nostálgico para onde os jogadores sempre sonharam em voltar. E esse encanto foi apenas reforçado na geração seguinte, do Super Nintendo, com Super Mario World

Repleto de segredos e com uma irreverência absurda, o game consolidou o herói como o grande mascote que conhecemos hoje, especialmente por sua forma brincalhona de encarar seu próprio mundo. O herói podia virar um balão, enfrentar topeiras, encontrar um mundo secreto nas estrelas e o que mais a imaginação mandasse. Era um sentimento único de que não existiam limites para o que o jogo poderia fazer. Depois, a grande novidade que abalava o mundo dos games eram os gráficos tridimensionais e a jogabilidade tradicional foi deixada de lado, mas sempre houve um clamor do público pelo nostálgico.

Como em Super Mario World, Wonder rasga as regras para surpreender o jogador (Créditos: Nintendo)

E desse desejo pelo clássico que surgiu a pior fase da carreira do encanador italiano do Brooklyn — a era New Super Mario Bros. Iniciada no Nintendo DS em 2006, estes jogos surgiram com a proposta de imitar ao máximo tudo que fazia os clássicos incríveis: os mesmos poderes, os mesmos inimigos, as mesmas temáticas, os mesmos tudo. Foi criada a Fórmula Mario. A ideia era recriar esse sentimento que os jogadores tanto queriam, só que agora em 3D. 

Nem preciso dizer o quanto isso estagnou a franquia, que reciclou as mesmas ideias pela próxima década e meia. O jogo mais recente veio para o Nintendo Switch, New Super Mario Bros. U Deluxe, em 2019. Em questão de vendas, os jogos sempre estiveram nas expectativas da Nintendo e o esforço necessário para produzi-los era mínimo. Afinal, era só reorganizar fases novas, criando um aprimoramento ou outro. O que faria uma empresa precisar sair dessa zona de conforto? A resposta tem nome e sobrenome: Super Mario Maker.

Ainda no fracassado Nintendo Wii U, em 2015, a Nintendo lançou um robusto criador de fases em todos os estilos de Super Mario Bros. existentes até então. Em questão de dias, fãs de todo mundo estavam criando e compartilhando suas próprias ideias no universo da franquia. O sucesso foi tanto que a Nintendo sabia que nunca mais poderia lançar apenas mais um amontoado de fases preguiçoso. Com aquele jogo, os usuários tinham acesso a infinitas fases inéditas sem precisar pagar nada a mais por isso. Para competir com este conteúdo monstro, seria preciso criatividade e, para se inspirar, foi necessário olhar para os seus próprios fãs.

Corridas, fases impossíveis e tudo que fez de Super Mario Maker um sucesso aparece de volta em Wonder (Créditos: Nintendo)

O mais interessante disso tudo é que, burlando as limitações do próprio Super Mario Maker, o público conseguiu quebrar vários mitos que a fórmula Mario impunha, mostrando que os fãs queriam sim coisas novas, especialmente no formato de fases. A sequência, Super Mario Maker 2, já foi lançada levando isto em consideração e, desta vez, em Super Mario Wonder, vemos a Nintendo aceitando humildemente que os fãs tinham razão e elevando ideias do público a um novo patamar.

Uma grande adição que veio com isso são os objetivos variados entre as fases. Além dos clássicos estágios em que o jogador precisa apenas chegar no ponto final, existem diversos desafios alternativos que exigem a conclusão de objetivos alternativos, como completar uma corrida, enfrentar uma sequência de inimigos ou encontrar itens escondidos. Essa variedade revigora o ritmo do jogo e garante que o jogador esteja sempre fazendo coisas novas, não caindo na mesmice.

Outra sacada de mestre foi saber reaproveitar esta forte comunidade, cultivada com Super Mario Maker, em algo completamente novo. E o estúdio conseguiu isso por meio de fantasmas de jogadores de todo mundo que são conectados de forma online. Quando essa funcionalidade foi anunciada, não me pareceu grande coisa. Afinal, não havia uma interação muito direta entre os jogadores além da possibilidade de salvação após uma morte acidental. Contudo, na prática, os fantasmas funcionam de forma espetacular.

Tudo porque os jogadores de Super Mario são muito solícitos, gostam de abraçar os novatos e garantir que todos estejam se divertindo. Assim como os fãs de One Piece, que estão sempre incentivando os novatos que conheceram a franquia com o live-action a explorar cada vez mais, os veteranos de Mario recebem os novatos de braços abertos com essa conexão fantasma. Muitos passaram a jogar com o Ledrão, um personagem virtualmente invulnerável que acumula itens, para ficar nas fases guiando os jogadores a segredos e oferecendo ajuda sempre que possível. Foi de uma gentileza revigorante que não costumamos ver no mundo dos jogos com facilidade.

Nota

Nota: 10/10

Divertido, carismático e viciante, Super Mario Bros. Wonder é a prova que a Nintendo ainda sabe impressionar. E, o mais importante, aprender com os próprios erros. A humildade de enxergar nas criações dos fãs e na competição caminhos para evoluir transformaram a experiência deste jogo em algo memorável, que compete fortemente para ser lembrado como o melhor jogo de plataforma clássico de Super Mario da história. Um grato lembrete de que quando deixamos de lado a nostalgia cega, apenas por tradição, pode florescer uma semente fenomenal de puro progresso.

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