Review: One Piece Odyssey não passa de uma viagem nostálgica sem qualquer profundidade

Capa da Publicação

Review: One Piece Odyssey não passa de uma viagem nostálgica sem qualquer profundidade

Por Gabriel Mattos

One Piece Odyssey foi anunciado pela Bandai Namco para ser uma celebração dos 25 anos de existência da franquia de Eiichiro Oda. Depois de décadas insistindo em jogos de luta e de guerra que focavam no espetáculo do combate megalomaníaco do anime, enfim teríamos um jogo comprometido em explorar o que tem de mais genial no mangá: a história e seus arcos magníficos. One Piece tinha tudo para render um bom RPG, mas depois de passar mais de 60 horas com o novo game, sinto que esse navio já zarpou há muito tempo.

Ficha Técnica:

Título: One Piece Odyssey

Desenvolvedora: ILCA

Distribuidora: Bandai Namco

Plataformas: PlayStation 5, PlayStation 4, Xbox Series X e Series S, Microsoft Windows

Lançamento:13 de janeiro de 2023

Gênero: RPG

Uma viagem peculiar pelo legado de One Piece

Explorar os cenários mais marcantes de One Piece é um sonho (C: Bandai Namco)

Há um esforço bem claro em fisgar os fãs pelo coração. O visual caprichado, tanto dos personagens quanto dos cenários, não poupa esforços em entregar o máximo de detalhes possível com uma direção de arte impecável. É basicamente como se One Piece existisse no universo de Dragon Quest, tamanha a semelhança visual. O que não é mera coincidência — o estúdio que produziu esse game ajudou com as animações de Dragon Quest XI.

Desenvolvido pela ILCA, Odyssey parte de uma proposta bastante interessante. O game traz uma história original focada em dois personagens inéditos, Adio e Lim, com visual criado pelo próprio Eiichiro Oda. E a partir do encontro com esses personagens, o jogador vai revisitar os arcos mais marcantes de One Piece. Na teoria, essa é uma chance para explorar seus vastos cenários, conhecer personagens marcantes e reviver os combates mais surreais da franquia.

Com um material de origem tão rico e detalhado, parecia impossível não sair um grande RPG. Afinal, este é um gênero conhecido por ter uma grande ênfase em narrativa. Quando falamos de grandes RPGs, como Final Fantasy VII e Tales of Arise, sempre lembramos primeiro dos seus momentos emocionantes, suas reviravoltas inusitadas e seus personagens carismáticos. E One Piece tem tudo isso de sobra.

Depois, mas não menos importante, temos a exploração, complexos sistemas de personalização e atributos, além de um combate bastante estratégico. Não deveria ser difícil adaptar momento algum de One Piece em um jogo do gênero. Cada arco da história de Oda já parece um pequeno RPG, de certo modo. Mas mesmo assim, a única coisa que acabou funcionando bem em Odyssey é o combate.

Estratégia entre piratas

O combate empolga, trazendo golpes icônicos de cada arco (C: Bandai Namco)

Trazendo um clássico sistema de turnos, ainda muito popular em JRPGs como Pokémon e Dragon Quest, o jogo transforma os golpes mais famosos de cada herói em técnicas especiais. Cada personagem ganha um tipo, que usa o tradicional sistema de vantagens inspirado em jokenpô.

A graça é gerenciar a formação da equipe e a posição em campo de batalha para sempre se manter na vantagem. Durante os combates, ainda podem acontecer “cenas dramáticas“, que nada mais são que interações entre o elenco que oferecem objetivos opcionais que rendem muita experiência. Essa adição acaba garantindo mais variedade, forçando o jogador a experimentar novas estratégias mais agressivas ou defensivas de acordo com o momento.

Em geral, o combate é uma mistura muito efetiva de sistemas bastante simples, mas elegantes. Nunca enjoa, mesmo que a variedade de inimigos não seja exemplar — reciclando monstros genéricos grande parte do tempo. O único momento que não empolga é justamente o mais importante: as batalhas contra chefes.

E o motivo para não funcionar é o mesmo que faz a exploração ser ruim e a história tenebrosa — falta uma compreensão dos elementos do game. Muitas escolhas feitas durante o desenvolvimento parecem arbitrárias, indo por caminhos que deveriam parecer legais para os jogadores. Mas por ser mal executado, acaba virando uma pequena catástrofe.

Objetivos opcionais trazem um tempero a mais que tornam o combate irresistível (C: Bandai Namco)

No caso dos chefes, por exemplo, a grande maioria das batalhas abre mão da vastidão de inimigos para trazer uma única ameaça, o próprio chefe. Com o adversário fixo em um único lugar, a batalha perde metade do seu elemento estratégico, de estar constantemente mudando a posição dos personagens, para virar uma constante seleção do mesmo golpe. O chefe vira uma esponja de dano e uma batalha que deveria ser catártica se torna patética. É como tirar as hordas de inimigos de Batman: Arkham City… Simplesmente não funciona.

E esse mesmo pensamento confuso é o que faz a história descarrilar tão rápido.

Uma lembrança vaga e sem coração

A escolha de arcos a se visitar foi bastante acertada. Alabasta, Water Seven, Marineford e Dressrosa são absolutamente marcantes na longa jornada dos Chapéus de Palha. E o game ainda se propõe a deixar as coisas ligeiramente diferentes do que eram antes, afinal, nunca lembramos das memórias do mesmo jeito que aconteceram. Porém, o que deveria ser uma ferramenta de criatividade para surpreender o público, como Dragon Ball Xenoverse soube muito bem fazer, acaba sendo uma âncora, afundando de vez a experiência.

Não adianta tentar que em você não brilha… (C: Bandai Namco)

Nenhum arco segue por um caminho diferente ou mais interessante. Pelo contrário, as modificações são apenas um grande corte de orçamento. Todos recursos que foram usados para fazer o jogo ficar visualmente impecável claramente foram tirados da história e da exploração.

Simplesmente cortam personagens e momentos importantes de construção de narrativa a esmo. No final, trazem uma cena importante sem contexto algum e esperam que tenha o mesmo impacto emocional de algo que foi cuidadosamente construído por dezenas de episódios. Infelizmente não é assim que um roteiro funciona.

Não há qualquer emoção na extensa narrativa de One Piece Odyssey. Pelo menos não nos momentos de revisitar o passado. No máximo, o jogo pode te deixar mexido ao lembrar dos eventos do anime e do mangá, que nas mídias originais foram contados com grande primor.

Há um peso inerente a cada momento do mangá (C: Bandai Namco)

Parte do que torna a história do mangá e do anime tão interessantes é como o enredo respeita seu tempo de respirar. Com uma abundância de episódios, o autor consegue construir um sentimento de tensão sem precisar correr.

Aos poucos, personagens são introduzidos, desenvolvidos e criam um vínculo com o público e os protagonistas. Paralelo a isso, diversas subtramas vão se desenvolvendo, apresentando problemas que vão ficando cada vez mais urgentes e que culminam em uma explosiva sequência final. Segredos são revelados, mocinhos se mostram vilões e algo de novo é descoberto sobre os heróis.

Os momentos finais de um arco de One Piece são completamente surreais. Todos os personagens se unem, tudo dá errado ao mesmo tempo e sempre parece que os heróis vão perecer diante de tanto caos. Mas no final, com alguma solução inteligente, os mocinhos costumam vencer. E quando não vencem, as coisas são ainda mais interessantes, rendendo momento verdadeiramente melancólicos. Há uma grande complexidade na história de One Piece. Não é à toa que é conhecido por ser um anime estupidamente longo, ultrapassando a marca de mil capítulos e episódios.

Houve uma tentativa (C: Bandai Namco)

Porém, toda essa extensão tem um propósito bem claro. Cada minuto em um arco do anime é muito bem aproveitado. O que não acontece em Odyssey. Os desenvolvedores fizeram questão de trazer os pontos mais marcantes, que são sempre comentados pelos fãs, só não entenderam porque eles são tão queridos. Todo o resto da história é descartado e substituído por uma exploração genérica de videogame.

Encontrar 10 sementes espalhadas em uma cidade, conversar com NPC no início do jogo depois de desbravar um longo deserto… O jogo tem um tempo hábil para adaptar muito do que o anime entrega, mas simplesmente escolhe fazer as coisas do jeito mais confortável e tedioso possível.

O vasto elenco de apoio de cada arco é esvaziado a um ou dois personagens que são populares entre os fãs. E mesmo assim, por vezes, sequer tem relevância na história (pobre Bon Clay, por exemplo). O resto é substituído por figurantes que não conseguem construir empatia nenhuma para o que acontece na tela. Simplesmente desastroso.

A emoção equivalente a uma atriz da novela A Travessia (C: Bandai Namco)

Sem falar das mudanças arbitrárias que tiram todo o sentido do tema de alguns arcos. Marineford, tido como um dos mais empolgantes da franquia, é o mais curto e sem graça do game — reduzido a uma sequência de batalhas genéricas que acaba em uma hora. Sequer temos a presença do Barba Branca, que foi quem liderou toda a caótica guerra que aconteceu. Mas aparentemente não era importante o suficiente para ser programado.

Ainda assim, o que mais incomodou foi uma mudança esquisita na história do segundo arco, Water 7, em que Robin nunca é sequestrada. No anime, este é um momento bastante dramático para a personagem, que nunca teve em quem confiar e havia perdido a vontade de viver. Quando no final, ao ser resgatada por seus companheiros, ela grita “Eu quero viver!”, é um momento libertador, dado tudo que ela sofreu para chegar ali.

No jogo, depois de passar toda a jornada acompanhada por seus amigos, ela ainda grita a icônica frase. Só que, sem construção emocional alguma, o momento perde todo o peso. E fica claro que só existe para cumprir uma agenda dos desenvolvedores, que estão absolutamente perdidos no que estão fazendo.

Hora de abandonar o navio?

As dungeons são interessantes, apesar de pouco criativas (C: Bandai Namco)

A exploração também não é muito empolgante. Não há muito o que se fazer no jogo além das batalhas, então andar pelos vastos cenários (a uma velocidade mínima, diga-se de passagem) acaba parecendo uma atividade sem propósito. Encontrar os cubos de habilidades pelas fases é surpreendentemente viciante, e usar o poder de esticar de Luffy também é divertido, mas não compensa todo o tempo de tédio que vem acompanhado.

Entre os arcos nostálgicos, existem capítulos dedicados a explorar dungeons tematizadas em um elemento da natureza, como os antigos The Legend of Zelda. Não é difícil encontrar seu caminho ou solucionar os enigmas dessas áreas, mas é reconfortante ver o game tentando trazer ideias novas. A progressão poderia ser mais suave, sem guiar o jogador quase como que segurando a sua mão. Ainda assim, é uma experiência agradável, mesmo que não apresente nada de muito inovador ou revolucionário.

Apesar disso tudo, o final é surpreendentemente bom e acaba incorporando alguns pontos dos arcos apresentados para criar um ponto de tensão na história original. Mesmo que tenha sido sufocada em nome da nostalgia, ela ainda tem uns minutinhos para brilhar, mostrando um potencial que poderia ser melhor aproveitado.

Lim e Adio tem um potencial muito mal explorado (C: Bandai Namco)

Lim, que acompanha Luffy, Zoro e seus amigos na aventura, lentamente baixa sua guarda e mostra um amadurecimento emocional instigante, que não tem tempo o suficiente para florescer. O mesmo pode ser dito para o mistério envolvendo Adio, que só ganha espaço na introdução e no desfecho do game. Fica a impressão que os desenvolvedores até prestaram atenção nas histórias do mangá, só não souberam exatamente como usar isso a seu favor.

Talvez investir mais na história original, aplicando com mais atenção os princípios que tornam o mangá tão interessante, rendesse melhores frutos. O fanservive poderia surgir como inserções de personagens ou locações de forma mais orgânica, talvez na própria ilha de Waford como Fortnite faz constantemente em suas colaborações. E dar espaço para essa história inédita florescer, conquistando o público como Eiichiro Oda conseguiu com tanto louvor. Confiar mais em algo próprio, sem usar nostalgia como muletas, seria um caminho promissor. Pena que este não seria o mais fácil e rápido de desenvolver, apenas o mais interessante.

Mas talvez seja injusto concluir que o estúdio responsável pelo game procurou o caminho mais preguiçoso. Mais provável que tenha sido o caminho que eles encontraram para conseguir entregar um projeto muito mais ambicioso que sua pouca experiência permitiria realizar. Afinal, esta é apenas a segunda grande franquia que ILCA produziu, depois de tentar a sorte com Pokémon Brilliant Diamond e Shining Pearl. Antes disso, o estúdio trabalhava apenas auxiliando nas cenas de computação gráfica de grandes sucessos como Dragon Quest XI, NieR Automata e no filme Kingsglave: Final Fantasy XV.

No final, a ILCA entregou apenas o que sabe fazer: visuais belíssimos, animações interessantes, sem um jogo de fato que justifique passar tanto tempo nos mares de One Piece.

Nota: 5/10

One Piece Odyssey é uma tentativa de homenagear a história da franquia em um grande RPG. Para os fãs de longa data, ver suas cenas favoritas em uma direção de arte incrível pode ter o seu valor. Mas quem nunca se aproximou da franquia na vida pode ficar um pouco perdido. Não exatamente na história, mas em entender o impacto de um roteiro que não se sustenta por si só.

 

O combate entretêm pelos quase 60 horas de história, mas não apresenta nenhum senso de desafio. Pode ser uma experiência interessante para aqueles que não se importarem em aguentar uma exploração travada de mundo aberto antes de mergulhar em dungeons ordinárias. Para quem procura um bom RPG com estética de anime, pode ser mais interessante tentar Tales of Arise ou Dragon Quest XI. A experiência será menos frustrante, mesmo sem o charme do elenco de One Piece.