Fãs acusam Marvel de explorar recurso narrativo racista e machista em HQ do Homem-Aranha

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Fãs acusam Marvel de explorar recurso narrativo racista e machista em HQ do Homem-Aranha

Por Gus Fiaux

Ontem (17), foi lançada a HQ The Amazing Spider-Man #26, escrita por Zeb Wells e com ilustrações de John Romita Jr., que há meses vem sendo prometida como “a história mais chocante do Homem-Aranha em anos”. Na edição, tivemos a morte de Kamala Khan, a Ms. Marvel, mas isso tem gerado uma série de críticas à Marvel e a sua decisão de matar a personagem em um título que sequer era o dela.

Com o lançamento da HQ, veio também o anúncio de que, em julho, será publicada uma edição especial sobre vários heróis enlutados pela morte de Kamala Khan. O título se chamará Fallen Friend: The Death of Ms. Marvel e contará com roteiros de G. Willow Wilson – uma das criadoras da personagem – e Saladin Ahmed – que escreveu uma das revistas mensais da heroína.

No entanto, The Amazing Spider-Man #26, um título que já vinha sendo criticado pelos fãs por conta de sua qualidade narrativa, recebeu ainda mais comentários indignados nas redes sociais, com muitos acusando a editora de perpetuar estereótipos e tropos racistas e sexistas, uma vez que a morte da heroína serve apenas como a forma de aprofundar Peter Parker e seus dramas pessoais:

“Um escritor americano e branco de quadrinhos matou uma personagem de pele marrom e muçulmana na HQ centrada em um personagem branco para… nenhuma razão além do tropo da ‘mulher na geladeira’. Ele matou a Ms. Marvel, Kamala Khan, para motivar o Homem-Aranha, Peter Parker.”

“Matar a Ms. Marvel, uma garota muçulmana, é tanto sexista quanto racista. Além do fato dela estar morrendo em uma HQ de um personagem ao qual ela não é relacionada e ter tido pouquíssimo desenvolvimento nessa história. E usar isso para aprofundar a história de um homem branco é horrível. Espero que vocês sejam demitidos.”

Alguns usuários do Twitter tentaram se aprofundar no problema e explicar porque essa morte é tão danosa, partindo do ponto de vista de que o sacrifício de Kamala não serve muito a ela própria, e sim como uma forma de ajudar Peter Parker a enfrentar seus próprios problemas.

Um usuário identificado como @Alfred_Comics fez uma extensa thread em seu perfil, onde fala sobre como a morte de Kamala não se equipara, por exemplo, à morte do Capitão América ao final da saga Guerra Civil. Ele explica que, naquela ocasião, toda a história girava em torno do Sentinela da Liberdade e de seu legado na Casa das Ideias.

Com Kamala, é diferente. A personagem era estrela de alguns dos títulos mensais mais vendidos da Marvel até 2021, quando parou de ter histórias solo e passou a aparecer recorrentemente em outras HQs da editora, incluindo a nova The Amazing Spider-Man. No entanto, ele ressalta que Kamala apareceu em apenas 12 páginas ao longo da HQ – sendo assim, ela sequer era uma personagem importante na revista, e sim quase um easter-egg para os fãs.

“Então, em 25 edições até esse momento, a Ms. Marvel apareceu apenas em 12 páginas. Ela mal é uma personagem nesse quadrinho, ela é uma cameo. Aqui estão todas as aparições dela em The Amazing Spider-Man.”

Além disso, Alfred também questiona a decisão de matar Kamala justamente em maio – mês em que é celebrado, nos Estados Unidos, a Herança Asiática e das Ilhas do Pacífico. Kamala é uma das poucas heroínas paquistanesas da Marvel, e sua morte tem reverberado de forma negativa, justamente nesse mês e com essa abordagem.

“E só para contextualizar, maio é o mês que celebra-se as culturas e histórias Asiáticas e das Ilhas do Pacífico. E isso se estende para a ficção com a personagem, criada a partir dessas culturas.”

O mais curioso disso tudo é que a morte de Kamala é quase que uma “celebração” dos cinquenta anos de publicação de A Noite em que Gwen Stacy Morreu, história clássica do Homem-Aranha que também sofreu sua dose de críticas por matar uma personagem feminina apenas para desenvolver a história do próprio Peter Parker.

O tropo da “Mulher na Geladeira”

Você já deve ter ouvido falar por aí sobre o tropo da “Mulher na Geladeira“. Essa é uma expressão cunhada pela escritora de quadrinhos Gail Simone, que criou um blog no começo dos anos 2000 dedicado a explorar o assunto: a morte de diversas personagens femininas como parte do desenvolvimento de figuras masculinas.

Essa expressão foi originada a partir de Green Lantern Vol. 3 #54, HQ da DC Comics lançada em 1994, na qual Kyle Rayner – um dos Lanternas Verdes da editora – chega em casa apenas para descobrir que sua namorada foi assassinada e colocada em uma geladeira por um vilão sádico.

Cena de Green Lantern Vol. 3 #54, que deu origem ao termo “mulheres na geladeira”.

Originalmente designado para falar sobre personagens femininas descartadas ao bel-prazer de roteiristas homens, sempre que era necessário dar uma guinada nas histórias daquele personagem, o termo logo foi apropriado para se falar também de mortes de minorias que servem apenas para motivar personagens que não fazem parte de grupos minoritários.

Esse é o caso de Kamala Khan em The Amazing Spider-Man #54, mas também pode ser aplicado a diversas outras personagens ao longo dos anos, tanto nas HQs quanto em outras mídias. É o que acontece com a Lois Lane em Injustice, por exemplo, assim como o que rola com Gwen Stacy, tanto em A Noite em que Gwen Stacy Morreu quanto no filme O Espetacular Homem-Aranha 2.

Para mais referências sobre o tropo e como ele é prejudicial na representação de personagens femininas e minorias, sugiro o vídeo da roteirista, professora e pesquisadora Carissa Vieira sobre o assunto, que você pode assistir aqui:

Fallen Friend: The Death of Ms. Marvel chega às bancas norte-americanas em julho de 2023, sem previsão de publicação no Brasil.

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