Crítica: A Queda da Casa de Usher – Mike Flanagan se despede da Netflix com sangue, sexo e corrupção

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Crítica: A Queda da Casa de Usher – Mike Flanagan se despede da Netflix com sangue, sexo e corrupção

Por Gus Fiaux

Que Edgar Allan Poe é um dos maiores escritores de todos os tempos, não há sombra de dúvidas. Conhecido pelo grotesco de suas obras, o romântico norte-americano deixou uma vasta impressão na literatura e na cultura pop, e agora seus contos mais famosos são transformados na minissérie A Queda da Casa de Usher, da Netflix.

Criada e desenvolvida por Mike Flanagan (de A Maldição da Residência Hill Missa da Meia-Noite), a nova série toma liberdades criativas sem sacrificar a essência macabra de Poe, e entrega um desfecho digno para a parceria entre o cineasta de Doutor Sono e a plataforma de streaming. Com estreia marcada para o dia 12 de outubro, nós já conferimos a série completa – e aqui você pode ler a nossa crítica!

Ficha Técnica

Título: A Queda da Casa de Usher (The Fall of the House of Usher)

 

Criação: Mike Flanagan

 

Ano: 2023

 

Streaming: Netflix

 

Número de episódios: 8 (série limitada)

 

Sinopse: Um bilionário decadente mergulha nas memórias de seu passado enquanto narra a ascensão e a derrocada de sua própria família.

A Queda da Casa de Usher chega à Netflix no dia 12 de outubro.

A Queda da Casa de Usher atualiza Edgar Allan Poe sem perder a essência do autor

Em outubro de 2018, chegava à Netflix a espetacular A Maldição da Residência Hill. Em sua primeira minissérie, Mike Flanagan – cineasta norte-americano conhecido por seu trabalho em filmes como O Espelho e Hush: A Morte Ouve – adaptava o livro homônimo de Shirley Jackson, oferecendo ao público um remix com direito a muito drama familiar e sustos imprevisíveis.

A parceria deu certo. Em 2020, A Maldição da Mansão Bly se tornava o assunto do momento, adaptando várias obras de Henry James, incluindo o clássico gótico A Volta do Parafuso. Depois disso, Flanagan ainda veio com um projeto autoral – Missa da Meia-Noite – e uma adaptação de livros de terror infanto-juvenis – Clube da Meia-Noite. Agora, o diretor se despede da Netflix com A Queda da Casa de Usher, última produção feita em parceria com a plataforma de streaming.

Como o título já bem sugere, A Queda da Casa de Usher adapta um conto bem famoso de um certo Edgar Allan Poe, escritor romântico norte-americano conhecido por suas narrativas góticas e mórbidas. Porém, não obstante, a série toma a mesma iniciativa que Mansão Bly e outros trabalhos de Flanagan, realizando uma amálgama não apenas de Casa de Usher, mas diversos outros escritos de Poe, como O Poço e o Pêndulo e O Corvo.

E à primeira vista, o resultado é encantador como todas as séries de Flanagan pela Netflix. Esteticamente, há um capricho notório na construção dos cenários e na encenação, com um aumento nítido nos custos de produção em relação às obras anteriores do cineasta. Por se tratar de um conto que discute a decadência moral da elite econômica, tem um charme que vai do gracioso ao kitsch em um piscar de olhos.

Além disso, as injeções orçamentárias também ficam nítidas no elenco. Talvez o projeto mais robusto e ousado da carreira do diretor, A Queda da Casa de Usher conta com uma miríade de atores, divididos em diferentes núcleos temporais.

Aqui, temos os retornos já esperados dos colaboradores frequentes de Flanagan, como Kate Siegel, Rahul Kohli, Henry Thomas, Samantha Sloyan e Zach Gilford. Mais impressionante, no entanto, são as novas adições ao “Flanaganverso”. Mark Hamill, o nosso eterno Luke Skywalker, desponta em um papel notório, enquanto nomes como Willa Fitzgerald, Mary McDonnell e Malcolm Goodwin encaixam como luvas para seus respectivos personagens.

A tarefa de adaptar Edgar Allan Poe em uma minissérie podia soar como desafio para qualquer um, mas certamente Mike Flanagan já despontava como um dos nomes mais bem preparados para adaptar a essência do ilustre escritor para uma nova versão contemporânea.

Se em Residência Hill e Mansão Bly o diretor já havia impressionado com sua capacidade de síntese e a poesia de seu texto dramatúrgico, aqui ele eleva isso a um novo patamar, com a adição de momentos mais cômicos e satíricos, tanto nos diálogos quanto nos próprios personagens.

A trama segue a história da Família Usher, uma poderosa dinastia de milionários que enriqueceram graças à indústria farmacêutica. A história começa quando todos os filhos de Roderick Usher (Bruce Greenwood no presente, Zach Gilford nos flashbacks) já morreram de maneiras grotescas e insidiosas, e agora ele convida seu mais antigo rival, o detetive C. Auguste Dupin (Carl Lumbly e Malcolm Goodwin), para enfim confessar seus pecados e revelar a verdade sobre a carnificina que se abateu sobre sua família.

Isso por si só já dá a oportunidade de Flanagan trabalhar com a ideia de antologia de uma forma surpreendentemente suave, sem os grandes entraves de ritmo de Mansão Bly ou Clube da Meia-Noite. Cada episódio é focado na história de um personagem específico, e todos adaptam contos específicos de Edgar Allan Poe, além de “pegar emprestado” elementos de outras histórias famosas e poemas do autor.

É aí que a magia começa, com os temas e conceitos de Poe sendo trazidos para o presente imediato, o que suscita discussões bem curiosas sobre inteligências artificiais, bilionários tentando esticar seu tempo de vida e, pasme, até mesmo o papel das celebridades e influencers em uma sociedade onde todos querem ser vistos.

Nas mãos de qualquer um, poderia soar piegas, mas Flanagan insere um certo grau de paródia que faz com que até os monólogos mais “sisudos” tenham, no fundo, um ar da graça. É um humor sutil, que se esconde nas caras e bocas dos atores e até mesmo no absurdo das situações vividas por eles.

E o humor acaba servindo como válvula de escape para intensificar o medo e a repulsa. Um personagem patético é capaz de cometer as maiores atrocidades com o passar dos capítulos, enquanto uma singela troca de farpas entre irmãos serve como prenúncio do fim para a vida de todos os presentes. É quase como se Flanagan estivesse nos desarmando o tempo todo, apenas para entregar um gostinho do grotesco.

Muitas vezes, esse “gostinho” é um banquete completo. Todas as mortes são igualmente macabras e delirantes, adotando um tom de histeria que você conseguiria ver em algum filme da Hammer estrelado por Vincent Price ou Christopher Lee, ou até em um slasher de qualidade duvidosa saído dos anos 80.

Tudo isso contribui para que A Queda da Casa de Usher entregue o melhor de dois mundos. De um lado, há o grotesco e o macabro de Edgar Allan Poe, mas ele é embelezado pela estética melancólica e pelos diálogos morosos de Mike Flanagan. A cereja do bolo é esse tom de paródia e ironia, até então inédito nas obras do cineasta para a Netflix.

O resultado final é, sem sombra de dúvidas, a melhor minissérie do diretor norte-americano até agora. Sabemos que seu contrato com a Netflix foi finalizado e ele está em negociações para trabalhar com o Prime Video – fora a produção de sua série de A Torre Negra, que ainda não tem um lar oficial. Mas com Casa de Usher, ele já mostrou que consegue empregar sua versatilidade para extrair diversas formas do horror.

Nota: 5/5

A Queda da Casa de Usher estreia no dia 12 de outubro, na Netflix.

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