Crítica: Pearl – Uma ode aos sonhadores, principalmente os fracassados

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Crítica: Pearl – Uma ode aos sonhadores, principalmente os fracassados

Por Gus Fiaux

Após meses de espera, finalmente chega aos cinemas brasileiros Pearl, segundo filme da trilogia iniciada com X: A Marca da Morte. Aqui, Mia Goth Ti West se reúnem novamente para contar mais do passado da jovem Pearl, uma mulher com muitos sonhos e esperanças que lentamente percebe a realidade esmagadora da vida real.

Muito prestigiado desde que foi lançado nos Estados Unidos, em setembro do ano passado, o longa traz Mia Goth de volta ao papel que interpretou em – embora sem tantas camadas de maquiagem e prostéticos -, tanto que muitos já consideram um ultraje a atriz ter sido esnobada no Oscar 2023. Aqui, você pode conferir à nossa crítica do filme!

Ficha técnica

Título: Pearl

 

Direção: Mia Goth

 

Roteiro: Ti West e Mia Goth

 

Data de lançamento: 09 de fevereiro (Brasil)

 

País de origem: Estados Unidos

 

Duração: 1h 43m

 

Sinopse:

Veja como Pearl se tornou a assassina feroz vista em “X: A Marca da Morte”.

Pearl está em cartaz nos cinemas!

Pearl e a jornada de fracasso de uma heroína imperfeita

No escuro, a porta de um celeiro. A porta se abre, nos convidando para um passeio bucólico pelo universo particular de uma mulher. Conhecemos a colorida fazenda em que ela mora, os animais pastando felizes e a luz tocando gentil e suavemente as folhas das árvores, as lâminas de grama. Em seu quarto, ela dança em um espetáculo só seu, presa em um mundo fabular e fabuloso. E então, sua mãe entra no aposento e quebra a nossa fantasia. Assim começa Pearl.

Desde que Ti West Mia Goth decidiram que iriam deixar os fãs de horror em polvorosa, graças ao lançamento de não apenas um, mas três filmes interconectados entre si, todos já esperavam pelo melhor – sobretudo após a estreia de X: A Marca da Morte, primeiro filme da trilogia, que serve como uma homenagem aos proto-slashers dos anos 70, além de uma reflexão sobre os paralelos entre a indústria pornográfica e o caráter artesanal dos filmes de terror.

Ainda assim, para muitos, X era um filme “seguro”. Apesar do logo estampado da A24 nos créditos iniciais, o projeto nunca esbarra no campo do “pós-horror”, definição errônea dada a boa parte dos filmes da produtora. Em vez disso, é um slasher como qualquer outro, sem grandes firulas e com poucas brechas para as famosas “críticas sociais foda”. Porém, com Pearl, o buraco é mais embaixo…

Recapitulando para quem não lembra: segue um grupo de amigos reunidos em uma fazenda no interior do Texas, que pretendem gravar um filme pornográfico revolucionário no terreno que acabaram de alugar. Aos poucos, todos começam a ser assombrados pelo casal de proprietários da fazenda, os idosos Howard Pearl – sim, essa mesma que acompanhamos agora por uma hora e quarenta minutos ininterruptos.

O charme aqui está em Mia Goth. A atriz (que caso você ainda não saiba a essa altura, é neta de brasileiros) já tinha dado vida a Maxine Minx em X, assim como a própria Pearl, já bem velhinha, o que ressalta um contraste entre as duas, ao mesmo tempo que evidencia ainda mais seus paralelos. E aqui, ao ver Goth novamente “de cara limpa”, sem a pesada camada de maquiagem envelhecedora, é o que faz com que esse ciclo se feche perfeitamente.

Se no filme anterior acompanhamos uma garota com muitos sonhos disposta a quebrar todas as regras que tentam impedi-la de alcançar seus objetivos, Pearl faz questão de retroceder no tempo e nos oferecer um olhar muito mais compassivo e empático com a grande assassina que testemunhamos anteriormente, e como sua jornada o levou para uma vida de fracassos e amarguras.

Goth é a ferramenta que traduz essa história para as telas, criando uma personagem que, apesar da semelhança física com Maxine, está muito distante dela em termos de personalidade. Pearl é travessa, muito mais observadora que só introspectiva e enxerga o mundo com um verniz cor-de-rosa. Ao mesmo tempo, os anos de repressão acumulados se fazem presentes, através de uma personalidade desequilibrada e volátil.

E nesse sentido, é muito intrigante que o roteiro de Ti West (e Mia Goth) teça uma jornada na qual Pearl começa quase como uma heroína, a tradicional história da pessoa que passa por dificuldades mas sonha em ganhar na vida. Aquilo que você já viu em incontáveis filmes de Hollywood, muitos dos quais recipientes do mesmo Oscar que hoje ignora um filme como Pearl por a) desprezo a filmes de horror e b) falta de lobby por parte da A24.

Os sonhos, no entanto, nunca são conquistados e o mundo colorido amarga bem diante de nossos olhos, enquanto a protagonista se vê presa aos mesmos ciclos que sua rígida mãe religiosa, interpretada por Tandi Wright. Pouco a pouco, a personalidade doidinha vai virando completamente maluca, e o que sobra pelo caminho, além da pilha de corpos ensanguentados, é um futuro de arrependimentos e negação.

Cinema, o vale das fantasias

“Eu sou um fracasso. Eu não sou bonita ou naturalmente agradável, ou amigável. Eu não sou muito inteligente, ou divertida, ou confiante” é um dos trechos do icônico monólogo do final, que apesar de seus 7 minutos de duração, bate forte como uma vida inteira. Aqui, se já não era claro o bastante, fica muito mais evidente que Pearl não é um slasher no sentido tradicional, mas sim um estudo de personagem. 

Por isso, é tão interessante que os personagens coadjuvantes tenham pouca participação, deixando os holofotes para que a pequena fazendeira assassina tenha seus quinze minutos de fama. O projecionista do cinema, interpretado por David Corenswet, é uma figura bem interessante por representar o “portal para a fama” que a personagem tanto almeja, apenas para condená-la ao fracasso logo em seguida.

O mesmo vale para o pai e para a mãe de Pearl, interpretados por Matthew Sunderland Tandi Wright, que são muito mais como lembretes de como os sonhos de sua filha são irrisórios e inalcançáveis diante de toda a vida árdua e sofrida que ela é obrigada a viver. Até mesmo a única personagem que a trata com admiração e afeto, Mitsy – irmã do marido de Pearl, que foi mandado para lutar na Primeira Guerra Mundial – é um lembrete da decepção e derrota.

E é até curioso que Pearl se encontre nesse caminho após sonhar tanto com o cinema. Soa contraditório ver toda a história de uma mulher que sonhava com a vida tirada diretamente dos filmes em… um filme. Mas é justamente essa sensação agridoce e controversa que dá o tom, especialmente quando Ti West decide fazer sua própria homenagem aos clássicos em Technicolor, por mais que isso soe anacrônico em relação ao ano em que o filme se passa, 1918.

As cores vivas e vibrantes sugam o público para dentro da tela, seja no céu muito azul, no vermelho presente não só no sangue, mas no celeiro e no vestido usado por Pearl, ou até mesmo o verde da vegetação ao redor da fazenda. Esse esmero estético não passa batido, e cria um senso de deformação da realidade como a conhecemos, que nem sempre é tão bonita e vistosa.

Porém, o que ressoa mais forte é como o filme contrasta até mesmo com as imagens em movimento no cinema onde Pearl conhece seu amante. É idealização em cima de idealização, e quanto mais altas as expectativas sentidas pela protagonista, mais alta é a sua queda durante todo o terceiro ato do filme, que transita entre a estética de um sonho e um pesadelo com uma suavidade impressionante.

Desde que Ti West anunciou sua trilogia, tivemos dois filmes que, apesar de sua semelhança, são muito diferentes entre si. Se X: A Marca da Morte é sobre a quebra do ciclo de fracasso após uma matança generalizada, Pearl é um descarrego das frustrações, que resulta na tal matança. Mais do que isso, é um convite empático a conhecer toda a trajetória de uma grande “vilã” e, com sorte, simpatizar com ela.

Mesmo com sua estreia (muito) atrasada no Brasil, é recompensador poder testemunhar uma história tão grandiosa na tela do cinema. É um afago no coração dos sonhadores, sobretudo aqueles que já fracassaram na vida – não é à toa que a personagem tenha sido tão abraçada pela comunidade queer, que sempre teve que lidar com o fracasso ligado às expectativas de uma sociedade, cultura e religião predominante heteronormativas.

Através de cores exuberantes, uma performance igualmente rebuscada e ingênua por parte de sua estrela principal e uma direção bem afiada, Pearl é um convite a todos que sonham – e funciona como filme de terror não pelas mortes e pela sanguinolência, mas por mostrar que sonhos podem ser despedaçados tão facilmente quanto à carne que nós vemos dilacerada em tela.

Nota: 5/5

Pearl está em cartaz nos cinemas.

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