Crítica: O Assassino apresenta David Fincher por um viés metódico e formalista

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Crítica: O Assassino apresenta David Fincher por um viés metódico e formalista

Por Gus Fiaux

Chegando ao catálogo da Netflix nesta sexta-feira (10), temos o aguardado O Assassino, o mais novo filme dirigido por David Fincher (de Clube da Luta Garota Exemplar). Com um elenco encabeçado por Michael Fassbender no papel de um matador de aluguel em uma crise de consciência, o longa já estreou em alguns cinemas seletos, onde foi exibido ao longo das últimas semanas. Nós já conferimos o filme, e aqui você pode ler a nossa crítica!

Ficha técnica

Título: O Assassino (The Killer)

 

Direção: David Fincher

 

Roteiro: Andrew Kevin Walker

 

Data de lançamento: 27 de outubro (cinemas) e 10 de novembro (Netflix)

 

País de origem: Estados Unidos

 

Duração: 1 hora e 58 minutos

 

Sinopse: Um assassino de aluguel começa a colapsar psicologicamente, enquanto desenvolve uma consciência, mesmo enquanto seus clientes continuam a solicitar seus serviços.

O Assassino está em cartaz em cinemas selecionados e chega no dia 10 de novembro à Netflix.

O Assassino fornece uma aula sobre forma e divide bem seu breve conteúdo

Que David Fincher é um cineasta ímpar, não há muito espaço para discussão. Após ter fornecido ao mundo alguns de seus clássicos mais corrosivos e subversivos, como Se7en: Os Sete Crimes Capitais Clube da Luta, David já entregou um pouco de tudo, desde obras-primas do thriller criminal, como Zodíaco Garota Exemplar, até os dramas premiados de sua carreira, que nem O Curioso Caso de Benjamin Button A Rede Social.

Agora, Fincher retorna ao gênero que tanto o consolidou com O Assassinothriller criminal focado em – pasme! – um assassino de aluguel, interpretado por Michael Fassbender, que após fracassar em uma missão, começa a se questionar sobre os rumos de sua carreira, enquanto arma um intrincado plano de vingança. E o resultado é Fincher em sua glória mais pura.

Ainda que O Assassino seja um filme bem mais simples que vários outros da filmografia do cineasta, é uma obra e uma narrativa que desafia a mesmice canhestra que tomou conta do cinema mainstream pelos últimos anos. E por mais que o filme esteja bem longe de ocupar o pódio sagrado de sua carreira, ainda fornece uma aula precisa para os cinéfilos que estão começando a aprender sobre formalismo.

Eu sei, eu sei. Soltar uma dessas em um portal de cultura pop é, no mínimo, pedante da minha parte. Mas ao meu ver, o que torna o novo filme de Fincher tão enriquecedor não é sua narrativa, seu elenco espetacular ou até o humor ácido e sutil do roteiro de Andrew Kevin Walker. Em vez disso, o que realmente surpreende é toda a aura de compromisso que o cineasta e os artistas adotam com o material que estão trabalhando.

Isso gera um senso de reverência que beira o sacrossanto, o que acaba casando perfeitamente com a dimensão muito metódica que toma conta da mente do assassino. Dividido em múltiplos capítulos que transcorrem da mesma forma, o filme ilude o público mais sem paciência com uma repetição de ideias e movimentos, algo que pode soar um pouco entediante para alguns, mas soa como ouro na construção de seu próprio protagonista.

É entre sessões de yoga, pequenos tiques nervosos, o olhar incessante de Fassbender por cima de seu próprio ombro para saber se não está sendo seguido e os múltiplos encontros com outros assassinos que torna o filme tão rico – não tanto em seu discurso, mas em sua meticulosa construção estética e diegética, que sucede toda vez em nos lembrar o quão bem David Fincher dirige e comanda sua própria mise-en-scène.

Ainda assim, venhamos e convenhamos, pode ser um pouco difícil se aclimatar ao ritmo lento do filme. O que podia ser um festival de cortes rápidos e sequências eletrizantes na mão de um diretor mais afobado se torna um complexo experimento de contrastes, com a espera que antecede qualquer um dos assassinatos se tornando parte do conflito e do teor introspectivo do enredo.

Assim, o que pode ser visto como “defeito” é, na verdade, um dos trunfos do filme. Em vez de só nos deliciar com um banquete do grotesco, Fincher se permite analisar e desconstruir a “glória” de um assassino, mostrando como ele pode ser ultrapassado e indeciso com relação ao futuro de sua carreira. Não é nem preciso dizer, mas quem dá o nome nesse quesito é o próprio Michael Fassbender.

Com uma atuação muito contida e movida a lentos passos por um trabalho complexo de construção de personagem, o ator entrega uma das interpretações mais metódicas de sua carreira, de modo que até sua expressão corporal e seu desconforto em multidões se tornam parte essencial da trajetória do assassino sem nome. Melhor ainda são as cenas em que esse desconforto se traduz nas interações com outros personagens ao longo do filme.

E apesar da força incontestável de Fassbender, que domina cada segundo da tela com uma fisicalidade animalesca e, ao mesmo tempo, muito refinada, não dá para não citar o restante do elenco, em especial Tilda Swinton. Ainda que tenha um tempo de tela bem curto, a atriz consegue entregar o melhor de si e nos fornece um dos monólogos mais insanos e inesquecíveis do ano.

Outros não são tão sortudos, em parte por conta da própria disposição do filme, que toma o personagem de Michael Fassbender como sua pedra de roseta. Sophie Charlotte, por exemplo, que já demonstrou talento para o drama e para a comédia em suas várias participações em novelas, acaba sendo colocada em um posto muito mais utilitário na trama, e sua participação é uma mera passagem para o desenrolar da história.

Isso acaba incomodando um pouco, já que não há espaço para muito brilho além de Fassbender. E mesmo que um ou outro consiga se impor com o reduzido tempo de tela, como é o caso de Tilda Swinton, sinto que falta algo para dar ao público uma conexão mais humana com aquela narrativa e aqueles personagens. Ao menos, funciona como um John Wick às avessas, onde o drama gera a ação e não o oposto.

O maior problema, no entanto, reside em uma questão logística de formato. O filme foi exibido em alguns cinemas seletos ao redor do mundo – e na sala de cinema, faz toda a diferença o trabalho de montagem e edição de som, que conferem um maior peso à jornada violenta do personagem de Fassbender. O mesmo vale para a direção de fotografia, que esconde detalhes preciosos bem diante de nossos olhos.

A não ser que você tenha um cinema em casa, muito dessa experiência se perde quando o filme é exibido em uma tela de TV ou um dispositivo eletrônico. Falta um pouco do peso que testemunhamos na tela grande, e até comprar essa jornada de vingança se torna um pouco cansativo, especialmente com tantas opções mais “chamativas” e cheias de pirotecnia no mercado.

Ainda assim, O Assassino deve agradar gregos e troianos (desde que eles sejam cinéfilos). De um lado, teremos os que irão se rejubilar com David Fincher voltando às raízes e esculpindo mais um thriller psicológico bem na nossa frente, enquanto outros mais aficionados pela arte vão encontrar muito material didático na forma como o diretor trata o formalismo estético. Seja você parte do primeiro ou do segundo grupo, e vai encontrar felicidade – mesmo em uma história repleta de morte, dor e sofrimento.

Nota: 3,5/5.

O Assassino está em cartaz em cinemas selecionados e chega à Netflix no dia 10 de novembro.

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