Crítica – Five Nights at Freddy’s: O Pesadelo Sem Fim é um amontoado de ideias desperdiçadas

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Crítica – Five Nights at Freddy’s: O Pesadelo Sem Fim é um amontoado de ideias desperdiçadas

Por Jaqueline Sousa

Seja nas obras surrealistas de pintores como Salvador Dalí e René Magritte, ou nos filmes quase alucinógenos de David Lynch, a representação dos sonhos, essa experiência mental que nos leva a imaginar situações ou acontecimentos bizarros, sempre se manifestou de diversas maneiras. Não é em vão que, por serem coisas tão misteriosas e em grande parte incompreensíveis, muitas pessoas tentem atribuir significados a elas – algumas até buscam respostas para traumas da vida real, como é o caso de Mike Schmidt (Josh Hutcherson), o protagonista de Five Nights at Freddy’s: O Pesadelo Sem Fim.

Inspirado na franquia de videogame conhecida por seus bonecos animatrônicos perturbadores, o filme estrelado por Josh Hutcherson (Jogos Vorazes) brinca com teorias oníricas para levar às telonas o universo dos jogos de horror sob comando da diretora Emma Tammi (Terra Assombrada). No entanto, aquilo que até começa promissor acaba se transformando em um grande amontoado de ideias rasas que são desperdiçadas em um longa-metragem que parece ter medo de si mesmo.

Ficha técnica

Título: Five Nights at Freddy’s – O Pesadelo Sem Fim

 

Direção: Emma Tammi

 

Roteiro: Emma Tammi, Scott Cawthon e Seth Cuddeback

 

Data de lançamento: 26 de outubro de 2023

 

País de origem: Estados Unidos da América

 

Duração: 1h 50min

 

Sinopse: No Freddy Fazbear’s Pizza, robôs animados fazem a festa das crianças durante o dia. Mas, quando chega a noite, eles se transformam em assassinos psicopatas.

Pôster de Five Nights at Freddy’s: O Pesadelo Sem Fim.

Você consegue sobreviver por cinco noites na Freddy’s?

Em um mundo onde as pessoas se tornam cada vez mais reféns da solidão, Mike Schmidt (Josh Hutcherson) tenta desesperadamente encontrar um trabalho após ser demitido de seu antigo emprego. Com traumas do passado ressurgindo todas as vezes que fecha os olhos para dormir, o rapaz precisa tomar um rumo na vida para manter a guarda de Abby (Piper Rubio), sua irmã mais nova que prefere passar o tempo desenhando ao invés de manter um contato próximo com o irmão.

Assim, sem muitas alternativas à disposição, Mike acaba aceitando um trabalho como segurança noturno na Freddy Fazbear’s Pizzeria, um restaurante temático que fechou as portas depois de fazer um baita sucesso nos anos 80. Mas aquilo que parecia ser uma função bastante simples se transforma em um terrível pesadelo quando os bonecos animatrônicos do estabelecimento abandonado se tornam psicopatas assassinos à noite.

Josh Hutcherson interpreta Mike, um jovem com traumas do passado que tenta encontrar um rumo na vida.

É em meio às batidas dançantes de Talking In Your Sleep, do The Romantics, que Five Nights at Freddy’s: O Pesadelo Sem Fim tenta te convencer a embarcar em uma história sobre traumas (sim, mais um filme de terror impulsionado por questões psicológicas traumáticas de seus personagens) que mais parece um veículo desgovernado do que algo que seja minimamente intrigante, como é o caso de Fale Comigo (2023), por exemplo. Enquanto este último, pelo menos, consegue usar o trauma da protagonista de um jeito interessante, a adaptação da franquia de videogames está mais preocupada em parecer inteligente com suas reviravoltas toscas ao invés de usar toda a áurea onírica que propõe a seu favor.

Por meio de escolhas narrativas saturadas, o filme de Emma Tammi joga informações no seu colo a todo momento, sem nunca se dar ao trabalho de realmente desenvolvê-las para que a história de Mike ganhe um arco satisfatório no final. Toda a questão envolvendo os sonhos do protagonista, que busca neles uma resposta para um grande trauma da infância, apesar de receber uma atenção a mais e até te fazer lembrar de A Hora do Pesadelo (1984), acaba se tornando algo extremamente superficial com o andamento do enredo, que prefere apostar em uma megalomania exagerada para tentar arrancar uma reação surpreendente do público. O efeito não poderia estar mais longe do desejado.

Presença macabra dos bonecos animatrônicos também é desperdiçada no filme.

Josh Hutcherson, por sua vez, o nome por trás do protagonista, faz o que pode com o que tem em mãos. Apesar da trama não se esforçar muito para sair da correnteza traumática que vem atingindo protagonistas de histórias de horror no cinema (basta ver Ninguém Vai te Salvar (2023), recente lançamento do Star+ que, adivinhe, também revela uma personagem acometida por um grande trauma de infância), o ator tenta ao máximo expressar a angústia, a apatia e o desconforto de um rapaz que caminha pelas ruas como se estivesse vivendo seu próprio A Noite dos Mortos-Vivos (1968).

É nesses momentos mais introspectivos de Mike que Five Nights at Freddy’s: O Pesadelo Sem Fim consegue se encontrar no meio de uma bagunça generalizada de subtramas que não recebem respostas consistentes. Seja em sua conturbada relação com a irmã mais nova, ou na tentativa de compreender os fantasmas do passado, o segurança noturno da Freddy Fazbear’s Pizzeria pode até servir como o ensaio de um amálgama para uma juventude perdida em seus próprios sonhos, mas o que se vê, na verdade, é um filme que se perde dentro do (curto) labirinto sem saída criado por ele mesmo.

O pesadelo sem fim

Era de se imaginar que uma história ambientada em uma pizzaria abandonada, onde curiosos bonecos animatrônicos faziam a alegria das crianças nos anos 80 (até se tornarem monstros assassinos) serviria como um ótimo pano de fundo para o desenvolvimento de uma trama macabra. Afinal, não é à toa que Five Nights at Freddy’s se tornou uma franquia de videogame bem-sucedida no gênero.

O grande problema da adaptação é que ela não sabe como usar esses elementos a seu favor, transformando os poucos momentos em que faz isso em algo pífio e até mesmo vergonhoso. Sequências mais sombrias (ou que, na teoria, deveriam ser) não possuem consistência o suficiente para, visualmente falando, transmitir aquela sensação de sufocamento e desespero que apenas uma perseguição alucinante feita por bonecos animatrônicos poderia oferecer.

Adaptação de Five Nights at Freddy’s é uma bagunça caótica que nunca encontra seu caminho.

No entanto, a presença dos animais robóticos não consegue provocar qualquer tipo de reação, já que a direção se agarra a convenções do gênero com unhas e dentes sem qualquer tipo de interesse por fugir da mesmice. Não que optar por caminhos mais “fáceis” seja algo errado – o filme Toc Toc Toc: Ecos do Além (2023), por exemplo, não abre mão de fazer isso em certos momentos, mas o trabalho de Samuel Bodin consegue ultrapassar expectativas pré-concebidas por justamente não ter medo de ir além daquilo que se espera dele. A direção pouco inspirada de Tammi, por sua vez, é tão apática quanto a vida do protagonista do filme.

É por isso que Five Nights at Freddy’s: O Pesadelo Sem Fim não mente quando diz que é “um pesadelo sem fim”. Mas não por ser aquele tipo de pesadelo que te deixa completamente desnorteado e que permanece marcado na sua mente por semanas a fio. O que a adaptação faz é tão preguiçoso que é como se você se transformasse nos relógios derretidos do quadro A Persistência da Memória, de Salvador Dalí, ou vivenciasse um Dia da Marmota completamente entediante.

Além disso, se Josh Hutcherson consegue fazer muito com pouco, Matthew Lillard (Scooby-Doo), então, faz milagre. A presença marcante do ator é breve, mas Lillard tenta fazer o possível para que seu personagem ganhe força no clímax da narrativa, mesmo com o roteiro se emaranhando em subtramas que apenas querem provocar choque. Isso se repete com a atriz Elizabeth Lail (Você), que interpreta Vanessa, uma policial que serve mais como um artifício barato de narrativa do que qualquer outra coisa.

Matthew Lillard, assim como Josh Hutcherson, faz o que pode com o pouco que lhe é oferecido.

Infelizmente, essas poucas tentativas não são o bastante para que a adaptação de Five Nights at Freddy’s te vença pelo cansaço. São sucessões de escolhas desmedidas que mais desperdiçam oportunidades do que as aproveitam.

Logo, é como se Five Nights at Freddy’s: O Pesadelo Sem Fim se esquecesse o tempo inteiro de que tem à sua disposição um universo aterrorizante recheado de histórias macabras. Ele ameaça ir além da superfície, mas nunca é corajoso o bastante para bater no peito e assumir a sua bizarrice, e é isso que o transforma em um filme completamente preguiçoso e descompassado. Ao invés de aproveitar o caos em meio aos bonecos animatrônicos, a adaptação prefere seguir pelo caminho mais curto, jogando pela janela qualquer tentativa de construir algo que seja minimamente inventivo.

Nota: 1,5/5.

Five Nights at Freddy’s: O Pesadelo Sem Fim está em cartaz nos cinemas brasileiros.

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