Crítica: O Exorcista – O Devoto conjura mais demônios que os expulsa

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Crítica: O Exorcista – O Devoto conjura mais demônios que os expulsa

Por Gus Fiaux

Em cartaz nos cinemas brasileiros a partir desta quinta-feira (12), O Exorcista: O Devoto veio para dar sequência à história do clássico de 1973, ignorando todas as continuações. O projeto, comandado por David Gordon Green, tem recebido críticas majoritariamente negativas desde que saiu nos cinemas norte-americanos – mas será que é tão ruim que até o capeta fugiria correndo? Já assistimos ao filme, e você pode conferir a nossa crítica aqui!

Ficha técnica

Título: O Exorcista: O Devoto (The Exorcist: Believer)

 

Direção: David Gordon Green

 

Roteiro: Peter Sattler e David Gordon Green

 

Data de lançamento: 12 de outubro (Brasil)

 

País de origem: Estados Unidos

 

Duração: 1 hora e 57 minutos

 

Sinopse: Sequência do filme de 1973, O Devoto segue um pai desesperado procurando ajuda para sua filha e uma amiga dela, que estão demonstrando comportamentos associados a possessão demoníaca.

O Exorcista: O Devoto está em cartaz nos cinemas.

O Exorcista: O Devoto batalha entre a iconoclastia e o cinismo

Em 2016, ia ao ar, pela Fox, a primeira temporada de The Exorcist, série de TV alardeada durante meses como um “remake para a TV” do clássico de 1973. Ainda que vista com certa desconfiança, a produção acabou envolvendo seu público semana a semana, até seu derradeiro quinto episódio.

Na trama, uma família comum do subúrbio norte-americano se vê partida ao meio quando uma das filhas apresenta sinais de possessão demoníaca. No quinto episódio da série, descobrimos que a mãe da família é ninguém menos que Regan MacNeil, que após ter passado por um exorcismo na infância, distanciou-se de sua mãe e foi viver em outro lugar, com outro nome.

Por conta de seu orçamento limitado, a série não conta com nenhuma estrela do filme original. Não, Regan é vivida por Geena Davis, enquanto Chris – que tem um arco bem interessante no primeiro ano da série – é vivida por Sharon Gless. À época, a revelação foi bem aceita pela crítica e provocou furor entre os fãs de horror, e mesmo o cancelamento da série após a segunda temporada não diminuiu o impacto desse tratamento ao clássico.

Em 2023, esse feito da série fica ainda mais impressionante, não só por ter antecedido o movimento das legacy sequels e ter dado um tratamento digno e potente para um dos filmes de terror mais assustadores de todos os tempos. Não, com o advento de O Exorcista: O Devoto, o que mais nos surpreende é como uma série de TV com orçamento ralo e nenhuma das estrelas do filme original consegue ser mais respeitosa e eloquente que um grande retorno milionário às telas de cinema.

Uma menina possuída já era assustador? Agora são duas!

E já de cara, vai ter gente falando “eu avisei” para qualquer um que ousar se decepcionar com o filme. O nome de David Gordon Green na direção soa como um mal agouro para alguns, especialmente por sua extremamente controversa trilogia de Halloween, concluída no ano passado com o igualmente controverso Halloween Ends.

Para ser honesto, me considero fã da nova trilogia de Michael Myers, sobretudo Kills e Ends. São filmes que ousam ser iconoclastas, destruir um legado propositalmente para abrir espaço para novas ideias e novos respiros em uma franquia que já estava desgastada – e, dependendo da sua visão, a decisão de escalar Green para comandar uma nova trilogia de O Exorcista parecia soar exatamente como algo que precisávamos.

Dito isso, se o diretor conseguiu fazer muitos fãs do Assassino de Haddonfield espumarem de raiva na sala de cinema, ele provavelmente replica o feito em dose tripla com O Devoto, filme que, além de soar como um projeto inacabado, ainda destrói o legado do original só pelo ato de destruição em si, sem abrir espaço para nada novo.

Um atestado de falência criativa corporativa em um gênero que sempre lidou bem com os contratempos e demandas de estúdios, O Devoto soa como qualquer coisa, menos uma sequência de O Exorcista. É um daqueles filmes meia-boca de possessão demoníaca que sai, geralmente, em janeiro nos cinemas. E a única forma como ele consegue se conectar à franquia é esfregando na nossa cara que Chris MacNeil, personagem de Ellen Burstyn, está viva e virou uma espécie de coach de exorcismo.

Chris McNeil (Ellen Burstyn) ajuda o atormentado Victor Fielding (Leslie Odom Jr.) a lidar com a possessão de sua filha.

O problema é que Chris é, no máximo, uma nota de rodapé na trama do filme. Ela é só a “sábia anciã” que está ali para compartilhar seus conhecimentos sobre o Ritual Romano e sua utilidade. É uma inserção burocrática de estúdio apenas para lembrar ao público que “ei, isso aqui ainda é um filme d’O Exorcista, sabiam?

E isso fica nítido desde o começo. A trama acompanha o atormentado Victor Fielding, que anos após perder sua esposa durante o parto, acaba vivendo um pesadelo quando sua filha, Angela, desaparece junto de uma amiga da escola, Katherine. Após buscas intensas, as duas meninas reaparecem depois de três dias, sem memória alguma dos eventos que viveram e apresentando comportamentos muito estranhos.

Após três filmes, duas versões de uma prequel e uma série de TV, a franquia não se dá mais o trabalho de sugerir dúvida ou ambiguidade, então logo sabemos que se trata de uma possessão demoníaca. Victor então começa sua jornada angustiada, enquanto tenta recuperar um pouco da própria fé e salvar a vida de sua filha das garras de um demônio.

Até aí, O Exorcista: O Devoto soa fiel a todos os subprodutos d’O Exorcista original. Temos a clássica montagem de exames médicos sendo feitos, a procura por líderes religiosos, deterioração física e mental das meninas possuídas e, então, o famigerado ritual de exorcismo, com direito a muitos crucifixos, água benta e tudo que o subgênero pede.

Vade retro, Satanás!

O que poderia facilmente ser perdoado como mera réplica genérica do filme de William Friedkin acaba tomando dimensões macabras por conta de seu próprio discurso. Mascarada de forma insidiosa está uma dialética ultraconservadora e moralista – algo que, apesar de presente no original, sempre foi suavizado pela direção de Friedkin e pelo texto ágil de William Peter Blatty.

Apesar de se propor a estudar a religião e seus efeitos em um mundo contemporâneo, O Devoto não consegue sair do óbvio e traz, como resultado, uma obra carregada de preconceitos e olhares negativos para outras crenças que não as cristãs. Antes fosse só o filme ignorar essas questões e retornar com uma noção arcaica de fé e catolicismo, mas ele ainda precisa cuspir diretamente nos olhos do público.

E é justamente por se colocar tão próximo do original que O Exorcista: O Devoto acaba armando sua própria queda. Em vez de soar ousado e inovador, o filme se perde no meio de um caminho e acaba oferecendo uma visão bem menos autoral ou relevante que outros capítulos odiados da franquia, como os incompreendidos Exorcista II: O Herege e Domínio: Prequela para O Exorcista.

O maior problema da Hollywood atual não é a iconoclastia, mas sim o cinismo. É um cinismo que impede as propriedades intelectuais de descansarem e evoluírem por si só, forçando-as a um ciclo contínuo de repetições e obras sem alma, feitas apenas para lucrar o máximo possível para estúdios e produtores gananciosos. Como filme de possessão demoníaca, O Exorcista: O Devoto soa medíocre em vários pontos, mas como capítulo na franquia iniciada em 1973, o filme conjura muito mais demônios que os expulsa.

Nota: 1,5/5

O Exorcista: O Devoto está em cartaz nos cinemas.

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