Review: Pokémon Scarlet e Violet entrega tudo que os fãs sempre sonharam da forma mais frustrante possível

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Review: Pokémon Scarlet e Violet entrega tudo que os fãs sempre sonharam da forma mais frustrante possível

Por Gabriel Mattos

Por incrível que pareça, Pokémon está em sua melhor fase em 2022. Depois de ser acusada por anos de entregar os mesmos jogos preguiçosos, que requentavam conceitos ousando o mínimo possível, a GameFreak arregaçou as mangas e apresentou verdadeiras obras-primas. A revolução teve início em janeiro, com Pokémon Legends: Arceus, e continua ainda mais forte com Pokémon: Scarlet e Violet. Criativamente, a nona geração de Pokémon consegue disputar entre as melhores. Entretanto, em quesitos técnicos, a franquia ainda sofre para entregar algo minimamente aceitável.

Ficha Técnica

Título: Pokémon Scarlet / Pokémon Violet

 

Distribuidora: Nintendo

 

Gêneros: JRPG de turno, ação e aventura

 

Lançamento: 18 de Novembro de 2022

 

Plataformas: Nintendo Switch

 

Tradução para o PT/BR: Não

Capturando a verdadeira essência

Todas as vontades que o anime despertou nos jogadores podem ser realizadas em Scarlet e Violet (C: Nintendo)

Não é preciso estar muito familiarizado com a empresa para perceber que a Pokémon Company está fora de sua zona de conforto no Nintendo Switch. Após décadas construindo recursos para desenvolver jogos em um ambiente portátil, o estúdio precisou encarar o desafio de criar experiências em alta definição com o maior poder de processamento de um console de mesa. E aprender a dirigir com um carro em movimento nunca é uma tarefa fácil.

Assim, é compreensível que seus primeiros lançamentos tenham sido apostas mais seguras, presas ao que a GameFreak estava mais acostumada a fazer — como em Pokémon Let’s Go Pikachu/Eevee. Por outro lado, empolgados com o potencial da nova plataforma, os fãs clamavam por algo cada vez maior, o que resultou em uma grande frustração com o lançamento de Pokémon Sword/Shield que apenas piorou com a preguiçosa remasterização de Pokémon Brilliant Diamond/Shining Pearl.

Batalhas empolgam ainda mais com cenários complexos de Scarlet e Violet (C: Nintendo)

Nada disso foi em vão. Todas as lições aprendidas no caminho tortuoso culminaram nos lançamentos desse ano. Pokémon Scarlet/Violet foi completamente moldado, a ferro e fogo, pelos erros do passado. E depois de anos dividida entre renovar o interesse do público infantil sem abandonar os fãs veteranos, a franquia finalmente parece ter encontrado um caminho perfeito para seguir em frente.

A nova aventura não subestima o seu público. Depois da enxurrada de feedback negativo dos últimos lançamentos, o novo Pokémon traz o sentimento de independência como o cerne da experiência. A liberdade de decidir o seu destino, muito vendida pelo anime, é indispensável em uma jornada Pokémon e se encaixa como uma luva com o conceito de mundo aberto.

A mudança mais sentida é na escala: a região de Paldea, inspirada na Espanha, é absolutamente enorme e tamanha exuberância traz consequências bastante positivas. Esqueça as rotas que não passavam de corredores genéricos pouco decorados, como em X/Y e Sword/Shield. Cada novo ambiente de Scarlet/Violet é tão complexo e orgânico que funciona como seu próprio microuniverso.

As rotas foram substituídas por áreas imensas, que tiram proveito da verticalidade e da variedade de Pokémon. (C: Nintendo)

Após sair da Escola Naranja, a tediosa e excessivamente expositiva introdução da versão Scarlet, me deparei com um verdadeiro cânion que não foi pensado para os jogadores explorarem no início do jogo. Alheio a isso, aceitei o desafio de desvendar este labirinto natural e logo me perdi. E essa foi a melhor maneira de entender na prática a magia de Paldea. Finalmente, depois de quase 30 anos, Pokémon resgatou o sentimento de aventura.

Este é o sonho de todo fã de Pokémon, que cresceu assistindo o anime imaginando um dia conseguir viver tudo aquilo. Os piqueniques trazem o mesmo conforto que os lanchinhos do Brock, os desafios de ginásio esbanjam carisma antes mesmo das batalhas e a história constrói um senso de amizade tão orgânico que causa uma certa nostalgia, mesmo sendo uma experiência completamente inédita. Nem mesmo Legends: Arceus conseguiu acertar tão em cheio a essência da franquia Pokémon.

Andar entre as rotas da nova região é quase como viver o seu próprio episódio da era clássica do anime. Da mesma forma que, entre uma cidade e outra, Ash vivia uma dezena de situações surpreendentes, Paldea entrega cenários tão vivos que o mar de possibilidades desperta uma ampla gama de sentimentos: da curiosidade à mais pura empolgação. Simplesmente é uma delícia se perder neste mundo tão bem construído.

A exploração do mundo aberto é bem executada, como em Zelda. (C: Nintendo)

Não demora para seu cérebro abstrair dos problemas técnicos de performance, que não são poucos, só não interferem muito diretamente na experiência. A jogabilidade é tão divertida que compensa qualquer problema externo. Em certo momento, senti o mesmo calafrio de quando joguei The Legend of Zelda: Breath of the Wild pela primeira vez — eu tinha certeza que, em qualquer lugar que eu procurasse, haveria algo de novo para me encantar.

Enquanto em Zelda o encantamento vinha de novos shrines, armas ou lugares, Pokémon oferece novas criaturinhas, que estão presentes de uma forma nunca antes vista. As animações finalmente são caprichadas ao ponto de transmitir com clareza a personalidade dos Pokémon, mesmo aqueles que parecem visualmente estranhos à princípio. Toadstool, um cogumelo terrestre que parece bastante o Tentacool, me fez revirar os olhos com seu conceito forçado, mas foi só ver seu jeito desengonçado de correr para conquistar meu coração.

As novas atividades que compõem a história principal também ajudam a construir este sentimento de novidade. Além de trazer a clássica estrutura de líderes de ginásio, as incursões contra a Equipe Star e os desafios de Titãs Pokémon propostos por Arven são muito bem executados — não apenas servindo como chefes para as principais áreas do jogo, mas também um ponto de descanso da exploração, que dá lugar a história.

Novos desafios também podem render insígnias, que são 18 no total. (C: Nintendo)

A narrativa descentralizada, desenvolvida ao longo de três subtramas, acerta ao se afastar dos eventos megalomaníacos de títulos anteriores em prol de uma história muito mais intimista, que consegue transmitir emoções bastante verdadeiras. E funciona tão bem por trazer dramas universais para o cerne da questão, com forte apelo entre as crianças sem sacrificar profundidade. Sem infantilização.

Os traumas de um pai ausente, a dor de sofrer bullying na escola, o sentimento de impotência diante de um animal de estimação doente… Por trás da fachada alegre que sempre existe nas histórias Pokémon, Scarlet/Violet escondem uma pitada de melancolia que harmonizam bem com a maturidade deste universo. A ausência de dublagem faz ainda mais falta do que nunca, mas felizmente o roteiro por si só consegue segurar a emoção.

As melhores histórias para crianças, como os estúdios Ghibli e Disney bem sabem, são aquelas que respeitam os sentimentos dos pequenos sem tentar protegê-los de temas difíceis, simplesmente adaptando para uma linguagem que consigam compreender. E este é o grande acerto dessa nova abordagem — ela não divide o seu público e nem o enxerga como um limite, mas sim aprende a se adaptar para sempre entregar o melhor resultado.

Tô achando a história do Arven muito parecida com a da Ju (C: Nintendo).

A nova mecânica, Terastalizar, é um ótimo exemplo. Do ponto de vista competitivo, a novidade amplia absurdamente as possibilidades estratégicas, tanto ofensivas quanto defensivas. As disputas estão mais imprevisíveis que nunca! Do ponto de vista casual, mudar o tipo dos Pokémon é sempre interessante. O grande comprometimento feito para que este sistema agradasse os pequenos é o visual bobo de cada transformação cristalina, um pequeno preço a se pagar que deixa todo mundo feliz.

Outra questão fundamental da experiência de Scarlet/Violet pode ser representada por seus lendários: Koraidon e Miraidon. Os infames Pokémon motocas servem de meio de transporte para acelerar a exploração deste mundo gigantesco. E sua presença é essencial para garantir que a experiência do jogo seja um sucesso — ao se adaptar automaticamente a qualquer terreno, os lendários garantem fluidez na exploração.

Fluidez é outro princípio que guia as decisões de design para um caminho bem agradável. As batalhas acontecem exatamente onde o jogador está, para garantir que não seja necessário parar sua exploração. As cidades têm fronteiras pouco definidas, para que a transição entre ambientes seja imperceptível. Até mesmo os Centro Pokémon agora operam ao ar livre para que não seja necessário parar em momento algum, quebrando o ritmo da aventura.

A fluidez influencia até mesmo as novas raides, que não esperam todos os jogadores para continuar seus turnos. (C: Nintendo)

O novo Pokémon traz uma sensação de movimento constante. Depois de anos parada no mesmo lugar, a franquia está inquieta. E em sua inquietude, alcançando lugares cada vez mais incríveis. Tudo nos novos jogos é cuidadosamente pensado. Os próprios desafios de ginásio, que antes seguiam sempre uma fórmula previsível e inflexível, agora se adaptam ao que melhor funciona para o tema do Líder de Ginásio e sua cidade — seja um desafio de YouTuber ou literalmente um leilão, o que for melhor para transmitir a personalidade do lugar.

Há uma intenção bem clara por trás de cada escolha de design. Uma intenção que não se limita sequer aos requisitos técnicos do console. E talvez aí more o pior erro de Pokémon Scarlet/Violet: os desenvolvedores gastaram tantos recursos nas questões criativas do jogo que o lado técnico foi completamente abandonado.

Problemas de framerate, iluminação, renderização inconsistente, uma gritante falta de otimização de recursos… Mesmo que não existam muitos problemas que impossibilitem o progresso no jogo, é impossível ignorar completamente a existência de problemas absurdos em todos os cantos. Os erros acabam sendo mais gritantes no início do game, na enorme cidade de Mesagoza, por exemplo, mas voltam a persistir sempre que o título precisa processar muitos elementos ao mesmo tempo.

Scarlet e Violet são jogos perfeitos, até deixarem de ser… (C: Nintendo)

E ainda que o Nintendo Switch não seja o console mais poderoso do mundo, é impossível transferir as falhas técnicas para o console. O híbrido da Nintendo é capaz de processar The Witcher 3 – Wild Hunt com algum esforço. Outras experiências pensadas para funcionar nativamente no console, como Dragon Quest XI, The Legend of Zelda: Breath of the Wild e Xenoblade Chronicles 3, provam que o aparelho tem potencial de rodar jogos absurdamente complexos — a questão é quanto o estúdio está disposto a investir em tempo e dinheiro para garantir a melhor experiência para os jogadores. E parece que a GameFreak não está disposta a abrir mão de nenhum dos dois.

A performance catastrófica de Pokémon Scarlet/Violet é uma consequência direta da mentalidade gananciosa da Pokémon Company. A empresa insiste em um modelo de negócio que exige um lançamento anual de uma franquia que fica progressivamente mais complexa de desenvolver a cada ano. E o resultado são jogos cada vez mais corridos, mal acabados e incompletos. Esta é uma infeliz realidade que assombra a nova geração, mas que não deveria ser justificável em um mercado que cobra caro por seus produtos. Se jogos são considerados artigos de luxo, o mínimo esperado é uma qualidade de luxo que não foi entregue neste game.

E talvez isso seja o mais frustrante de toda a experiência. Mesmo quando há um grande acerto no formato, a apresentação deixa a desejar. Simplesmente não dá para ficar completamente satisfeito sendo fã de Pokémon.

Apesar dos problemas lastimáveis, o jogo tem muito carisma. (C: Nintendo).

A própria estrutura, mesmo trazendo avanços em diversos pontos, ainda esconde alguns poucos retrocessos remanescentes da mentalidade de preservar tradição na franquia mais lucrativa do entretenimento. Melhorias de Legends: Arceus, como capturar Pokémon sem batalhar e mirar livremente suas Pokébolas, foram completamente removidas. Os avisos visuais e sonoros do surgimento de shinies, que representavam um inesperado avanço em acessibilidade, também foram descartados a troco de nada.

No fim, fica aquele amargo sentimento de uma experiência insatisfatória. É como ter sua bebida favorita em um copo furado. Por mais que você saboreie cada segundo daquele gostinho nostálgico e refrescante, é impossível ignorar parte daquela experiência eternamente vazando em um desperdício que poderia ser evitado.

Nota é 8 de 10

Nota: 8/10

Mesmo com problemas graves do lado técnico, Pokémon Scarlet e Violet ainda é a melhor experiência em toda a franquia. Nunca foi tão divertido capturar Pokémon e simplesmente explorar a região de Paldea, descobrindo tudo que esta região fantástica tem a oferecer. A história também traz uma abordagem diferente, que foge da megalomania tradicional da franquia. Do início ao fim, o sentimento é de estar trilhando a sua própria jornada Pokémon rumo ao estrelato. Não fosse o desenvolvimento apressado, este seria um dos jogos mais memoráveis do Nintendo Switch.

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