Crítica: The Boys – 3ª temporada

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Crítica: The Boys – 3ª temporada

Por Arthur Eloi

The Boys talvez seja o melhor seriado de heróis da atualidade. Ao mesmo tempo que entrega o espetáculo de um mundo de heróis escrotos, a obra também dá complexidade a todos seus personagens, e questiona de forma sarcástica e divertida a rentável obsessão do público por esse tipo de história. Há quem veja só a violência gráfica – que, sim, é ótima – mas há mais profundidade do que aparenta.

A terceira temporada, recém-exibida pelo Amazon Prime Video, reafirma tudo isso em um ano que equilibra vários núcleos narrativos com maestria, enquanto cutuca ainda mais profundamente as inconsistências corporativas que guiam a cultura pop. E tudo com litros de sangue jorrando, claro.

Ficha técnica

Título: The Boys

 

Criação: Eric Kripke

 

Ano: 2022 (Amazon Prime Video)

 

Número de episódios: 8 (3ª temporada)

 

Sinopse: Na luta contra um Capitão Pátria cada vez mais maníaco, Billy Bruto e seus rapazes vão atrás de um antigo herói escondido do mundo para tentar nivelar o jogo – mesmo que isso signifique se injetar com os poderes de seus oponentes.

Frustração, a máquina de fazer vilão

Após uma sólida segunda temporada, The Boys retorna com sangue nos olhos. A série mira em evoluir tudo que já era ótimo antes, com cenas mais absurdas e gráficas, e ainda mais foco em seu excelente grupo de personagens. É uma temporada inteiramente marcada pelo conflito – seja interpessoal, interno, ou físico.

O grupo principal, os caçadores de heróis liderados por Billy Bruto (Karl Urban), vivem uma pequena vitória após expor os podres da nazista Tempesta. Do outro lado da moeda, o Capitão Pátria (Antony Starr) faz de tudo para manter as aparências e a integridade da Vought, a gigante farmacêutica que gerencia os super-poderosos. Ambos os lados são igualmente instáveis, e não demora muito para tudo ruir e o caos tomar conta de novo.

O triunfo da temporada é mergulhar de cabeça no gradual abandono das esperanças de seus personagens. Crises estouram por todos os lados. Billy Bruto se isola do grupo quando é tomado por desejos autodestrutivos; Leitinho (Laz Alonso) se vê impotente frente à sua sede de vingança e às más influências na vida de sua filha; Hughie (Jack Quaid) e Luz-Estrela (Erin Moriarty) passam por um desalinhamento em sua relação, algo que se repete entre Kimiko (Karen Fukuhara) e o Francês (Tomer Capone), em dois casos de traumas mal resolvidos contaminando coisas boas.

A terceira temporada é inteiramente marcada pela insegurança, seja pela falta de controle do Capitão Pátria, ou da impotência de Hughie

Por mais que a série seja conhecida por momentos mais apelativos, é preciso verdadeira ousadia e bom planejamento para bagunçar todo o tabuleiro de forma que parece consistente e intrigante ao espectador. É isso que torna The Boys tão fascinante, a capacidade de não se deixar iludir só pelos excessos, sempre entendendo que televisão é sinônimo de personagem.

Como as pessoas agem em momentos de crise diz muito sobre elas. É essa noção que dá humanidade aos protagonistas mesmo em um mundo de absurdos, em uma temporada que expõe inseguranças de todo o grupo principal, que comete uma série de erros em prol de esconder seus medos e fraquezas, seja na falta de comunicação ou tomando Composto-V adquirir poderes temporários como se fosse alguma solução definitiva. Mas quem melhor representa o acerto dessa abordagem destrutiva é, sem dúvidas, o Capitão Pátria (Antony Starr).

Atuação de Antony Starr rouba a cena na 3ª temporada de The Boys

Versões egocêntricas e tiranas do Superman são algo que permeiam as páginas da DC Comics há alguns bons anos, e o Capitão Pátria até aqui era basicamente uma encarnação desse tropo com outro nome. Isso muda na terceira temporada quando ele cresce além de um simples maníaco, e é caracterizado como alguém cuja kriptonita é sua própria ansiedade.

A chegada do Soldier Boy (Jensen Ackles), um dos destaques da temporada, serve apenas para demonstrar o declínio do Capitão Pátria, cada vez mais desconfiado daqueles ao seu redor. A briga entre eles conquista não só pela boa porradaria, mas sim por ver um deus percebendo ser mais humano do que imaginava ao enfim encontrar um oponente mais habilidoso.

Ao longo da temporada, vemos a ironia de um ser superpoderoso que falha em controlar aqueles ao seu redor, e que sequer sabe como se portar quando perde o controle. O elenco de The Boys é ótimo, sim, mas Antony Starr se sobressai em sua performance como um verdadeiro surtado, de expressões faciais insanas e com um mórbido charme magnético.

Utilização do Soldier Boy é cirúrgica no 3ª ano de The Boys, como um anti-herói igualmente promissor e ameaçador

É graças a ele que o Capitão Pátria agora se torna um personagem tão memorável, um contraste ambulante entre a força impressionante e a pequeneza de espírito que martela sua cabeça a todo momento. Em dos destaques da temporada, sua fachada enfim cai e ele grita com o público: “Eu não sou como vocês. Eu sou mais forte, mais inteligente. Eu sou melhor”. O impacto todo da cena não é só o seu preocupante discurso, mas sim a noção de que suas palavras parecem tentar convencer mais a si próprio do que o público.

Acidez diabólica

3ª temporada de The Boys testa os limites do absurdo – mas sem nunca ser de mau gosto

O que consagra a terceira temporada de The Boys não é só seu excelente desenvolvimento de personagens, mas sim que isso se desenvolve em um mundo cada vez mais absurdo. A série pisa com tudo no acelerador rumo à estranhice, e conquista com um banho de sangue e bizarrices. Tal qual começar um relacionamento, muitas séries de TV entendem que não dá para botar todas as cartas na mesa logo nos primeiros encontros, para não assustar o público interessado. Nessa lógica, o terceiro ano traz peculiaridades que só surgem quando a intimidade já se consolidou.

O seriado testa os limites dessa intimidade com explosões penianas, cenas de orgia de heróis, cabeças estouradas e todo tipo de cena gráfica e duvidosa, e faz tudo com um enorme sorriso no rosto. Nada é realmente de mau gosto – algo que, inclusive, decepcionou muita gente quanto às expectativas para o Herogasm. Muito pelo contrário, The Boys utiliza todos esses momentos apelativos como chamariz para seu drama bem construído, e também para cutucar o restante da cultura pop.

Dessa vez, a série não perdoa ninguém. Há tiradas com Stan Lee, com o SnyderCut de Liga da Justiça por Zack Snyder, e principalmente com grandes corporações que cooptam movimentos sociais, como quando Kimiko e o Francês visitam um parque temático de luta pelos direitos civis, ou então quando o Trem-Bala, em uma jornada de rebranding, faz uma paródia perfeita do insensível comercial da Pepsi que tentou pegar carona nos protestos contra violência policial.

The Boys segue precisa em sua sátira do progressismo vazio praticado por grandes corporações que cooptam movimentos sociais

Não que as críticas do programa sejam exatamente profundas, mas a acidez com quem olha para o mundo já se torna um alívio na era do endeusamento corporativo – por mais irônico que seja vindo de uma produção da Amazon. O charme do seriado é justamente querer se diferenciar dos demais, no processo questionando como os heróis dominaram a atenção do público, sem medo de até colocar o dedo na ferida da inquietante noção proto-fascista do fascínio por seres perfeitos, poderosos e vigilantes, que agem acima de qualquer governo e moralidade.

Em uma temporada praticamente perfeita, a única decepção é sua conclusão, que não fica a altura de tudo que a antecede. O acerto do programa é conciliar o grotesco, o ácido e o dramático, mas o final abraça soluções rápidas em prol do espetáculo da porradaria – que, por sinal, é muito boa. Após sete episódios bagunçando a cabeça dos personagens e as peças no tabuleiro, tudo termina praticamente onde começou, sem um gancho verdadeiramente convincente para o futuro.

Apesar do final pouco impactante, The Boys promete trazer a tona o subtexto supremacista por trás da adoração aos poderosos vigilantes

Por mais que muita gente acredita que o planejamento prévio é necessário, o que realmente consagra grandes séries de TV é a capacidade de crescer de acordo com as necessidades da trama e dos personagens, mesmo que isso vá contra os planos iniciais. Mas é preciso também certa sabedoria, para entender quando é preciso seguir em frente e não ficar andando em círculos.

Eric Kripke, criador de The Boys e o homem que comandou Supernatural por muitos anos, tem plena consciência deste sutil equilíbrio, e parece estar fazendo um excelente trabalho até aqui. Resta apenas torcer para que ele não perca a mão nos próximos anos, e que a série não fique estagnada ao ponto de se tornar uma paródia de si própria.

NOTA: 4.5 de 5

Todas as temporadas de The Boys estão disponíveis no catálogo do Amazon Prime Video. Ainda não há previsão de estreia para a quarta temporada.

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