Crítica – The Batman: O maior detetive do mundo ganha um recomeço à altura de suas habilidades

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Crítica – The Batman: O maior detetive do mundo ganha um recomeço à altura de suas habilidades

Por Jaqueline Sousa

O Morcego de Gotham está de volta! Após alguns anos de espera, o aguardado The Batman finalmente chega aos cinemas ao redor do mundo nesta semana. Estrelado por Robert Pattinson e dirigido por Matt Reeves, o filme reinicializou a mitologia do herói no universo cinematográfico da DC, trazendo novos rostos na pele dos clássicos personagens dos quadrinhos.

Mas mesmo que Matt Reeves utilize figuras já imortalizadas no imaginário do público, em uma indústria desgastada da mesmice dos blockbusters, há um diferencial no novo filme do vigilante: o longa consegue captar a essência de Bruce Wayne, mais do que qualquer outro cineasta já ousou fazer. Com uma trama detetivesca e envolvente, The Batman bebe da fonte do que o cinema noir tem para oferecer de melhor, entregando uma história sobre redenção, esperança e também solidão.

Ficha técnica

Título: Batman

Direção: Matt Reeves

Roteiro: Matt Reeves e Peter Craig

Data de lançamento: 3 de março de 2022

País de origem: Estados Unidos

Duração: 2h 55min

Sinopse: Da Warner Bros. Pictures chega THE BATMAN com o realizador Matt Reeves no comando e protagonizado por Robert Pattinson no duplo papel de detetive de Gotham City e do seu alter ego, o bilionário solitário Bruce Wayne, que precisa deter um serial killer em um de seus primeiros casos sob o manto de vigilante.

Pôster de The Batman.

Há algo no caminho 

Se existe um cenário perfeito na ficção para servir como base de uma história investigativa, esse lugar é Gotham. A cidade de Bruce Wayne reúne o pior da natureza humana em um único lugar: ganância, egoísmo e perversidade, isso só para citar alguns venenos que fazem de Gotham um verdadeiro pesadelo para o cidadão de bem e onde nem aqueles que deveriam garantir a segurança do povo são confiáveis. 

Gotham poderia ser uma cidade próspera, digna e decente. Mas há algo no caminho. Algo capaz de corromper até mesmo aquele que se diz ser um indivíduo ético. Pode ser seu vizinho, seu colega de trabalho ou até mesmo parte da família. Pode ser você. Então, como sobreviver em uma cidade que respira corrupção e maldade? Contar com a ajuda de um vigilante mascarado pode ser parte da solução.

Em seu segundo ano como Batman, o herói deve usar suas habilidades investigativas para desvendar um mistério em Gotham.

Em seu segundo ano percorrendo as ruas de Gotham como o misterioso Batman, Bruce Wayne (Robert Pattinson) está prestes a conhecer um inimigo pior do que qualquer criminoso que já enfrentou nos becos da cidade: seu passado. Carregando o peso da morte de seus pais, o herói tenta encontrar sua verdadeira voz no lugar onde cresceu, mas sem deixar transparecer aos cidadãos, que o enxergam como uma luz no fim do túnel. Basta ver o sinal nos céus que o aviso está dado. E não é um aviso para ele e, sim, para quem ousar desafiá-lo. 

Mas há quem tente: em uma noite de Halloween, um psicopata chamado Charada (Paul Dano) surge para tirar o sono dos já atormentados cidadãos de Gotham. Os alvos são figuras públicas do governo e oficiais de justiça, e em cada corpo acumulado, o serial killer vai deixando um enigma, especialmente endereçado a ninguém mais, ninguém menos do que o Batman. 

Com a ajuda do comissário James Gordon (Jeffrey Wright) e uma inusitada parceria com a enigmática Selina Kyle, ou Mulher-Gato (Zoë Kravitz), o Homem-Morcego embarca em uma investigação épica para desmascarar o novo inimigo, enquanto tenta lidar com os demônios do seu próprio passado.

Com a ajuda de James Gordon, o Batman embarca em uma investigação detetivesca repleta de enigmas e charadas.

Sim, há algo no caminho, como diz a música “Something in the Way”, da banda de rock Nirvana, que permeia boa parte do filme. E esse “algo” pode não ser fácil de ser digerido. Em The Batman, Bruce Wayne vai descobrir isso quer ele queira, ou não. E é aqui que a direção de Matt Reeves, que também roteirizou o longa juntamente com Peter Craig, foi sagaz em compreender toda a profundidade e densidade que apenas um personagem como o Batman demonstra. 

Antes de qualquer coisa, The Batman é uma história detetivesca. O jogo de gato e rato entre os investigadores e o criminoso relembra clássicas histórias como as de Sherlock Holmes e os dramas policiais de David Fincher (o Zodíaco, em especial, mas já chegaremos lá). É interessante ver a faceta de “maior detetive do mundo” do Batman, uma habilidade extremamente necessária para a história de Matt Reeves. 

O diretor soube conduzir com competência os momentos de tensão, além de conseguir manter a consistência da atmosfera sombria da narrativa, adicionando uma pitada a mais de nervosismo para te deixar intrigado a respeito dos próximos passos do Charada. A escuridão não está apenas na estética, mas também no tom introspectivo e melancólico que o enigma se desenrola. Quem será a próxima vítima? E mais: será que o Batman e seus ajudantes vão conseguir desvendar o mistério antes que o pior aconteça?

O maior detetive do mundo vive em Gotham

As quase três horas de The Batman, apesar de intimidadoras, não pesam. Pelo contrário, são necessárias para conseguir desenvolver a trama sem cair nas armadilhas das mesmices dos blockbusters e das fórmulas baratas do gênero. São nesses 176 minutos que cada personagem consegue deixar sua marca, em diferentes proporções, claro, mas honrando o nome daquela figura clássica na qual assumiu o manto. 

Robert Pattinson interpreta Bruce Wayne/Batman, que mostra sua faceta de maior detetive do mundo no longa.

Começando pelo astro do filme, Robert Pattinson conseguiu captar o lado mais solitário e retraído de Bruce Wayne. Um lado que, por baixo da máscara do Morcego, carrega a dor da perda, do luto e da solidão que invade suas veias desde a tragédia que o acometeu na infância. Os olhos do ator transparecem uma miríade de emoções, uma escolha certeira para lidar com todas as cenas feitas sob o manto do herói.

Há uma tristeza em torno da caracterização do Wayne de Pattinson que o torna diferente dos outros, deixando-o mais humano ao olhar do público. Isso porque, muitas vezes, a figura encapuzada pode aparentar ser um semideus, mas por baixo da máscara, há um ser humano que sofreu perdas irreparáveis e que, assim como qualquer outra pessoa, tem suas inseguranças e limitações.

Em contrapartida, temos Zoë Kravitz como Selina Kyle. A Mulher-Gato de Kravitz é enérgica, carismática e rouba a cena com sua presença. Assim como Bruce, Selina também possui suas cicatrizes e tenta lidar com suas origens da maneira que acredita ser a certa. A química com Pattinson é instantânea, algo que faz com que as sequências envolvendo a dupla sejam envolventes e marcantes. 

Como dito anteriormente, cada personagem deixa sua marca no filme. Mais um ponto positivo para o trabalho de Reeves, que soube demonstrar o melhor de cada um na narrativa. Paul Dano, por exemplo, foi outra escolha certeira para viver o vilão Charada, performando uma versão menos teatral e mais semelhante a terríveis psicopatas da realidade.

Assim, é praticamente impossível não traçar um paralelo com Zodíaco, filme de David Fincher, ao analisarmos seus métodos e os enigmas utilizados para indicar as próximas vítimas e ainda demonstrar toda a crueldade do psicopata. A tensão vinda da presença do Charada beira ao terror psicológico e quanto mais os corpos vão aparecendo, mais o Batman vai duvidando de si mesmo, de seus princípios e daquilo que achava ser o certo.

Em Batman, Paul Dano dá vida ao Charada, um psicopata que utiliza enigmas para dar pistas sobre seus próximos passos.

Já o James Gordon de Jeffrey Wright é uma peça importante no desenvolvimento do próprio Bruce Wayne. É perceptível – quase palpável – que ambos se respeitam e apresentam uma dinâmica complementar nas cenas dos crimes. Um traz à tona o que o outro tem de melhor, principalmente quando estamos falando sobre as habilidades necessárias para resolver um mistério.

Mas Wright não é apenas um coadjuvante: ele tem voz própria e sabe muito bem quais são os seus deveres. A figura do comissário representa cada cidadão que ainda enxerga o mínimo de esperança, mesmo em uma cidade corrompida por um sistema corrupto, onde policiais se tornam cada vez menos confiáveis e aqueles que deveriam garantir a segurança da população, na verdade, são aqueles que ameaçam essa segurança.

Também não dá para não falar sobre Colin Farrell como o clássico vilão Pinguim. Praticamente irreconhecível, é como se o próprio Oswald Cobblepot tivesse saído dos quadrinhos e desembarcado na Gotham de Matt Reeves. Apesar de ainda não ser um gênio do mal, já temos vislumbres de sua personalidade e o que ele pode oferecer no futuro da franquia, se ela for para frente. Mostra muito potencial para superar o mafioso Carmine Falcone de John Turturro, outra peça no xadrez de Reeves que faz com que os passados de Selina e Bruce colidam, garantindo o desenrolar sombrio que a trama pede.

Por outro lado, Alfred Pennyworth, vivido por Andy Serkis, talvez seja uma das presenças mais singelas do longa, mas ainda assim marcante. Ele é o mais próximo de “família” que Bruce tem em sua vida e, mesmo que Wayne seja falho em enxergar isso em determinados momentos, não significa que o herói não seja grato por tudo que o guardião fez por ele. A presença do mordomo é um ponto focal dos sentimentos conflituosos que Bruce descobre sobre seu passado, criando uma dinâmica de partir o coração entre os personagens.

Sobre esperança e redenção

Indo além dos visuais impressionantes ou da trilha sonora persistente e grandiosa, The Batman também é muito mais do que apenas um filme de super-herói. Matt Reeves conseguiu entender a essência de Bruce Wayne, fazendo com que Robert Pattinson fosse uma ótima escolha para este universo, que é corroído pelo caos, pela tristeza, pelas perdas e pela ausência de paz, ao que parece.

Mas, apesar de existir algo no caminho que faça com que Gotham seja sinônimo de escória, existem aqueles que são corajosos o suficiente para ousar ter esperança, nem que seja uma faísca. Bruce Wayne tem seus próprios demônios, mas ele pode ser essa faísca. Por mais que, em certos momentos, ele duvide de si mesmo, é o Morcego voando pela noite que leva alívio à população de Gotham. 

O Batman também recebe ajuda de Selina Kyle, a Mulher-Gato, para desvendar o mistério que assombra a cidade de Gotham.

É essa mensagem de esperança que o filme apresenta. A sensação de que, por mais clichê que possa parecer, depois da tempestade, sempre vem o arco-íris. E pode até ser que Bruce Wayne ainda não tenha chegado ao pote de ouro, mas a sua redenção é o fio condutor de esperança que existe dentro dele, um fio que o mantém vivo e forte para vencer seus demônios e lutar por aquilo que ele acredita.

Por fim, The Batman funciona como um excelente refresco em meio à escaldante falta de originalidade dos blockbusters de Hollywood. Matt Reeves captou o que Bruce Wayne tem de melhor e ofereceu uma história detetivesca numa atmosfera noir repleta de personagens marcantes e com um propósito bem estabelecido. Há algo no caminho, e esse algo pode ser a porta de entrada para um universo empolgante e inovador. 

Nota: 4.5/5

The Batman estreia nos cinemas brasileiros em 3 de março de 2022.

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