Crítica: Pânico resgata a franquia com filme violento, ácido e autoconsciente

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Crítica: Pânico resgata a franquia com filme violento, ácido e autoconsciente

Por Arthur Eloi

Quando os corpos começam a se acumular, o grupo de protagonistas de Pânico se reúne para discutir a possibilidade de que um deles seja o assassino. Mindy (Jasmin Savoy Brown) então percebe que não estão jogando pelas regras de um filme de terror convencional, mas sim pela lógica de uma “sequência-legado”. Questionada sobre o significado disso, a própria descreve: como os fãs não conseguem lidar com remakes ou reboots, essa é a forma que Hollywood encontrou de retomar franquias clássicas sem lidar com o chororô na internet.

Metalinguagem e acidez são o que melhor representam o que consagrou a saga de Wes Craven ao longo dos últimos 25 anos. Ao mesmo tempo que ri de vários dos tropos do horror e do cinema, os filmes entregavam mistérios intrigantes, personagens marcantes e, claro, os violentos ataques de Ghostface, um assassino mascarado cuja identidade até pode mudar a cada novo capítulo mas cujo objetivo sempre é o mesmo: atormentar a vida da sobrevivente Sidney Prescott (Neve Campbell).

Dessa vez, as coisas são um pouco diferentes. Pânico está fora das telonas há mais de uma década, período esse em que seu criador – e diretor de todos os quatro filmes – faleceu. Nas mãos de uma nova equipe, o longa tem o desafio de não só ser autêntico ao espírito da série, mas também continuar a história dos personagens originais, apresentar uma nova geração de vítimas e suspeitos, e ainda brincar com o melhor e pior do horror contemporâneo.

Ficha técnica

Título: Pânico (Scream)
Direção: Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett
Roteiro: James Vanderbilt e Guy Busick
Data de lançamento: 13 de janeiro de 2022
País de origem: Estados Unidos
Duração: 2h
Sinopse: Após sua distante irmã mais nova ser atacada por um maníaco vestido de Ghostface, Sam retorna à cidade de Woodsboro onde se vê no centro de uma nova onda de assassinatos.

Olá, Sidney

O novo Pânico retorna à cidade de Woodsboro, palco de um massacre em 1996 e cenário de constantes homicídios desde então. Depois de quase uma década de paz, alguém novamente assume o manto de Ghostface, e ataca a casa de uma jovem chamada Tara (Jenna Ortega). A menina sobrevive ao invasor, e a notícia de sua agressão traz de volta à cidade sua irmã distante, Samantha (Melissa Barrera).

Logo, elas percebem que não podem confiar em ninguém quando se vêem no centro de uma nova onda de assassinatos com ligação aos eventos originais e a um perturbador segredo familiar de Sam, forçando-as a recorrerem aos únicos que entendem como escapar de um impiedoso serial killer: o trio de sobreviventes Sidney Prescott, Gale Weathers (Courtney Cox) e Dewey Riley (David Arquette).

Ainda que essa trama não seja só sobre ela, Sidney Prescott não tem um minuto de paz nem depois de 25 anos

Se a premissa soa familiar, de ter a introdução de novos rostos ao lado de personagens clássicos, é porque essa é a intenção. Hollywood ama uma tendência, e a fórmula da “sequência-legado” se provou flexível o bastante para reviver todo tipo de franquia clássica, seja Star Wars, Caça-Fantasmas, Creed ou Halloween. Pânico entende muito bem que não está partindo da ideia mais original, e utiliza o espírito irônico dos antecessores para conciliar o fanservice com seu ácido comentário sobre o estado do cinema e a obsessão dos fãs.

A franquia sempre se dedicou a estabelecer, explicar e zombar as regras dos filmes de horror, mas nunca deixou a paródia subir à cabeça e ganhar ares de superioridade intelectual. O grande apelo desses filmes é contextualizar os tropos e mesmo assim colocar seus personagens para vivenciá-los, o que coloca o público na pele das vítimas em potencial.

Em qualquer outra série, poderia ser considerado um uso preguiçoso e até hipócrita de metalinguagem, mas a execução cirúrgica de Pânico como filme de terror engrandece a técnica. Seja nos anos 90 ou nos dias de hoje, a saga é marcada pela noção cínica de que conhecer as regras e os clichês não é o suficiente para sobreviver.

Um Assassino entre Nós

Pânico apresenta novo grupo de carismáticos e suspeitos personagens

O que sempre impediu a franquia de cair na paródia barata é seu equilíbrio perfeito entre o humor e a tensão. Por mais autoconsciente que seus personagens sejam, eles ainda estão na mira de um assassino mascarado, sedento para estripá-los na primeira oportunidade. Aos moldes dos antecessores, Pânico é uma verdadeira corrida contra o tempo para encontrar a identidade do serial killer enquanto a lista de vítimas só aumenta.

Felizmente o filme caiu nas boas mãos de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, dupla que já havia mostrado sua força no excelente Casamento Sangrento (2019). Os diretores demonstram ser a escolha perfeita ao criar situações de arrepiar, extensas cenas de perseguição, e ainda entregar as mortes e ataques mais violentos da saga até aqui, mas sem nunca entrar no território da galhofa ou do absurdo.

Ajuda também que o Ghostface de 2022 é verdadeiramente impiedoso: quebra o pé de sua vítima, esfaqueia suas laterais em plena luz do dia, e parece ter um sádico prazer em torturá-las antes do fim. Parte do estilo dos cineastas é justamente estender ao máximo esses momentos de desconforto no público, e Pânico está repleto de ataques viscerais do serial killer que dão vontade de cobrir os olhos.

Esse é facilmente o Ghostface mais violento e impiedoso da franquia Pânico

Tudo isso só aumenta a urgência e o desconforto dos personagens em tentar encontrar o assassino antes que seja tarde demais. O longa dá ainda mais peso ao mistério, em pistas falsas e verdadeiras que são praticamente indistinguíveis entre si até a grande revelação.

Essa busca ilude tanto os personagens quanto o espectador, com um novo grupo de personagens igualmente carismático e suspeito. Os gêmeos Mindy e Chad (Manson Gooding), o namorado perfeito Richie (Jack Quaid), a deslocada Liv (Sonia Ammar), a ciumenta Amber (Mikey Madison) ou o nerd Wes (Dylan Minnette): todos podem muito bem estar carregando a faca.

Bem-vindos ao Ato 3

Sidney, Gale e Dewey não tomam tanto tempo de tela, mas roubam a cena com ótimas performances sempre que aparecem

O triunfo de Pânico é, como os próprios personagens colocam, ser um “meta-slasher-whodunit”, ou seja, um filme de maníaco com o objetivo de desvendar o assassino que é autoconsciente dos próprios clichês do gênero. Dessa forma, assim como nos antecessores, a experiência é receptiva para quem não é tão versado em horror, por explicar cada tropo passo-a-passo, mas que ainda pega o espectador com suspense sufocante.

Na configuração de uma sequência-legado, o filme dá muito mais espaço ao elenco novato do que os personagens clássicos. Sidney, Dewey e Gale já enfrentaram tanta desgraça ao longo de duas décadas que a própria trama entende que precisa ir além do trio original. Aqui eles assumem papéis de apoio em uma jornada que é protagonizada por Sam Carpenter, que se estabelece como uma potencial figura central caso a franquia ganhe um sexto filme. A personagem de Melissa Barrera é tão capacitada quanto Prescott, e até um pouco mais ágil e violenta.

A única decisão questionável que o filme toma é ao atrelá-la à um personagem original, em uma conexão que soa forçada, ainda que minimamente interessante. Mas até aí é sim parte do comentário sarcástico que, assim como em Star Wars, a protagonista da suposta nova geração seja filha de alguém que foi importante no passado.

Sam, a personagem de Melissa Barrera, assume o protagonismo do novo Pânico

Não é uma decisão ruim que Sidney, Gale e Dewey não tenham tanto tempo de tela. Muito pelo contrário, dá um ritmo mais natural para a trama, que claramente quer se desenvolver além da nostalgia. Quando eventualmente aparecem, roubam a cena com personagens que claramente cresceram com o tempo, ainda que marcados pelos vários traumas que vivenciaram. Não que o trio não seja fundamental para esse universo, mas sim que – assim como no terror como um todo – a única forma de continuar é a através da renovação.

É possível entender a pressão que a nova equipe de produção sentiu ao assumir as rédeas de uma das maiores franquias dos slashers, especialmente considerando que esse é o primeiro filme sem a direção de Wes Craven ou o roteiro de Kevin Williamson (que retorna apenas como produtor-executivo).  Ainda que o longa mantenha um tom de homenagem por grande parte, os diretores ainda conseguem combinar o tom da série com o seu próprio estilo e humor.

Um dos maiores acertos de Pânico é seu excelente novo elenco

O resultado é um filme que definitivamente fica a altura do legado da saga, por claramente entender o que a consagrou e manteve relevante por mais de duas décadas. Ao mesmo tempo, a nova equipe não tem medo de colocar sua própria personalidade na obra, e nem de cutucar amigavelmente o carinho que os fãs têm pela franquia.

Toda aquela pressão de resgatar um clássico parece boba quando Pânico se mostra excelente do jeito que é. O quinto filme é marcado por excelentes atuações – do elenco novo e antigo -, mortes violentas e suspense de primeira qualidade. Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett demonstram enorme confiança para comandar a saga, em uma obra que com certeza deixaria Wes Craven orgulhoso.

Após uma reta final verdadeiramente surtada, o longa termina com portas abertas para uma retomada da série com uma nova protagonista. Não é certo se isso vai vingar lá na frente, mas com certeza sempre haverá maníacos fanáticos pelo Ghostface em Woodsboro que assistiram filmes de terror até demais.

NOTA: 4/5

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