Crítica: O Menu, apesar de morno, é um prato refinado e saboroso

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Crítica: O Menu, apesar de morno, é um prato refinado e saboroso

Por Gus Fiaux

Recentemente, chegou aos cinemas brasileiros o aguardado O Menu, filme de Mark Mylod (Qual é o Seu Número) estrelado por nomes como Ralph FiennesAnya Taylor-JoyNicholas Hoult Hong Chau. Na trama, vários milionários são convidados para uma ilha por um chef famoso, para se deliciarem com um jantar especial. Contudo, assim que os pratos são colocados na mesa, todos os convidados percebem que há algo estranho no ar.

Com uma direção afiada que melhora um texto surpreendentemente superficial, O Menu navega em vários terrenos, desde o horror à comédia de humor satírico, apenas para traçar um paralelo com a luta de classes e a dominação dos ricos sobre os pobres. Nós já pudemos conferir ao filme e aqui você encontra a nossa crítica!

Ficha técnica

Título: O Menu (The Menu)

 

Direção: Mark Mylod

 

Roteiro: Seth Reiss e Will Tracy

 

Data de lançamento: 17 de dezembro (Brasil)

 

País de origem: Estados Unidos

 

Duração: 1h 47m

 

Sinopse: Um jovem casal viaja para uma ilha remota para comer em um restaurante exclusivo, onde o chef preparou um cardápio farto – com algumas surpresas chocantes.

O Menu está em cartaz nos cinemas.

O Menu oferece uma refeição propositalmente indigesta

Vários milionários são chamados para uma ilha remota, apenas para comer no restaurante de um chef muito famoso e influente. Ao chegarem lá, eles percebem poucas rotas de fuga e logo são conduzidos por um jantar daqueles, cheio de surpresas desagradáveis. À primeira vista, essa parece ser a premissa básica de qualquer livro escrito por Agatha Christie, mas o que O Menu faz é deliciosamente cômico por conta de sua direção absurda.

2022 tem sido um ano muito marcante para o horror, especialmente pela exploração de diversos subgêneros ou até categorias de filmes que são diametralmente opostas entre si. Temos o horror social, com suas críticas e reflexões; o horror nostálgico, ancorado no retorno de grandes franquias; o clássico terror de jump scare, que ganhou uma nova roupagem com filmes como Sorria… porém, nada se destacou tanto quanto o horror absurdo.

Desde o ano passado, mais precisamente com o lançamento de Maligno, cineastas do gênero têm tomado de volta a diversão dentro de filmes de horror, com premissas cada vez mais mirabolantes e tramas que não dependem do ultra realismo característico da fase do “pós-horror“, que vivenciamos na década passada. Exemplos nítidos disso são os divertidíssimos Noites BrutaisA Órfã: A Origem, mas o novo filme de Mark Mylod pode se considerar parte da patotinha.

Aqui, em vez de partir para uma história tão absurda quanto Maligno, que envolve (spoiler!) tumores ganhando vida e transformando pessoas inocentes em serial killersO Menu parece seguir uma proposta bem mais intimista, com um clima próximo ao murder mystery e poucas cenas genuinamente gráficas. Porém, tudo isso é milimetricamente calculado, já que o próprio filme também tira sarro com a onda do “horror elevado”.

Através de uma fotografia limpa e cristalina, Mark Mylod – que até então era conhecido por comédias românticas como Qual é o Seu Número? – disseca conflitos de classe em um ambiente onde esse tipo de trama se transcorre da forma mais crua o possível: um restaurante. E o filme nem sequer tenta tratar isso de forma sutil, tanto que há uma discussão recorrente entre dois personagens sobre o papel do cliente e o do servente.

Além disso, existe um clima de maluquice correndo solta entre as mesas. Quando você reúne personagens ricos – ou melhor, absurdamente ricos – começa a perceber certos tiques e maneirismos que partem de um local do “eu tenho dinheiro, logo posso tudo”. Isso cria um abismo nas dinâmicas com os cozinheiros e garçons, que são pessoas mais “pé no chão” e não correspondem à loucura daqueles que precisam atender durante a noite.

E é claro que esse tipo de proposta só funciona por conta do elenco empregado. Nicholas Hoult desponta como um irritante e narcisista aspirante a cozinheiro, que sabe todos os elementos que compõem uma cozinha e desperdiça a noite tirando fotos das refeições e ovacionando o chef, que pouco parece se importar com ele. É uma performance tão ácida que consegue tirar sarro de diversos estereótipos ao mesmo tempo, ainda que em um papel “secundário”.

Ralph Fiennes, é claro, faz o grande chef de cozinha que propõe um experimento gastronômico extremo. Ele traz a crueldade e a rigidez necessárias para o personagem, ainda que perca alguns pontos no carisma – o que seria muito importante para tecer as reviravoltas da trama. Porém, ele é perdoado só por exercer uma presença tão gritante no elenco que, em todas cenas que aparece, se torna o centro das atenções.

Quem está deslocada aqui é Anya Taylor-Joy, mas com um bom motivo. A atriz que já nos encantou em A Bruxa e O Gambito da Rainha oferece uma atuação muito mais comedida e menos caricata que seus colegas de elenco. Isso, é claro, é justificado quando entendemos quem ela é, qual seu papel ali e por que ela desperta tantos olhares ao seu redor. É bem curioso como ela consegue se contrapor de forma tão delicada frente a outros monstros da atuação.

É claro que eles não são os únicos e a enormidade do elenco ainda guarda boas surpresas, seja nos críticos pedantes vividos por Janet McTeer Paul Adelstein; no ator canastrão interpretado pelo igualmente canastrão (mas bem divertido) John Leguizamo; o trio de cafajestes vividos por Arturo CastroRob Yang Mark St. Cyr e, claro, a misteriosa e ameaçadora assistente do chef, brilhantemente interpretada por Hong Chau.

Porém, se esteticamente esse é um filme que preenche todas as caixinhas e traz um deleite em forma de atmosfera e técnica, seu roteiro não é lá tão inteligente quanto quer se mostrar. No fundo, O Menu até parece estar tentando se mostrar pioneiro em uma crítica social que já foi batida e rebatida à exaustão ao longo dos últimos anos, graças a obras como Entre Facas e SegredosCasamento SangrentoParasita.

Nesse sentido, ele até remete bastante ao excelente (e nacional!) O Animal Cordial, de Gabriela Amaral, onde também acompanhamos uma noite tenebrosa passada em um restaurante frequentado pela elite. Porém, se o filme estrelado por Murilo Benício Luciana Paes traz um acabamento perfeito com uma crocância ressaltada e doses generosas de sangue, O Menu mais parece aquele prato caríssimo que não te sacia por completo.

Ainda assim, a sensação final não é ruim. O filme brinca o bastante com suas próprias “inconsistências” como forma de criticar o apego do público a obras cada vez mais refinadas e belas. Na verdade, é justamente por bambear numa tênue linha entre o grotesco e o belo que ele se encontra como crítica e deixa de ser só mais um filme do subgênero “eat the rich“. Porém, ele poderia ir mais além, seja na comédia ou no horror.

Muito sábia a decisão do roteiro de dividir os eventos da trama como se fossem os pratos apresentados ao longo da narrativa, isso cria uma expansão dentro do contexto situacional da história e mostra uma rápida escalada nas ações e emoções dos personagens envolvidos. Em outros momentos, o filme até lembra a série Hannibal, por contrapor a beleza das comidas em tela ao grotesco que envolve seus comensais.

Em suma, O Menu é uma experiência divertida. É aquele prato refinado que, mesmo morno, não deixa de causar uma boa impressão e ainda nos dá um gostinho de quero mais, ainda que nos sintamos insatisfeitos e com uma leve fome após o banquete. Porém, é justamente por pegar essa sensação e transformar em um dos pontos centrais da trama que o filme cativa, e honestamente estou bem ansioso em provar novamente essa iguaria quando for lançada no catálogo de algum streaming.

Nota: 3.5/5

O Menu está em cartaz nos cinemas.

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