[Crítica] A Filha Perdida é uma viagem de ida para dentro de uma Matrioska

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[Crítica] A Filha Perdida é uma viagem de ida para dentro de uma Matrioska

Por Junno Sena

Alguns filmes nem sempre são para você. Nem toda história precisa se encaixar com sua. Enquanto alguns passam a compreender isso, produções como A Filha Perdida se debruçam em retratar vivências que pareciam esquecidas na mídia. Sobre ser mulher e mãe, entre tantas lições sobre pertencimento, o filme com Olivia Colman e Dakota Johnson entrega uma história universal, mas para um público bem específico. 

Nela, as férias de Leda se tornam uma viagem de ida pelo seu consciente e inconsciente. Desenvolvendo uma obsessão por uma mãe jovem hospedada nas proximidades, a mulher procura por calmaria quando memórias antigas vêm à tona. E tudo isso enquanto uma boneca desaparecida se torna uma filha perdida.

Título: A Filha Perdida (The Lost Daughter)

Direção: Maggie Gyllenhaal

Roteiro: Maggie Gyllenhaal e Elena Ferrante

Data de lançamento: 16 de dezembro de 2021 (Brasil)

País de origem: EUA/Grécia

Duração: 2h 4min

Sinopse: As férias pacatas de uma mulher mudam de rumo quando sua obsessão por uma jovem mãe hospedada nas proximidades traz à tona antigas lembranças.

Pôster americanos de A Filha Perdida

Como bonecas russas, A Filha Perdida se aprofunda na psique da maternidade. Nessa jornada que é dar a vida para outra pessoa, mas também, negar a sua própria. A escrita de Elena Ferrante, autora do livro que inspirou o filme, trabalha com a euforia e o desespero da maternidade, o medo de ser moída por uma sociedade que odeia mulheres e uma culpa por não ter conseguido ser “mais”.

E é nesse ponto que tanto livro quanto adaptação cinematográfica conseguem captar a atenção de todo e qualquer público. Mesmo mulher, mãe e professora, a personagem sai do que é uma “micro representação” e atinge um desconforto universal que é perceber que sonhos são apenas sonhos. A realidade sempre irá bater na porta e ela nunca será tão  brilhante e perfeita quanto acreditamos que seria.

Leda, então, passa a ter a tarefa excruciante de dar sonhos a suas filhas. Mas como fazer isso quando tudo que era seu foi tomado por essas garotas? Como conciliar o desejo de crescer por si só, mas dar ferramentas o suficiente para que sua prole cresça também? Entre amor e negação, tentamos entender um pouco da confusão que é ser essa mulher. E, Olivia Colman consegue passar todas essas sutilezas com puro silêncio. Com o olhar angustiado, com lembranças que a fazem ficar nauseada.

Leda em sua juventude com suas filhas

Nesse silencioso vazio surge aquele questionamento tão egoísta: O que há de bom na paternidade? Na maternidade? Nem Leda, nem Elena Ferrante e nem ninguém tem essa resposta. Ou melhor, existem várias respostas. Mas nenhuma certa, nenhuma errada. E elas estão em como Callie se coloca como mãe antes mesmo de dar a luz; em Nina, que sofre, pensa em fugir, mas faria tudo por sua filha e em Leda que mesmo retornando ao seu lar, ainda sofre com uma culpa constante.

Antes desse filme, parecia impossível adaptar uma obra de Elena Ferrante. Não pela densidade do assunto, mas por que boa parte de seus enredos estão entre pensamentos e linhas. Não é sempre sobre o que é dito e exposto, mas sobre o que faz o leitor sentir. Duzentas páginas se tornam quinhentas, pelo constante choque emocional que a autora consegue transmitir.

Olivia Colman se destaca na produção baseada no livro de Elena Ferrante

No longa, mesmo que Maggie Gyllenhaal perca parte da experiência que é ler o livro, a diretora transmite a angústia e receio da trama. Os personagens e situações são as mesmas. A boneca perdida também. O choro constante da garota, que também é uma mãe, é o mesmo. Mas as atuações, conseguem dar rosto e personalidade a personagens que pareciam vazios.

Mas isso tem um preço. Nos afastamos muito das origens de Ferrante. O livro que tem o cheiro do que é a Itália perde um pouco da sua magia com um sotaque britânico. Vamos perceber que a adaptação foi de fato, adaptada. Que, para o elenco fazer sentido, algumas histórias foram modificadas, lugares foram trocados. Porém, no fim, tudo isso é pequeno, pois se trata da mesma espiral da maternidade. É o mesmo medo constante de perder a si mesmo em outro.

A confusão impossível de entender ou falar sobre o assunto. Como é dito no livro: “As coisas mais difíceis de falar são as que nós mesmos não conseguimos entender”. Mesmo com um milhão de palavras, não é fácil explicar o que é ler e ver A Filha Perdida.

Nota: 4/5

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