Crítica: Exorcismo Sagrado abandona seu potencial em prol de todo clichê de filme de possessão

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Crítica: Exorcismo Sagrado abandona seu potencial em prol de todo clichê de filme de possessão

Por Arthur Eloi

A Igreja Católica é a melhor amiga que os filmes de terror poderiam ter, pois o catolicismo é fonte de inspiração para todo tipo de obra macabra ao longo dos anos . A religião, tanto pelo poder de comunidade, propósito e salvação quanto por suas inconsistências e horrores reais, é terreno fértil para histórias de possessão e exorcismos. Desde o sucesso de O Exorcista (1973), é um subgênero que sempre desperta atenção, mesmo que com pouquíssima inovação.

Exorcismo Sagrado, longa do venezuelano Alejandro Hidalgo (A Casa do Fim dos Tempos), até tenta fugir dos tropos bem estabelecidos de possessão demoníaca, e chega bem perto de acertar, mas eventualmente abraça uma zona de conforto pouco inventiva.

Ficha técnica

Título: Exorcismo Sagrado (The Exorcism of God)

Direção: Alejandro Hidalgo

Roteiro: Santiago Fernández Calvete e Alejandro Hidalgo

Data de lançamento: 10 de fevereiro de 2022

Países de origem: Venezuela, México e Estados Unidos

Duração: 1h e 29m

Sinopse: Um padre norte-americano trabalhando no México se vê atormentado por um grave pecado de seu passado quando, 18 anos depois de um exorcismo, novos casos de possessão começam a acontecer

Demônios Pessoais

O longa segue o padre norte-americano Peter Williams (Will Beinbrink), que é convocado para um caso de exorcismo no México, em 2003, mesmo sem autorização do Vaticano ou capacidade plena para salvar a alma de uma jovem chamada Magali (Irán Castillo). O processo dá certo, mas o padre cede a influência do demônio e ao desejo que tinha pela mulher e abusa sexualmente da jovem.

18 anos depois, um novo caso de possessão demoníaca atinge a mesma cidade, e o padre – que ganhou reputação de santo – novamente é escolhido para exorcizar. Dessa vez, porém, o crime que cometeu no passado começa a pesar, e fica claro que o mesmo demônio retornou para tentá-lo.

O padre Peter Williams dedica sua vida ao trabalho comunitário, mas isso não apaga seus pecados graves do passado

Exorcismo Sagrado começa bem forte, mergulhando direto no caso de possessão, e também dá sinais de um remix interessante para a fórmula. Ainda que protagonizado pela figura do padre problemático, a trama não é sobre crise de fé, como todo sucessor de O Exorcista replica desde a década de 70. O filme assume que o padre Peter cometeu um crime imperdoável, que lhe dá certa amargura frente à própria popularidade na comunidade em que trabalha. Não que alguém saiba de seus feitos, mas isso não tira a culpa do que cometeu.

Desse jeito, a fé é apenas secundária para a discussão central do filme, que opta por discutir a existência de redenção. Peter sabe que arruinou a vida de Magali para sempre, mas também passa mais de 18 anos lutando incansavelmente pela população da pequena cidade no México, auxiliando com o acesso a remédios e comida. Uma vida inteira de boas ações é o suficiente para redimir um crime tão traumático para a vítima?

Antes que possa responder, o longa para nos trilhos e volta de ré aos confortos dos tropos de possessão demoníaca. Muito pior, chega até mesmo a fazer Magalia, a vítima, afirmar que ser estuprada pelo padre foi como um milagre em sua vida, momento que serve como uma injusta conclusão apressada do aspecto mais interessante da obra.

Parece que, na metade do caminho, Exorcismo Sagrado perde a confiança no filme que realmente quer ser, e assume a personalidade pseudo-grandiosa de mais um longa sobre a batalha invisível do bem contra o mal.

O Diabo Nos Detalhes

A dinâmica entre os padres pode ser boa, mas é mais um dos vários tropos dos filmes de possessão

Depois de introduzir conflitos realmente complexos, o filme gradualmente vai caindo no mesmo caminho do espetáculo da possessão, da gritaria e dos exorcismos guiados por “O Poder De Cristo Te Ordena” que tanto assolam o subgênero.  Até mesmo a fórmula dos dois padres, de idades e abordagens diferentes, é repetida aqui, ainda que isso dê espaço para a chegada do padre inglês Michael Lewis (Joseph Marcell, ou o Geoffrey de Um Maluco no Pedaço), cujo humor é pontual e bastante agradável.

Falta de originalidade não é necessariamente um problema, é possível ser pouco inspirado mas memorável se bem executado. Não é esse o caso, e tanto roteiro quanto direção medianos não ficam a altura das boas ideias apresentadas.

Há fagulhas de ousadia na obra, mas que nunca são inflamadas a ponto de virarem algo realmente marcante. Em especial, Alejandro Hidalgo cria um universo deliciosamente blasfemo, em que nenhum símbolo religioso está salvo de ser deturpado pelos demônios. As várias criaturas se assemelham em personalidade aos Deadites da franquia Evil Dead, cuspindo ataques e insinuações sexuais de forma impiedosa para cima dos padres. No humor sombrio e desconfortável que Exorcismo Sagrado mostra que poderia ser muito mais do que é.

Se não ficou claro, Exorcismo Sagrado quer MUITO ser como O Exorcista… assim como todo outro filme de possessão demoníaca feito desde então

A imagem mais forte e controversa da obra é, sem dúvidas, sua versão possuída de Jesus Cristo, que vaga com coroa de espinhos e carregando a cruz quando não está se contorcendo e andando pelo teto.  A figura, ainda que emblemática, surge mais como um ataque à fé do protagonista do que como algo realmente bem contextualizado. Isso se aplica a praticamente todas as criaturas do longa.

O visual dos demônios é excelente, tanto em design quanto na forma grotesca que se movimentam ou os sons que emitem. Mesmo assim, eles são mal utilizados na narrativa, ofuscados pela tensão mal construída e pelos efeitos especiais fracos. Esse elenco de monstros brilharia em um Invocação do Mal, então é uma pena que sejam parte de algo tão morno e sem vida.

O visual dos demônios de Exorcismo Sagrado é excelente, ainda que eles sejam mal utilizados

Exorcismo Sagrado tem bons momentos, demônios criativos, cenários macabros e atuações sólidas, ao ponto de não ser uma experiência tediosa ou para deixar ninguém enfurecido. O problema é que a produção é marcada pelo medo de ir além dos tropos, e que imediatamente descarta tudo de novo e ousado que cria em prol do que é seguro e garantido.

Nos momentos finais, quando a trama tenta dar ares de um conflito maior, o longa ainda deixa um gancho que indica que há presenças sombrias infiltradas dentro da Igreja Católica e do Vaticano, e que há alguns escolhidos por Deus para combatê-las. São elementos que poderiam muito bem ser explorados em uma continuação, mas uma que o filme não fez nada para conquistar. Muito pelo contrário, o longa trabalha contra tudo que lhe dá personalidade em meio a um subgênero tão saturado por imitações. Às vezes, como prova Exorcismo Sagrado, é preciso focar nos detalhes para encontrar algo único e pessoal, ao invés de mirar no grandioso, raso e vazio.

Nota: 2/5

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