Crítica: Ataque dos Cães aposta na crueza da vida em meio a cenários idílicos

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Crítica: Ataque dos Cães aposta na crueza da vida em meio a cenários idílicos

Por Gus Fiaux

Nesta última semana, foram revelados os indicados ao Oscar de 2022, e o favorito de muitos apareceu na lista com grandes indicações. Ataque dos Cães, o novo filme de Jane Campion, concorre a doze estatuetas na cerimônia, com destaques para o elenco, a direção e até a categoria mais concorrida da noite. O filme da Netflix é um faroeste sobre a crueza das relações humanas e toca em temas sensíveis como sexualidade, vícios e ódio autoinfligido.

Estrelado por Benedict Cumberbatch (que tem aqui uma das melhores performances de sua carreira), o longa ainda conta com a presença ilustre de Kirsten DunstKodi Smit-McPhee Jesse Plemons, além de ser uma adaptação bem curiosa do romance de Thomas Savage, lançado em 1967. Aqui, você pode conferir a nossa crítica do filme!

Ficha Técnica

Título: Ataque dos Cães (The Power of the Dog)

 

Direção e Roteiro: Jane Campion

 

Data de lançamento: 1º de dezembro de 2021 (Brasil)

 

País de origem: Estados Unidos e Nova Zelândia

 

Duração: 2h 6min

 

Sinopse: Um fazendeiro durão trava uma guerra de ameaças contra a nova esposa do irmão e seu filho adolescente, até que antigos segredos vêm à tona.

Benedict Cumberbatch e Jesse Plemons interpretam Phil e George Burbank, dois irmãos totalmente diferentes entre si.

A desconstrução do “machão” do faroeste em Ataque dos Cães

É 1925, em Montana, nos Estados Unidos. Dois irmãos comandam um rancho e logo, um deles se apaixona por uma mulher viúva e decide se casar com ela. O que ele não sabe é que seu irmão fará da vida dela, bem como do filho dela, um verdadeiro inferno. Essa é a premissa inicial de Ataque dos Cães, drama da Netflix lançado no ano passado e que acaba de tirar a sorte grande nas indicações à 94ª edição do Oscar.

O filme é dirigido e roteirizado por Jane Campion, baseado no romance de Thomas Savage, “The Power of the Dog“, ainda inédito no Brasil. Aqui, somos transportados a um cenário idílico de faroeste – que, apesar de ser situado nos Estados Unidos, foi filmado inteiramente na Nova Zelândia, país natal da diretora -, mas a trama toma caminhos sombrios ao abordar a dureza das relações humanas e o ódio internalizado de um homem que deseja ser cruel.

Phil Burbank, interpretado por Benedict Cumberbatch, é um homem que guarda segredos obscuros e que tenta, a todo custo, se provar superior a quem está ao seu redor, demonstrando aversão por qualquer traço de fraqueza e de inferioridade, ao mesmo tempo em que coloca as pessoas nessas “caixinhas” como modo de lidar com suas próprias inseguranças internas. E isso seria o suficiente para transformá-lo em um vilão, mas Campion se recusa a seguir um esquema maniqueísta.

Kirsten Dunst recebeu uma merecidíssima indicação ao Oscar como Atriz Coadjuvante por seu papel no filme.

A diretora explora, através de traumas, guerras silenciosas e fantasmas do passado, nuances no mais desprezível de seus personagens, dando a ele uma característica essencialmente humana e corrompida. E embora sua história seja intrigante e desafie o estereótipo do “machão cowboy” dos westerns clássicos, o que pesa mais aqui são todas as dinâmicas que Phil tem com outras pessoas, em especial Rose Peter Gordon.

Rose, interpretada por Kirsten Dunst, talvez seja uma das personagens que mais brilha no caos proporcionado por Phil. A princípio, o homem demonstra um ódio irracional pela cunhada – e estende esse sentimento para Peter, o garoto delicado e sensível vivido por Kodi Smit-McPhee. A construção dessa tensão resulta em um afastamento gradual do menino e no alcoolismo da mãe, que encontra sua própria forma de lidar com o trauma.

Esse ambiente desconfortável poderia se tornar insuportável, mas Campion consegue, tanto no roteiro quanto em sua direção, estabelecer um universo particular para cada personagem e fazê-los dominar todas as cenas em que eles aparecem, ainda que a sombra obscura de Phil Burbank paire como o catalisador do desafeto – isto é, até que suas vulnerabilidades são mostradas e podemos ver tudo que ele esconde por baixo de uma máscara.

A relação entre Phil (Cumberbatch) e Peter (Kodi Smit-McPhee) é o cerne da história.

Por isso, o fim de Ataque dos Cães consegue ser cru e denso mesmo que o filme corte uma parte bem importante do livro (nele, Phil ataca o marido de Rose antes dos eventos da história, e isso acaba provocando um efeito cascata que resulta no suicídio do homem). No fim, é uma história de vingança e de pessoas desesperadas tomando medidas desesperadas para salvar aqueles que amam, perdendo um pouco de sua sensibilidade no processo.

Ainda assim, é surpreendente como o longa consegue inserir seus elementos e “reviravoltas” de forma compassiva e disruptiva com as expectativas criadas pelos personagens. O tema queer presente na construção de Phil não só faz com que ele seja mais profundo, mas também adiciona camadas à sua relação com Peter e todo o passado ao lado de seu mentor, Bronco Henry.

Campion aqui não faz apenas valer sua indicação ao Oscar de Melhor Direção ou Melhor Filme, mas também traz um elenco afinado em uma trama que consegue ser igualmente sádica e agridoce, crua e quase reconfortante, embalada à bela fotografia de Ari Wegner e à música de Jonny Greenwood. É um dos grandes trabalhos do ano passado, e é a prova de como dá para fazer obras adaptadas de outras mídias e manter uma identidade original única e absoluta.

Ataque dos Cães leva 5 estrelas da LH!

Ataque dos Cães está disponível na Netflix.

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