UNSIGHTED: Metroidvania brasileiro mostra a importância de novas perspectivas no meio de jogos
UNSIGHTED: Metroidvania brasileiro mostra a importância de novas perspectivas no meio de jogos
Conversamos com o Studio Pixel Punk, as desenvolvedoras de UNSIGHTED, para saber mais sobre o jogo e seu desenvolvimento!
Os jogos se tornaram parte integral da vida de milhões de pessoas ao redor do mundo. Seja por meio dos consoles, mobile ou PC, a variedade é tamanha que é difícil não se interessar por nada. Apesar disso, muito desse meio ainda é dominado pelas mesmas perspectivas, tanto em relação à suas histórias quanto aos gêneros com elementos que se repetem em diversos títulos.
UNSIGHTED, game desenvolvido pelo Studio Pixel Punk, promete trazer mudanças a este cenário. O indie chamou a atenção com seu trailer divulgado na E3, conquistando muitos novos fãs com o lançamento de uma demo que permite experimentar um pouquinho do que vem por aí. Com inspirações nos Metroidvanias e Souls-like, o jogo mescla uma história futurista sobre andróides ao mesmo tempo em que sua jogabilidade traz muito a ser explorado e descoberto.
Mas o título desenvolvido por Tiani Pixel e Fernanda Dias promete ir muito além. De acordo com as desenvolvedoras, isso se refere não somente às mecânicas, como também às representações vistas no jogo. Sua protagonista, Alma, é uma androide, e o elenco do game é todo composto por mulheres e LGBT+, algo pouco visto nas produções do gênero. Falando sobre a personagem principal, as duas revelaram que suas grandes inspirações foram obras com personagens fortes, como contam:
“Somos muito fãs de obras com protagonistas e personagens femininas fortes. Desde desenhos como She-Ra, Steven Universe, até coisas mais antigas, como o Year 24 Group do Japão, que criou diversos Shoujo com protagonistas fortes e com temáticas LGBT.”
Comentando sobre o esforço de colocar personagens diversas em papel de destaque, a dupla afirmou que isso é deliberado. Embora elas reforcem que houve grande dedicação à jogabilidade, que pode ser desafiadora, houve também um cuidado ao trazer essas representações para um espaço que raramente ocupam:
“Como falei anteriormente, ele é um jogo bem difícil, e diria até que de nicho. Nós sentimos que muitos jogos desses gêneros que nos inspiraram (metroidvanias, souls-like, etc) possuem pouca representação LGBT, personagens femininas fortes, etc. Então além de fazer um jogo legal, queremos trazer a esse público essa diversidade que sentimos que falta um pouco no gênero. E talvez fazer um jogador fã desses jogos, que nunca tenha pensado sobre essas questões, sinta empatia por personagens assim.”
Nos jogos em geral, é raro que mulheres, principalmente LGBT+, recebam protagonismo completo, sem ter que dividi-lo com personagens mais voltados para o padrão. Ainda que existam exemplos, eles são poucos, principalmente entre os gêneros que inspiraram Unsighted. O impacto gerado por fugir a esse padrão, como mencionado pelas desenvolvedoras em relação ao alcance a outros públicos, também possui sua importância, já que dá a outros jogadores a oportunidade de experienciar uma história de uma perspectiva diferente, se aproximando de vivências diferentes das suas próprias. Apresentar essas narrativas é importante para o público com quem elas dialogam diretamente, como as mulheres e LGBT+ que têm a oportunidade de se verem representados ali.

Alma, a protagonista de UNSIGHTED
O título tem muito a oferecer também em sua própria jogabilidade. Como é comum nos Metroidvanias, a história e exploração possuem alto nível de integração, algo que o jogo do Pixel Punk leva além. Outro elemento importante no game é o tempo em que ele é completado, algo relacionado ao desejo das desenvolvedoras de criar uma produção interessante que pudesse ser jogada múltiplas vezes. Na prática, isso resultou em um sistema que afeta os próprios NPCs da história, podendo levar a caminhos diferentes em relação a quem sobrevive ou não:
“Em UNSIGHTED, a energia que dá vida aos andróides está acabando, e ao longo do jogo você precisa coletar itens para aumentar sua energia. Porém, os NPCs também precisam desses itens. Logo o jogador precisa fazer diversas escolhas sobre quem quer salvar, ou se quer aumentar o próprio tempo de jogo. Dessa forma, incentivamos até os jogadores mais casuais a tentarem rejogar o jogo cada vez mais rapidamente, para tentar salvar o maior número de andróides possível.”
As desenvolvedoras revelam que não foi simples equilibrar esse limite de tempo com o design do jogo, que conta com muito a ser explorado. Para resolver isso, elas implementaram diversas rotas que podem ser encontradas em cada área, permitindo ainda mais variedade de exploração ao mesmo tempo em que isso impede que os jogadores passem tempo demais no mesmo local. Assim, tudo se torna mais dinâmico, como elas explicam:
“A maior dificuldade foi justamente balancear o limite de tempo com o Level Design, pois é bem difícil saber quanto tempo cada jogador irá levar para concluir cada área. Em UNSIGHTED existem várias rotas possíveis, que colocamos com o objetivo de evitar com que os jogadores fiquem presos por muito tempo, mas também permite que jogadores mais experientes encontrem atalhos e planejem caminhos mais rápidos em meio às várias rotas possíveis.”
Apesar da dificuldade no desenvolvimento, a solução se mostrou mais que eficaz. O resultado final é perceptível em UNSIGHTED, que recebeu reconhecimento por seu Level Design na demo, mesmo sem a restrição de tempo. Para as desenvolvedoras, isso foi significativo por ser uma das partes às quais elas mais se dedicaram:
“O Level Design, apesar de ter sido a parte mais difícil, é onde o jogo se destaca bastante. A demo não possui o elemento de limite de tempo, mas muitas pessoas já perceberam como o Level Design do jogo teve muito planejamento, e isso nos deixou bem felizes.”

Level design do jogo é um de seus grandes destaques
Logo fica claro que apesar de muito atrativo, o jogo não traz uma experiência simples, podendo ser difícil principalmente para os novatos nos gêneros que inspiraram a produção. Os Metroidvanias comumente contam com muitos obstáculos e inimigos que podem ser bem complexos, e o Souls-like ficou famoso pelo alto nível de habilidade exigido para se sair bem nos títulos do gênero. Ainda assim, a reação ao game, principalmente por parte do público familiar com títulos semelhantes, tem sido positiva, principalmente por causa de sua inovação:
“As pessoas têm gostado bastante. Sabemos que não é um jogo fácil de jogar, e ele requer um pouco do jogador conhecimento de outros jogos de gêneros semelhantes, visto que estamos fazendo justamente uma iteração em cima desses gêneros (metroidvania, action RPG, etc). Logo, é um jogo de nicho. Porém, dentro desse nicho as pessoas têm percebido o que de novo nós tentamos trazer e tem gostado bastante.”
A inovação não é por acaso, e demonstra como a área carece de novas perspectivas. Uma pesquisa realizada pela PBG este ano mostrou que embora mais homens se denominem gamers, 51,5% das pessoas que têm costume de jogar jogos digitais são mulheres. Ainda assim, o 2º Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais, edição mais recente da pesquisa, demonstrava que apenas 36,2% do total de empregados sócios das desenvolvedoras de jogos eram mulheres. Entre estas, apenas 17,7% trabalhavam com programação ou gestão de projetos. E, quando o assunto são pessoas trans, única representação LGBT+ na pesquisa, os números são ainda menores: somente 0,4% dos colaboradores e sócios nas desenvolvedoras de jogos.
Se nos próprios jogos isso se reflete em histórias que tendem a valorizar protagonistas homens e que muitas vezes não tem espaço para personagens LGBT+, além de colocar as mulheres em segundo plano. Essas perspectivas semelhantes também ajudam a manter as estruturas dentro e fora do jogo, como comprovado pelos dados que mostram que o que há por trás é um problema ainda maior.

Jogo brasileiro traz novas perspectivas dentro e fora de sua história
A dupla que compõem o Pixel Punk também comentou sobre o assunto. Embora UNSIGHTED seja o primeiro grande projeto das duas, elas já passaram por outros títulos. Tiani trabalhou em estúdios voltados para jogos mobile, enquanto Fernanda esteve envolvida com outros jogos indies, embora muitos não tenham chegado a ser lançados.
Quando questionadas sobre sua experiência como mulheres LGBT+ trabalhando em um meio onde o espaço para pessoas como elas ainda é pequeno, elas contaram sobre o preconceito que enfrentaram. Mesmo em seu grande projeto, ainda existem pessoas que duvidam da capacidade das duas, como elas contam:
“Além do preconceito e ter que lidar com machismo e transfobia nos estúdios mais tradicionais, mesmo no nosso projeto mais independente as pessoas não costumam nos levar muito a sério, principalmente quando falamos da parte mais técnica. As pessoas sempre acham que tem algum cara por trás, programando o jogo, e não acreditam quando falamos que fazemos praticamente tudo sozinhas.”
A parte majoritária do código, arte e design do jogo foram feitos por Tiani, enquanto Fernanda trabalhou com a música e design de som do jogo. Mesmo com os resultados que esse trabalho conseguiu, a dupla é desacreditada por pessoas que não fariam o mesmo com desenvolvedores homens. A experiência é uma que pessoas de minorias diversas enfrentam, tendo que se provar constantemente mesmo após mostrarem sua capacidade. Em decorrência disso, um dos fatores que as levou a fundar seu próprio estúdio foi sair desse tipo de ambiente de trabalho.

Apesar de serem as responsáveis pelo jogo, as desenvolvedoras de UNSIGHTED ainda lidam com a descrença quanto ao seu trabalho
Ainda assim, quando questionada sobre o quanto esses obstáculos diminuíram com a criação do Pixel Punk, Tiani reforça que apesar de a mudança ter proporcionado uma melhora, não é o bastante por si só:
“De certa forma sim, pois uma das motivações para trabalharmos de forma independente era não ter que lidar com os preconceitos em um ambiente de trabalho mais convencional, mas como falei anteriormente, isso está longe de ser uma solução.”
Ainda discutindo o assunto, ela ressalta que a possibilidade de independência que as pessoas têm hoje é uma melhora, mas não é o suficiente:
“Com a democratização das ferramentas de trabalho da área, hoje em dia está um pouco mais fácil para as pessoas trabalharem de forma independente, o que facilita um pouco para as pessoas que têm que lidar com preconceito no dia a dia, mas isso está longe de ter uma solução. Os estúdios ainda possuem uma cultura machista, branca e cheia de preconceitos que leva anos para ser quebrada, pois são coisas enraizadas na nossa cultura.”
Os preconceitos citados pela desenvolvedora não são exclusividade da área de jogos, embora muitas vezes sejam ressaltados por ela. As experiências de Tiani e Fernanda são exemplos do que acontece nos bastidores, mas os jogadores certamente podem reconhecê-las no que acontece após o desenvolvimento.Muitos jogos sofrem críticas por se desviar do modelo de protagonismo predominante, tendo que lidar com uma resistência maior apenas por abordar uma perspectiva diferente ou colocar em destaque pessoas que são costumeiramente deixadas em segundo plano em grandes franquias.
Falando sobre a recepção que tiveram, as desenvolvedoras do Pixel Punk relatam que tanto sua identidade quanto o conteúdo de seus jogos fizeram com que o público por vezes se mostrasse mais resistente a seu trabalho:
“Na bolha de jogos independentes, apesar de todos os seus problemas, fomos bem recebidas, porém quando temos que lidar com o público, nem sempre é tão tranquilo. Não só por quem nós somos mas pelo tipo de conteúdo que naturalmente produzimos, um jogo só com personagens mulheres e LGBT.”

UNSIGHTED foi bem recebido no meio indie, mas encontrou resistência por contar com um elenco que foge ao padrão encontrado nos jogos
Mudar isso não é fácil. Muito depende de iniciativas do próprio público, que deve estar mais atento às reações e suas origens. Enquanto nem todo jogo é ou precisa ser considerado bom simplesmente por contar com personagens mulheres e LGBTQ+ em destaque, muitas vezes as reações negativas se pautam apenas nisso, mostrando uma resistência a qualquer coisa que fuja ao padrão de protagonismo majoritariamente encontrado em jogos.
Ao mesmo tempo, é preciso que pessoas reais tenham voz. É por meio dessa pluralidade de visões que novas perspectivas que histórias diferentes chegam ao público. Para que isso aconteça, é necessário que desenvolvedores de todos os tipos tenham espaço, recebendo respeito e tendo oportunidades de aprender, crescer e melhorar.
As desenvolvedoras de UNSIGHTED defendem que é preciso tornar os próprios ambientes de trabalho mais diversos, e um bom meio de fazê-lo seria por meio de investimentos nos próprios desenvolvedores:
“Iniciativas para tornar os ambientes mais diversos, desde os cursos para iniciantes até aos cargos mais altos das empresas. Infelizmente esse tipo de coisa é muito contrária à lógica capitalista em que vivemos, então é preciso de muita luta para esse tipo de coisa ser bem aceita.”
UNSIGHTED tem previsão de lançamento para ainda este ano. Atualmente, a demo do jogo está disponível por meio da Steam, permitindo que os jogadores explorem um pouco do que o game tem a oferecer.
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