Qual é a história de Sandman? Entenda por que ler um marco dos quadrinhos

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Qual é a história de Sandman? Entenda por que ler um marco dos quadrinhos

Por Gus Fiaux

Em breve, uma das histórias em quadrinhos mais aclamadas de todos os tempos será transformada em uma série da Netflix. Estamos falando de Sandman, a obra magistral de Neil Gaiman que conta mais sobre a vida de um dos Perpétuos, em uma jornada de vingança, redenção e contemplação. O quadrinho alcançou elogios da crítica, tanto na época quanto atualmente, sendo uma das poucas obra da Nona Arte a ganhar reputação literária tão forte quanto outros clássicos da literatura.

Originalmente, tudo não passava de um projeto de paixão do autor inglês, que estava tentando reimaginar um herói da Era de Ouro da DC Comics com um outro olhar. O sucesso foi tamanho que Sandman logo se tornou o pináculo de um selo adulto e de alta qualidade dentro da editora norte-americana, a Vertigo. Porém, caso você ainda esteja perdido nesse universo e em suas histórias, nós aqui explicamos por que Sandman é um clássico e por que você deveria ler!

A HQ original

No final da década de 80, Neil Gaiman estava fazendo uma entrada triunfal no mundo dos quadrinhos. Já tendo escrito para várias editoras, o escritor estava com um futuro garantido na DC Comics, onde já havia impressionado todos com obras como Orquídea Negra. Eis que veio a possibilidade de criar um novo título solo, e Gaiman tinha uma ideia ousada em mente. Ele queria fazer uma reformulação completa no Sandman, um herói clássico da Era de Ouro das HQs, que fez parte da Sociedade da Justiça. 

Esse primeiro Sandman era Wesley Dodds, um vigilante humano que induzia suas vítimas ao sono com uma arma de areia. Porém, Gaiman logo criou uma nova mitologia em cima desse conceito, dando origem a um novo Sandman – e foi assim que surgiu a HQ original que se tornou um marco para a DC Comics e para a Nona Arte, de forma geral. Aqui, Gaiman apresentou os Perpétuos, mas focou-se no Sonho (ou Morpheus), a encarnação do conceito onírico, uma espécie de “divindade” do mundo dos sonhos.

O título original foi publicado entre 1989 e 1996, além de ter ganhado alguns spin-offs e edições especiais. Até hoje, é justamente essa HQ que serve como base para todo o imaginário que as pessoas tem de Sandman, e será o ponto de partida da série da Netflix. Aqui, acompanhamos Morpheus em uma jornada etérea pelo mundo humano, reinos de magia, lugares além do tempo e o próprio inferno. Essencialmente, é a história de um deus que precisa descobrir seu lugar no mundo e assumir seu lado humano, enquanto os fantasmas de seu passado, presente e futuro o perseguem.

Os Perpétuos

Para entender a mitologia de Sandman, é preciso começar do começo e falar dos Perpétuos. Eles são sete irmãos que, na verdade, são personificações de conceitos básicos do universo. Todos eles possuem poderes incomensuráveis – além de serem imortais e não possuírem uma forma definida. Os Perpétuos agem em todo o universo e não apenas na Terra, viajando pelo mundo e trazendo consigo alguns dos aspectos mais fundamentais da existência.

É importante citar cada um deles para que possamos entender bem seu papel na saga e no universo de Sandman. E é por isso que iremos explicar de um por um:

Sonho

Morpheus é o Perpétuo mais “importante”, por ser o grande protagonista de Sandman. O personagem é o rei do Sonhar, um reino para onde todas as criaturas vão quando devaneiam, seja nos sonhos noturnos ou nos delírios diurnos. Ele é retratado como um homem alto e esguio, um tanto arrogante e rude. Quando a saga de Sandman começa, Morpheus se liberta após ter sido aprisionado por vários anos, e precisa reerguer seu reino abandonado.

Morte

Depois de Morpheus, a Morte é a segunda mais conhecida e adorada dos Perpétuos. Ela é a personificação do fim, das despedidas e dos encerramentos. Ao longo da saga, ela aparece fazendo a “transição” das almas que vão do reino dos vivos para o mundo dos mortos. E apesar de seu trabalho sórdido, a Morte é uma figura cheia de vida e emoção, que está sempre sorrindo e sendo gentil com todos. Ela é uma figura bem importante ao longo da história, e é dito que só deixará de existir após o fim do universo.

Destino

Destino caminha por seu jardim, sempre segurando um livro preso a ele por correntes. Nele, está toda a história que já aconteceu e que acontecerá. Ele sabe de todos os acontecimentos do universo, mas não pode interferir neles, já que isso vai contra sua própria natureza. Ele é o mais velho dos Perpétuos e adota um comportamento soturno, sempre quieto e rígido em suas decisões.

Desejo

Tanto masculino quanto feminina, Desejo é a personificação de todas as vontades de mortais e imortais. Essa figura é capaz de provocar os instintos mais selvagens nas pessoas, e possui uma certa crueldade inerente – que na verdade, não passa da mais pura curiosidade em alcançar todos os limites possíveis. Desejo nutre uma rivalidade com Sonho e fica claro que os dois não se dão muito bem.

Desespero

Irmã gêmea de Desejo, Desespero é retratada como uma mulher obesa, de pele acinzentada e dentes serrilhados, que sempre anda nua. Ela representa a mais completa desolação e desesperança da humanidade – e embora tenha um papel tão árduo a desempenhar, reage com certa naturalidade e indiferença a todas as coisas ruins que já viu e causou. É dito que a versão que conhecemos aqui é a segunda encarnação de Desespero, e que houve uma anterior que já morreu.

Delirium

Sonhadora e inconstante, Delirium é a mais jovem dos Perpétuos. Ela carrega em si um espírito caótico e exagerado – representando toda sua instabilidade mental. Ela se perde em suas frases, não consegue seguir uma linha única de raciocínio e está sempre entrando em grandes peripécias sem perceber. É dito que ela já foi chamada de Deleite – e que supostamente era mais “controlada” – mas algum evento inexplicado fez com que ela se tornasse a doce e insana Delirium.

Destruição

De muitas formas, Destruição é uma das figuras mais emblemáticas dos Perpétuos. Conhecido como a encarnação das ruínas e das guerras, ele é retratado como um homem forte e musculoso. Porém, quando a história de Sandman começa, descobrimos que Destruição se afastou de seus irmãos há muito tempo e renegou suas responsabilidades de agente da entropia. Ele é visto como um homem firme, mas gentil, que tem muito apreço pela arte e pela criação, por mais que não tenha talento nessas áreas.

A trama de Sandman

Conforme já citado anteriormente, Sandman começa quando Morpheus se liberta após anos de cárcere. Nós logo descobrimos que o Perpétuo foi aprisionado por um mago ambicioso que pretendia capturar a Morte, usando seus dons para benefício próprio. Nesse período em que Sonho esteve nos domínios do feiticeiro, o Sonhar colapsou, de modo que muitos de seus habitantes “fugiram” para o mundo real.

Quando a trama começa, Morpheus é uma figura cheia de sentimentos vingativos e muita arrogância – algo que aos poucos vai sendo desenvolvido e subvertido. Ao longo de seus encontros com mortais, demônios e outras entidades, o personagem passa por uma grande transformação e percebe sua própria humanidade, tornando-se uma figura cada vez mais contemplativa.

Para quem espera uma história contínua e linear, talvez Sandman não seja uma boa escolha, uma vez que temos várias pausas, devaneios e respiros para entender mais dessa mitologia e desses personagens. É uma história que constantemente se prova desafiadora, conforme viajamos não apenas junto de Sonho, mas também conhecemos novos personagens e figuras que vivem suas vidas dentro do paradigma desse mundo.

Contudo, mesmo enquanto passamos por arcos mais surreais e líricos, ainda temos um desenvolvimento da figura de Morpheus e sua transformação complexa com o passar dos anos. Sem querer dar muitos spoilers, a saga termina de uma forma brusca e devastadora, quando o nosso protagonista percebe que precisa passar por um encerramento para que possa, finalmente, seguir em frente.

Arcos de histórias

Ao todo, os 75 volumes originais de Sandman são divididos em dez arcos de histórias, cada um bem fechado dentro de si e mostrando um pouco do desenvolvimento complexo de Sonho. É importante ressaltar que, por se passar no Universo DC, a saga apresenta participações especiais e easter-eggs de outros heróis e personagens da editora, ainda que a história flua sem grandes crossovers e eventos – num geral, você pode mergulhar no mundo da HQ sem ter que conhecer com profundidade as histórias da DC Comics.

Abaixo, reunimos os dez arcos de histórias (lembrando que eles acabaram de ser republicados pela Panini Comics no Brasil, em formato de encadernados econômicos):

  1. Prelúdios & Noturnos – O primeiro arco de Sandman nos oferece uma apresentação para Morpheus e suas aventuras. Após passar anos aprisionado, o Senhor do Sonhar precisa partir em uma jornada em busca de itens importantes, enquanto se vinga de quem o manteve encarcerado.
  2. Casa de Bonecas – Rose Walker é uma jovem com uma vida normal, até que tudo é colocado de cabeça para baixo com alguns eventos surreais e absurdos. Enquanto isso, Morpheus tenta reestruturar seu Reino e precisa caçar uma de suas invenções foragidas: o Coríntio.
  3. Terra dos Sonhos – Um compilado de diversas histórias envolvendo Morpheus ao longo dos anos, Terra dos Sonhos nos fornece uma nova perspectiva sobre o Senhor do Sonhar e seu papel entre os Perpétuos, ao mesmo tempo em que revela alguns segredos que ele gostaria de esconder.
  4. Estação das Brumas – Lúcifer decide abandonar o inferno e partir para uma nova vida na Terra. Ele dá as chaves de seu reino de fogo e enxofre para Morpheus e confia ao Perpétuo a tarefa de encontrar um novo dono para o lugar. É um dos arcos mais aclamados, que expande a mitologia e o cosmos da saga.
  5. Um Jogo de Você – O Sonhar está se fragmentando, e os limites entre esse reino surreal e o mundo real estão cada vez mais tênues. Isso acaba arrastando alguns personagens improváveis por uma jornada aterradora, e é aí que Morpheus precisa intervir.
  6. Fábulas e Reflexões – Assim como Terra dos Sonhos, o sexto volume é mais uma antologia de histórias que envolvem o Sonho e suas várias vidas. Aqui, nove sonhadores compartilham seus próprios contos sobre medo, amor, paixão e poder.
  7. Vidas Breves – Um arco centrado justamente na efemeridade da vida, o sétimo volume mostra Morpheus e Delirium partindo em busca de seu irmão perdido, Destruição. Ao mesmo tempo, uma figura importante do passado de Sonho retorna – e isso trará consequências severas para o Perpétuo.
  8. Fim dos Mundos – Perdidos nas estradas da história, passageiros errantes encontram a fabulosa e mitológica Hospedaria do Fim dos Mundos. Lá, eles encontram mais que o conforto: também descobrem novas histórias e como o poder da narrativa pode afetar suas próprias vidas.
  9. Entes Queridos – O grande clímax que Sandman preparou cautelosamente ao longo de várias edições, Entes Queridos mostra Morpheus tendo que lidar com as consequências de suas ações e como isso afeta diretamente seu reino, o Sonhar.
  10. O Despertar – O décimo volume da saga serve mais como um epílogo inchado que como uma história única. Após os eventos cataclísmicos abordados nos nove volumes anteriores, um novo Senhor do Sonhar surge. Um funeral é preparado. E os Perpétuos nunca mais serão os mesmos.

Esses são os dez volumes de Sandman. Embora a leitura fuja do padrão linear e tenha vários desvios no percurso, é recomendado que os arcos sejam lidos em ordem cronológica, pois ajudam a construir toda a jornada de Morpheus de forma muito sutil e complexa.

Outros quadrinhos importantes

Embora a produção de Neil Gaiman para a saga tenha se concentrado nas 75 edições principais, o autor chegou a preparar alguns conteúdos extras que são extremamente importantes para os fãs que querem ter um conhecimento maior a respeito da saga. Em especial, três obras se destacam e precisam ser mencionadas.

Noites Sem Fim

Publicada em 2003, Noites Sem Fim é uma graphic novel que expande um pouco da mitologia dos Perpétuos, já que conta com várias histórias – cada uma centrada em um dos membros dessa família. O quadrinho foi escrito por Gaiman, mas cada história é ilustrada por um diferente artista, o que cria um experimento visual complexo e mostra mais da personalidade de cada um dos Perpétuos.

Mais do que isso, a graphic novel também mostra encontros entre mortais e essas divindades, ajudando a criar um senso maior do papel dos Perpétuos no universo. De todas as citadas, é a obra mais importante para quem quer de fato mergulhar no mundo de Sandman, justamente por oferecer um panorama muito vasto dos personagens que são apresentados nos quadrinhos.

Os Caçadores de Sonhos

Lançada originalmente em 1999, Os Caçadores de Sonhos é uma das obras mais peculiares dentro do universo de Sandman. Basicamente, era uma noveleta escrita por Neil Gaiman e ilustrada por Yoshitaka Amano, que por sua vez contava a história de um monge que se apaixona por um espírito de raposa, uma figura comum do folclore japonês.

O arco é bem envolvente e mostra a inserção de elementos de Sandman aos poucos. Em 2007, para celebrar os 20 anos desde a criação da HQ original, a DC Comics anunciou uma versão em quadrinhos de Os Caçadores de Sonhos, com ilustrações feitas por P. Craig Russell. Essa adaptação foi lançada como uma minissérie em quatro edições, que foram lançadas entre o fim de 2008 e o começo de 2009.

Sandman: Prelúdio

Aqui temos uma das obras mais controversas e complexas dentro da mitologia de Sandman. O Prelúdio foi uma história escrita por Neil Gaiman e concebida há muitos anos. Apesar do nome, é preciso ler a história ao fim da leitura das setenta e cinco edições originais da saga, já que contém grandes spoilers para a narrativa. Basicamente, é uma trama que conecta todas as pontas soltas deixadas pelo quadrinho original.

O grande destaque aqui fica para a arte de J.H. Williams III, já que ele se apropria de um estilo ainda mais surreal e fantástico, onde toda a realidade é distorcida nessa busca incansável de Morpheus. O quadrinho foi publicado em formato de minissérie entre 2013 e 2015, e oferece uma conclusão apoteótica para tudo o que Sandman havia aberto ao longo dos dez volumes originais.

O Universo de Sandman

Para celebrar o aniversário de 30 anos de Sandman, a DC Comics e a Vertigo (que depois foi reformulada como o selo DC Black Label) anunciaram o lançamento de uma nova iniciativa editorial, O Universo de Sandman. Trata-se de um núcleo de histórias publicado pela DC que lida direta ou indiretamente com personagens que fazem parte da mitologia de Sandman – portanto, é um núcleo mais adulto e esotérico de quadrinhos.

Originalmente, foram lançados quatro títulos dentro do Universo de Sandman, sendo eles: O Sonhar (que segue as aventuras do novo Senhor do Sonhar, apresentado ao fim da saga original de Gaiman), Lúcifer (focado no Diabo da DC Comics), Livros da Magia (que segue Tim Hunter em uma nova série de aventuras), fechando como A Casa dos Sussurros (a trama mais surreal e imaginativa dentro dessa iniciativa).

Os quadrinhos não eram escritos por Neil Gaiman, mas contaram com o escritor no papel de supervisor principal, dando as diretrizes para como as histórias deviam progredir e se conectar na construção da mitologia de Sandman. Posteriormente, novas HQs foram anunciadas, como um título dedicado a John Constantine, Hellblazer – de volta às origens mais adultas do personagem – e The Dreaming: Waking Hours, uma continuação de O Sonhar. 

Esses quadrinhos estão sendo publicados atualmente pela Panini Comics no Brasil. Lá fora, parece que a iniciativa está em fase de estagnação, uma vez que o único quadrinho publicado é um crossover com a IDW e que traz alguns personagens e tramas de Locke & Key, a série de HQs escrita por Joe Hill. Ainda não temos anúncios sobre novos títulos e publicações além disso.

Adaptação da Netflix

Como muitos já sabem, Sandman será adaptado pela Netflix, em uma produção vigiada de perto por Neil Gaiman – que não apenas é consultor dos roteiros, como também é um dos produtores executivos. Trata-se de uma cocriação da DC Entertainment e da Warner Bros. Television, mas que será exibida com exclusividade pela plataforma digital e, portanto, pode não ter conexão com outras franquias da DC, como o Universo Estendido da DC e o Arrowverse.

A série está sendo desenvolvida por Allan Heinberg, que atuará como showrunner da primeira temporada – que, por sua vez, começou a ser gravada em outubro do ano passado. Ainda não sabemos com exatidão qual será a data de lançamento do projeto, mas estima-se que a série esteja entre nós por volta do último bimestre de 2021 e o começo de 2022.

De acordo com o que já foi anunciado, a primeira temporada terá onze episódios e deve adaptar os dois primeiros arcos de histórias da saga de Gaiman – ou seja, Prelúdios & Noturnos Casa de Bonecas. Toda a trama vai ser atualizada para os dias contemporâneos, com Morpheus tendo passado 105 anos no cárcere (diferente dos 70 anos da HQ original). Dessa vez, ele despertará em 2021, pronto para se vingar e retornar ao seu reino.

No elenco, teremos grandes nomes da TV britânica. Tom Sturridge assume o papel de Morpheus, enquanto outros nomes importantes do elenco incluem Kirby Howell-Baptiste (Morte), Gwendoline Christie (Lúcifer), Boyd Holbrook (Coríntio), Jenna Coleman (Johanna Constantine), Mason Alexander Park (Desejo) e Donna Preston (Desespero).

Sandman vai ganhar uma série na Netflix, mas ainda não sabemos a data de lançamento.

Abaixo, você pode conhecer alguns dos personagens confirmados na série da Netflix: