O Legado de Júpiter: Mark Millar revela como Stan Lee inspirou a história

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O Legado de Júpiter: Mark Millar revela como Stan Lee inspirou a história

Por Chris Rantin

Chegando na Netflix neste mês, O Legado de Júpiter é uma adaptação dos quadrinhos de Mark Millar, um dos quadrinistas mais elogiados do ramo. Responsável por grandes projetos na Marvel, incluindo a elogiada Guerra Civil, e da DC Comics, como Superman: Entre a Foice e o Martelo, Millar também é o criador do chamado Millarverso, um conjunto de HQs originais de diversos estilos, incluindo obras como Kingsman e Kick-Ass. Em nome da Legião dos Heróis, participei de uma coletiva de imprensa com o escritor, que falou animado sobre o projeto da plataforma de streaming e como ele se diferencia das outras produções de super-heróis. 

Em O Legado de Júpiter acompanhamos a história da primeira geração de super-heróis do mundo, após um século protegendo a humanidade, eles precisam lidar com seus filhos seguindo seus passos. No entanto, muitas tensões surgem a partir disso, visto que a os jovens não querem agir da mesma maneira que seus pais, tendo ideias bem diferentes sobre como um super-herói deveria salvar o dia. 

Drama heroico

A União, a primeira geração de heróis

No centro desse conflito temos a família de Utópico, o maior herói da terra. Casado com Lady Liberdade, eles tem dois filhos: Brandon, um jovem desesperado para ser como seu pai, mas que questiona o código heroico dele, e Chloe, uma jovem modelo que, ressentida com a maneira que seus pais foram ausentes, se recusa a fazer parte desse mundo de supers, preferindo viver uma vida de festas e diversão.

E para Millar, é justamente por focar nesse drama familiar que a história se destaca: “É tão interessante. Você esperaria que, em 83 anos de super-heróis, isso já teria sido feito antes, mas nunca houve um live-action de drama familiar de heróis,” aponta. Para ele, o tema é bastante óbvio, visto que encontramos questões familiares nas principais obras da literatura ou do cinema, mas ainda assim algo pouco trabalhado nas HQs. “Essa é a base dos maiores dramas, mas os super-heróis costumam ser sobre caras jovens que ainda nem se casaram. Eu não sei. Talvez seja porque eu sou pai, mas isso me soou muito interessante. A ideia de explorar essas dinâmicas.” 

“Eu só pensei ‘Não seria interessante fazer uma história de como seria ser filho das duas pessoas mais perfeitas e famosas do planeta?’” Segundo Millar, a ideia era que eles tivessem algumas vantagens por causa disso, no caso os poderes que herdaram, porém, como podemos ver sobre em casos de filhos de celebridades, é raro uma criança crescer bem em um ambiente assim.

“A maioria deles tem uma vida terrível. As pessoas esperam que eles tenham uma vida incrível, mas na verdade eles costumam ter problemas com drogas ou se sentem inadequados. E eu acho que isso seria pior se seus pais salvassem o mundo toda semana. Imagina se seus pais fossem as pessoas mais famosas do mundo e fossem adorados? Como você poderia viver com isso? Isso me parecia uma história interessante pra ser contada, além de ser diferente de outras produções de heróis no mercado. Acho importante fazer algo assim,” ressalta.

Essa relação entre pais e filhos é o que dita o ritmo da série — e das HQs —. Para o autor, O Legado de Júpiter pode ser resumido na ironia de toda essa situação: “Acho que a história é sobre como nós acabamos nos tornando nossos próprios pais. Nós brigamos com eles e ai acabamos sendo como eles.” Por isso, em sua trama vemos pessoas tentando quebrar esse ciclo, agindo de uma forma completamente diferente dos seus pais. Essa decisão gera um grande atrito, um conflito geracional, uma vez que os jovens heróis questionam qual é o legado que eles estão herdando. “Os personagens mais novos dessa história olham para as gerações passadas e dizem: Nós não gostamos do mundo que estamos herdando. Nós podemos fazer do mundo um lugar melhor. Nós vamos mudar tudo,” explica. 

 

Conflito de gerações

O Legado de Júpiter nos quadrinhos

O desejo de mudança, entretanto, vai além da mera rebeldia juvenil. Para estruturar os heróis originais, Utópico e a União definem um conjunto de regras e valores pelas quais eles deveriam viver. O código proíbe que eles matem, se envolvam em política ou liderem a humanidade, ditando como as coisas deveriam ser. Ainda que seja pautado em preocupações reais, a nova geração não concorda com a maneira que o código limita suas ações. 

“Então é isso, você tem um conflito ideológico entre os boomers e os millenials, essencialmente, porque um grupo quer preservar o status quo e não quer interferir na raça humana, enquanto as crianças estão dizendo que podem fazer um trabalho melhor, defendendo que não deveria haver fome, campos de concentração ou aquecimento global,” revela Millar. “Então a questão geracional é mais interessante, na minha opinião, do que apenas super-heróis lutando contra vilões. Não existem heróis e vilões ali, apenas pessoas com pontos de vistas diferentes.” 

Apesar da discussão de temas importantes, e de fazer alguns paralelos com o que estamos vivendo na sociedade atual, o autor conta que se esforçou muito para não forçar seu ponto de vista a ninguém. Assim, na verdade, não há uma única mensagem que O Legado de Júpiter tente transmitir. “Eu sempre penso que seu trabalho verdadeiro é entreter e, às vezes, você consegue entreter de um jeito duro. Você pode criar cenas que são difíceis de assistir mas que ainda são entretenimento, porque pra mim o entretenimento é simplesmente te manter focado em algo, para que você continue virando páginas ou clicando em próximo episódio,” conta.

Por isso, Millar trabalhou para que todos os personagens parecessem pessoas reais e, portanto, fossem complexos e com camadas. A motivação por trás disso foi baseada na vida real, uma vez que, segundo ele, ninguém acredita ser o vilão da sua própria história. “Eu acho que como um escritor você tem que perdoar todos os seus personagens e tentar entender o ponto de vista deles,” argumenta. 

Como o autor defende, os heróis mais velhos — como o Utópico — tiveram bons motivos para criarem o código e não agirem em situações trágicas da humanidade, como durante a Segunda Guerra Mundial. “Ele não vai libertar as pessoas dos campos de concentração, ele não vai acabar com a fome do mundo. Mas a motivação dele pra isso é bem poderosa, porque ele diz: ‘O que eu faço depois? Dito como será a política internacional? E as pessoas terminam sendo animais de estimação? Precisamos confiar na humanidade para resolver os seus próprios problemas.’ E ele só está ali pra ajudar as pessoas ao longo do caminho,” justifica Millar.

Isso, no entanto, não significa que os jovens heróis estejam errados em se rebelar contra este sistema. O escritor aponta que a nova geração também possui bons argumentos para ir contra o código: “Eles estão dizendo ‘Bem, nós deveríamos estar fazendo essas coisas. É eticamente errado a gente ficar de lado sem fazer nada.’” 

Longe de dizer quem tem razão nesse embate ideológico, Millar prefere que a história fale por si só:

“Eu prefiro apresentar um argumento complexo, ao invés de dar as respostas para alguém. Pode ser cansativo ver o ponto de vista de um escritor surgindo de todo personagem, sabe? Gosto da ideia de todo mundo ser um pouquinho certo e um pouquinho errado.”

A inspiração parar criar esse mundo complexo e cheio de drama veio de ninguém menos que Stan Lee. Afirmando que a mente criativa da Marvel era seu herói, Millar relembra de uma das frases mais marcantes do seu ídolo: “As melhores histórias de super-heróis são aquelas que acontecem fora da sua janela.” Afinal, é muito difícil se interessar e acompanhar personagens com os quais você não consegue se identificar. “Eu queria mostrar o mundo real atualmente, que é um lugar em que todo mundo está brigando, onde tudo está muito polarizado,” revela. “Eu queria fazer uma história de heróis sobre isso. Onde os jovens e os mais velhos estão se confrontando.”

Parceria com a Netflix

Acompanhando a produção desde o início, Millar afirma que teve uma experiência muito boa durante o desenvolvimento de O Legado de Júpiter, da qual ele também é produtor executivo. Isso porque o Millarverso faz parte da Netflix desde 2017, quando a plataforma de streaming adquiriu os direitos das produções:

“Acompanhei todo o processo, estive em todas as decisões, fosse uma mudança ou uma expansão da história. Eu estava nessas reuniões, então não tive nenhuma surpresa desagradável. Na verdade eu me senti muito bem, foi uma experiência muito colaborativa e até algumas semanas atrás, quando estávamos editando os momentos finais, nós trabalhamos juntos.”

Para adaptar as páginas dos quadrinhos para as telas, foi um longo processo três anos e meio para garantir que tudo saísse como o desejado. E parte disso se deve ao fato de que nada dos quadrinhos poderia ser deixado de fora. “Ao invés de cortar, nós expandimos e fizemos com que [a série] fosse maior que os quadrinhos,” elogia.

“É um processo incrivelmente longo, mas é muito gratificante quando ele dá certo. Eu tive muita sorte com todas as minhas adaptações porque não teve nenhuma que foi ruim,” reafirma Millar. “E deve ser horrível quando você chega ao fim desses três anos [de produção] e então você descobre ‘Oh meu Deus, isso é uma droga.’ Isso seria tão ruim! Mas eu tive muita sorte de estar sempre cercado de pessoas incríveis que fizeram um trabalho incrível.”

Chloe Sampson, uma das herdeiras do Legado de Utópico e Lady Liberdade

Contando que tem preparado os jovens atores para o sucesso que os personagens farão, Millar acredita que Chloe será a personagem mais adorada do público. Mesmo gostando muito de George Hutcherson, vivido por Matt Lancer na série, é Chloe sua personagem favorita:

“Eu amo Chloe! Chloe pra mim é a personagem central de tudo isso. Toda a história gira em torno dela. Você não nota isso logo de cara, e então você percebe pra onde a história está indo e o que ela tem que fazer. Ela parece a pessoa que vai decepcionar os pais no começo, mas a história dela segue por um caminho muito interessante,” confessa.

Animado com o que os fãs pensarão, Millar está ansioso para que a série seja lançada logo, confiante de que tudo correrá bem e uma segunda temporada seja confirmada: “A segunda temporada de um projeto é mais rápido porque a estrutura já existe. Então que Deus permita que as pessoas gostem dessa série tanto quanto nós gostamos, aí acho que vai ser mais rápido.” 

A primeira temporada de O Legado de Júpiter chega na Netflix dia 7 de maio.

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