Crítica: Cruella é o filme que todo remake live-action da Disney deveria ser

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Crítica: Cruella é o filme que todo remake live-action da Disney deveria ser

Por Gus Fiaux

Mais um ano, mais um novo remake live-action de alguma animação clássica da Disney. Contudo, Cruella segue outra rota e em vez de se guiar como uma adaptação de 101 Dálmatas, é o filme que tenta descobrir e explorar mais do passado de Cruella De Vil, a grande vilã conhecida por querer transformar cachorrinhos em casacos de pele.

O filme é dirigido por Craig Gillespie e protagonizado por Emma Stone no papel da icônica vilã – que aqui é retratada como Estella, uma menina que quer ser famosa tornando-se estilista, até que um encontro com uma figura importante de seu passado desperta nela algo mais sombrio. Cruella já está disponível nos cinemas mundiais e no Disney+, através do Premier Access – então você pode conferir aqui a crítica do filme!

Ficha Técnica

Título: Cruella

 

Direção: Craig Gillespie

 

Roteiro: Dana Fox, Tony McNamara e Aline Brosh McKenna

 

Ano: 2021

 

Data de lançamento: 28 de maio (Disney+/Premier Access)

 

Duração: 134 minutos

 

Sinopse: Na Londres dos anos 70, durante a revolução punk, uma jovem estilista chamada Estella está determinada a fazer uma carreira com seus designs. Ao conhecer uma baronesa, Estella passa por uma grande transformação, aflorando seu lado mais sombrio e se tornando a louca, estilosa e vingativa Cruella.

Cruella é o filme que todo remake live-action da Disney deveria ser

Já virou hábito: todos os anos, a Disney anuncia e lança uma penca de remakes em live-action de suas animações mais clássicas. Os fãs mais nostálgicos entram em êxtase com a possibilidade de ver essas histórias recontadas nos cinemas, enquanto os mais realistas se decepcionam por ver filmes sendo refeito sem nenhum esmero técnico, só porque o estúdio sabe que vai lucrar com base no quão amados são seus longas animados. Já vimos isso acontecer aos montes nos últimos anos, em filmes como AladdinO Rei Leão A Bela e a Fera – produções que, apesar dos seus méritos técnicos, nunca conseguem fugir da sombra do original.

Isso gerou um movimento contrário dentro do próprio estúdio, onde diretores e roteiristas tentam se afastar ao máximo do material original. E embora alguns desses filmes façam relativo sucesso comercial, como Mulan e Dumbo, o público se sente traído por não ver algo extremamente fiel a outros filmes que já existem. Porém, em 2021, parece que a Disney finalmente encontrou a resposta perfeita para o “problema” de seus remakes live-action. E essa resposta se chama Cruella.

Em desenvolvimento desde 2013, o longa parecia que nunca iria sair do papel. O estúdio tentou dar início à produção diversas vezes, mas sempre havia algum tipo de empecilho – o maior deles sendo uma questão ética. Afinal de contas, como tornar Cruella De Vil, a assassina de cachorros em 101 Dálmatas, uma personagem ‘gostável’? O resultado está diante de nós, com Emma Stone protagonizando no papel de uma jovem Estella, a mulher cheia de sonhos e ideias que ainda não se tornou essa personagem – e que nem irá se tornar.

O mais grandioso a respeito de Cruella é que fica claro, desde o começo, que essa é uma história do ponto de vista da vilã. Ela não é a pessoa mais idealista e confiável do mundo, o que contamina toda a veracidade de seu conto – mas também há uma certa explicação do que vimos em 101 Dálmatas, algo resolvido em uma única linha de diálogo que explica como o filme animado original pode ser uma história pela visão enviesada de um de seus personagens.

Nesse ponto, o filme passa a divergir diretamente de Malévola, um dos primeiros longas da Disney que tentou dar uma “subvertida” à história de uma das vilãs mais malignas de todos os tempos. Se o longa de 2014 protagonizado por Angelina Jolie tenta mostrá-la o tempo todo como uma heroína incompreendida, Cruella faz o oposto: explica porque a personagem é cruel, ainda que dê traços de redenção e de originalidade à sua história, além de excluir por completo a ideia de maus-tratos animais, já que isso iria contra a política atual do estúdio.

Na trama, Estella é deixada órfã e acredita ser a responsável pela morte de sua mãe. Ela cresce nas ruas de Londres, junto de dois ladrões muito experientes – e aí nasce seu lado mais esquivo e “incorreto”, embora ela faça o que faz apenas para poder sobreviver. Estella não deixa de acreditar em um futuro melhor e começa a se interessar por moda, aspirando se tornar uma estilista famosa. E é aí que ela conhece a Baronesa von Hellman, uma mulher que comanda um império estilístico.

A questão da moda é um tema central do filme e é levado aos extremos. No cerne da trama, temos essa “batalha” de Estella/Cruella contra a Baronesa, cada uma querendo se mostrar melhor que a outra. E é justamente nesse clima de competição que temos um verdadeiro show do departamento de figurino. Todos os visuais do filme não são apenas belíssimos, como ajudam também a criar um embate entre o tradicional e o contemporâneo, algo que fica bem evidenciado quando Cruella faz uma de suas primeiras aparições públicas, com os dizeres “o futuro” escritos em seu rosto.

Esse esmero visual não parte apenas das roupas, mas também da reconstrução de época para trazer a Londres dos anos 70 à vida – e o filme não deixa barato, explorando uma efervescência que viria a se tornar o movimento punk, ao mesmo tempo em que consegue soar tão exagerado e caótico que carrega consigo uma boa dose de camp. Até o humor não perde essa pitada de espetáculo, optando por piadas mais rápidas intercaladas com gags visuais e até mesmo comédia física – e aqui, temos um balanço inacreditável, já que o filme sabe também descer aos seus pontos mais sombrios sem precisar de piadinhas o tempo inteiro para quebrar a tensão para o público mais jovem.

O que Craig Gillespie (do remake de A Hora do Espanto e Eu, Tonya) faz aqui é criar um filme com tanta energia e personalidade que ele nem sequer parece ser inspirado em uma propriedade intelectual anterior. Isso fica nítido até nas referências, que são inseridas de modo muito orgânico e não dependem de cenas que “param a trama” para que o público possa ficar dizendo “olha só, aquilo ali estava no desenho!” E considerando que há vários easter-eggs e referências espalhados pela longa duração de duas horas e catorze, considero uma vitória.

A ambientação através da trilha sonora também é deliciosa, embora algumas escolhas musicais sejam óbvias demais e só sirvam para reforçar algo que já está sendo mostrado em tela. É, ao mesmo tempo, o ponto mais forte e um dos pontos mais fracos do filme. Seria melhor se Gillespie tivesse reduzido um pouco a inserção das músicas e excluído as mais famosas, já que quase sempre são usadas em contextos parecidos com os que o próprio filme apresenta.

Mas isso não tira o brilho e a qualidade de Cruella, como um todo. O filme tem uma força exemplar não apenas por se mostrar diferente de 101 Dálmatas (e seu remake live-action de 1996), como também por criar uma história sólida e bem desenvolvida em cima de sua protagonista, com reviravoltas clichês que funcionam aqui justamente por que o longa nos conduz por uma jornada ao lado de Estella/Cruella, onde nos importamos com a personagem ao mesmo tempo em que repudiamos algumas de suas ações.

Cruella acaba sendo uma lição para a Disney e sua produção em massa de remakes. Faz muito mais sentido contar uma história sob uma nova ótica que tentar recriar esses clássicos, já que eles são clássicos por um motivo. E, além disso, é um filme que também dá um banho em produções como Esquadrão Suicida Venom, que tentam a todo custo mostrar vilões como figuras positivas e incompreendidas. Às vezes, a bondade é cruel e a crueldade é boa.

Nota: 4,5/5

Cruella está disponível no Disney+, através do Premier Access.

Abaixo, veja tudo o que você precisa notar no primeiro trailer do filme: