Crítica: Sombra e Ossos, Temporada 1

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Crítica: Sombra e Ossos, Temporada 1

Por Melissa de Viveiros

Lançada na última sexta-feira (23), Sombra e Ossos chegou conquistando crítica e público com sua trama, efeitos e vasto universo. Uma adaptação do Grishaverse de Leigh Bardugo, a série tinha como tarefa conciliar dois núcleos encontrados nos livros, encaixando os personagens de Six of Crows: Sangue e Mentiras na trama de Sombra e Ossos, primeira obra da trilogia que deu nome à produção.

A história pode parecer clichê no princípio, quando acompanhamos a protagonista Alina Starkov descobrir seus poderes únicos e se separar de tudo que conhece para aprender a dominá-los. Essa impressão, no entanto, não se sustenta: Sombra e Ossos tem muito a oferecer além de clichês. Se você quer saber mais sobre o mais novo sucesso da Netflix e conferir nossa opinião sobre a primeira temporada da série, veja aqui a nossa crítica!

Ficha Técnica

Título: Sombra e Ossos

Criação: Eric Heisserer, baseado na obra de Leigh Bardugo

Direção: Mairzee Almas, Lee Toland Krieger, Dan Liu, Jeremy Webb e Eric Heisserer

Ano: 2021

Data de lançamento: 23 de abril

Número de episódios: 8

Sinopse: Em um mundo destruído pela guerra, a órfã Alina Starkov descobre que tem poderes extraordinários e vira alvo de forças sombrias.

Alina e Kirigan

Sombra e Ossos assombra e encanta fãs novos e antigos de maneira épica

A história da protagonista que descobre possuir poderes incríveis, que podem impactar todo o destino do mundo, não é novidade nas narrativas de livros focados no público jovem adulto, ou nas obras que os adaptam. Existem diversos universos mágicos intrincados e diversas heroínas de ficção fantástica, Sombra e Ossos sendo mais uma série a apresentar tais elementos. Ainda assim, a produção não poderia estar mais distante de ser apenas mais do mesmo, conseguindo cativar com a originalidade com a qual apresenta sua história.

Neste universo, conhecemos os Grisha, pessoas com habilidades especiais diversas. Alguns deles possuem talentos para manipular um elemento, sendo os Conjuradores que controlam o ar, o fogo e a água. Outros têm domínio sobre o corpo humano, podendo ser Curandeiros ou Sangradores, ou seja, utilizando seus poderes para cura ou combate. Por fim, há os Fabricadores, pessoas com a capacidade de manipular materiais, sendo talentosos com químicos e podendo modificar objetos a nível molecular.

A trama é protagonizada por Alina Starkov (Jessie Mei Li), uma órfã que descobre ter o poder único de conjurar a luz do sol. A descoberta muda tudo não apenas para ela, como para todo seu país, Ravka. Isso porque as habilidades de Alina são a esperança de todos de que a Dobra, um enorme trecho coberto por escuridão e habitado por monstros que dividiu o país em dois, finalmente possa ser destruída. Mas nem tudo é o que parece, e enquanto aprende a controlar seus poderes, a jovem descobre que as verdadeiras ameaças podem estar mais perto do que parecem.

Em meio a isso, outros personagens na órbita da mocinha também recebem suas próprias tramas. Malyen Oretsev (Archie Renaux), um rastreador que faz parte do Primeiro Exército de Ravka e amigo de infância de Alina, tem que encontrar seu caminho após a separação da dupla. Também descobrimos mais sobre o misterioso General Kirigan (Ben Barnes), que possui um poder tão único quanto o da personagem principal, podendo conjurar sombras.

O ponto central da série é Alina, tal qual na trilogia Grisha que ela protagoniza. Apesar disso, a versão da Netflix traz também os protagonistas de outra obra de Bardugo. Embora nem todos os seis estejam presentes, a trama apresenta a cidade de Ketterdam ao público, introduzindo Kaz Brekker (Freddie Carter), Jesper Fahey (Kit Young) e Inej Ghafa (Amita Suman). Outro núcleo tem foco em Nina Zenik (Danielle Galligan) e Matthias Helvar (Calahan Skogman). Enquanto estes últimos vivem a história já conhecida pelos leitores, o trio de Ketterdam recebeu uma trama inteiramente original, trazendo novidade mesmo para quem já é familiar com os livros.

Jessie Mei Li como Alina

Sombra e Ossos não é a primeira tentativa da plataforma de streaming de emplacar uma série de fantasia voltada para o público jovem, mas é a mais bem sucedida. Com personagens extremamente carismáticos e um elenco muito talentoso, Ravka e o restante deste universo foram trazidos à vida com primor. O roteiro conseguiu unir pontos fortes de ambas as obras em que se baseia, ainda que mudanças tenham sido feitas devido à necessidade gerada pelas diferenças de um meio para outro. Em quesitos técnicos, desde figurinos à efeitos especiais, a produção surpreende com sua qualidade, indo muito além do padrão da Netflix.

Como a maior parte do elenco, Jessie Mei Li não é uma atriz muito conhecida, mas assim como o restante, consegue brilhar em seu papel. A escolha dela para o papel de Alina surtiu efeito mesmo dentro da história, adicionando mais profundidade à trajetória da personagem. A protagonista se torna mais complexa e real quando vemos que seus motivos para se sentir excluída e duvidar de si mesma vem dos preconceitos que sofre por sua aparência, indicando sua herança estrangeira que a torna alvo de preconceito em seu próprio país. Ao invés de cair no padrão batido de “mocinha que se acha feia e comum mesmo quando todos a veem como extraordinária”, Sombra e Ossos apresenta motivos concretos pelos quais ela se sentiria assim, tendo sido vítima de preconceito por toda sua vida.

Archie Renaux convence como Mal, fazendo um bom trabalho ao interpretar um personagem que se importa muito com sua melhor amiga, mas não percebe o quanto até tarde demais. Ainda assim, o maior destaque para o trio que estrela esta parte da história é também o maior veterano. Ben Barnes rouba a cena com sua imponência como o General Kirigan, e brilha ainda mais ao deixar transparecer o que está sob a superfície e o mistério. Não é um trabalho fácil manter o carisma e a vulnerabilidade de um personagem disposto a fazer coisas terríveis, mas isso nunca parece ser um desafio para o ator, que cumpre seu papel com naturalidade.

O trio de Ketterdam também chama a atenção. Kit Young está completamente à vontade no papel do carismático atirador e apostador cheio de lábia, e Freddie Carter é bem sucedido em manter a seriedade de um personagem estoico enquanto diz tanto através de olhares. Ainda assim, é Amita Suman em particular quem conquista com a maneira em que interpreta a talentosa e furtiva jovem que, apesar de fazer parte da gangue, se mantém firme em sua moral e crenças.

Amita Suman como Inej

Quando nos voltamos para o roteiro, a obra não apresenta grandes falhas, embora conte com alguns problemas. A estrutura da trama por si só não traz nada elaborado o suficiente para que seja considerada surpreendente. Ainda assim, há mérito em a história ser bem fechada e coerente com si mesma. Um universo fantástico não é justificativa para que a trama não faça sentido, e Sombra e Ossos não cai neste problema que já acometeu outras grandes produções do gênero.

Para aqueles já familiares com os livros, que tinham medo que a adaptação não fizesse jus ao original, não há o que temer. Nem tudo funciona do mesmo modo, mas a série é o mais fiel o possível ao mesmo tempo em que apresenta situações novas e surpreendentes que, ainda assim, nunca parecem incoerentes com a obra ou os personagens. Isso possibilita algumas interações muito interessantes que não são possíveis nos livros. Quem espera que tudo seja idêntico pode não apreciar, embora aqueles que venham de coração aberto devam gostar da novidade que as mudanças trazem.

Os problemas da série vêm com o ritmo e os diversos conceitos apresentados na construção de mundo. No caso do primeiro, o que ocorre é que com muitos personagens e núcleos, certas partes da trama por vezes parecem andar rápido demais. A relação de Nina e Matthias, ou mesmo a amizade de Genya e Alina, acabam sofrendo por não terem tempo o suficiente para se desenvolverem de forma mais natural. Isso custa à produção, já que momentos que dependem da ligação emocional entre estes personagens se tornam menos impactantes do que poderiam ser.

Já o segundo problema se dá porque o mundo do Grishaverse é vasto, e a série não se preocupa em estabelecer certas coisas tão bem quanto deveria. Muitos termos utilizados nos livros são mantidos aqui, mas utilizados sem uma explicação. Isso complica a compreensão por parte dos novos espectadores, que podem não entender tão bem porque certas coisas importam ou o que significam.

Há um diálogo, por exemplo, onde uma personagem cita merzost, sem explicar que o termo se refere à magia real e inexplicável, diferente das habilidades dos Grisha, que são chamadas de Pequena Ciência. Embora possa parecer trivial, este é um detalhe importante a ser estabelecido, principalmente por trazer um novo e perigoso poder para a história com o qual Alina terá que lidar no futuro. Também não há uma explicação clara o bastante quanto às cores que os Grisha vestem, embora elas tenham significado. Isso faz com que elementos que deveriam ser significativos, e que a própria série sugere ser o caso, acabam passando despercebidos.

Ainda assim, estes são detalhes, e a qualidade geral da obra não sofre com isso. Todos seus pontos fortes são combinados a belos figurinos e efeitos especiais de grande qualidade, tornando a produção ainda mais grandiosa e bem feita. Com todos os poderes e magia, seria fácil que a Netflix entregasse um produto com efeitos mais ou menos por conta do custo para produzi-los, mas isso não acontece aqui.

Nina e Matthias

Nota

Apesar de seus pequenos tropeços, Sombra e Ossos apresenta um mundo fantástico incrível e uma história que apesar de contar com diversos clichês, traz frescor a um gênero batido. Sair do cenário tradicional europeu para um universo inspirado na Rússia ajuda, mas o que garante personalidade à produção é o carisma de seus personagens e a maneira como são trabalhados. A diversidade presente na série também contribui para isso. Não só vemos um elenco diverso em uma obra que não tem medo de mostrar o preconceito que ações aparentemente pequenas reforçam, como também vemos um universo onde, em meio a tantas guerras e conflitos, relacionamentos entre casais de todos os tipos são completamente normais.

Há algo aqui tanto para fãs novos quanto para antigos. A série consegue manter um equilíbrio que muitas adaptações falham em atingir, o que também é verdade quando se trata do modo como clichês são empregados sem tornar tudo batido e repetitivo. Andando sobre a linha entre o encantador e o assombroso, não há como negar o sucesso da produção. A conclusão da temporada sugere que ainda há muito por vir e, com a qualidade deste início, é difícil não querer mais imediatamente.

Nota: 4.5/5

A primeira temporada completa de Sombra e Ossos está disponível na Netflix.

Se você ainda não conferiu a série, pode se preparar com esta lista: