Crítica: Rua do Medo 1994 conquista com horror aventuresco e sangrento

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Crítica: Rua do Medo 1994 conquista com horror aventuresco e sangrento

Por Arthur Eloi

De onde surgem os fãs de terror? Os primeiros contatos com a desgraceira é algo muito conversado dentro da comunidade. Por mais que seja comum o fascínio por assistir escondido obras adultas, ou a lembrança daquele primeiro filme que te traumatizou, há todo um segmento de horror dedicado para o público infantojuvenil – e quando se trata de sustos na adolescência, R.L. Stine é o mestre.

O autor se tornou responsável pelos primeiros pesadelos de muita gente com sua saga de livros Goosebumps, que ganhou série de TV nos anos 90 e dois filmes em 2015 e 2018, respectivamente. Agora, o terror juvenil de Stine ganha roupagem adulta e sangrenta pelas mãos da Netflix, na trilogia Rua do Medo.

Ficha técnica

Título: Rua do Medo: 1994 – Parte 1
Direção: Leigh Janiak
Roteiro: Phil Graziadei e Leigh Janiak
Ano: 2021
Data de lançamento: 2 de julho de 2021
Duração: 107 minutos
Sinopse: Depois de uma série de assassinatos brutais, um grupo de adolescentes enfrenta uma força maligna que aterroriza a cidade de Shadyside há séculos.

Rua do Medo: 1994 entrega horror com tom de aventura

Medo Adolescente

Adaptação dos livros homônimos que lançaram Stine ao sucesso, Rua do Medo acompanha os moradores de Shadyside, uma pequena cidade dos Estados Unidos que parece ser amaldiçoada: ao longo dos séculos, o lugar é marcado por atos horríveis de violência. Quando novos assassinatos passam a ocorrer no ano de 1994, o casal Deena (Kiana Madeira) e Sam (Olivia Scott Welch) começa a suspeitar de forças do além por trás das bizarrices – e uma das duas pode ter conexão direta com os crimes sangrentos.

A Netflix preparou uma trilogia para Rua do Medo, inteiramente dirigida por Leigh Janiak e ambientada na cidade de Shadyside, mas com tramas em diferentes épocas, para realmente ilustrar o passado sombrio do lugar.

A Parte 1, que se passa nos anos 90, dá o tom da obra. Muitos dos trejeitos marcantes do trabalho de R.L. Stine estão presentes aqui, como os protagonistas jovens que são forçados a encarar o mal enquanto os adultos são, em grande maioria, omissos ou imprestáveis. Além do casal principal, o grupo de protagonistas é todo formado por arquétipos, como o nerd Josh (Benjamin Flores Jr.), o valentão bobo Simon (Fred Hechinger), e a líder de torcida Kate (Julia Rehwald). Essa combinação, que já foi tão explorada ao longo dos anos, dá um gostinho aventuresco para o filme, e funciona bem não só pelos diálogos afiados, mas também pelo carisma do elenco principal.

Elenco é um dos destaques do filme

Deena e Sam são particularmente interessantes pela forma que o filme desenvolve o relacionamento conturbado do casal, que passa por um término cheio de sentimentos mal resolvidos. Olivia Scott Welch não se destaca tanto como Sam, mas Kiana Madeira rouba a cena como Deena, entregando em sua performance a angústia adolescente de alguém que passa por problemas em casa e nos relacionamentos mas que ainda não sabe como colocar em palavras esse turbilhão de emoções, além de ser altamente habilidosa quando a situação engrossa. A dupla formada por Fred Hechinger e Julia Rehwald é outro destaque. Como os amigos Simon e Kate, os dois são prestativos, mas também demonstrar um lado mais provocador e ocasionalmente perverso e ácido da juventude.

O que contrasta com a leveza trazida pelos personagens é a tensão das perseguições e a violência gráfica. A diretora Leigh Janiak economiza no sustos, mas conduz muito bem o suspense das fugas e das descobertas de bruxaria feitas pelo grupo. Ao ritmo que a trama avança e os corpos começam a se acumular, as mortes se tornam mais intensas e explícitas. É certo que os efeitos em computação gráfica deixam um pouco a desejar, mas é sempre impactante ver gente sendo fatiada ou levando uma machadada na cabeça.

Vale pontuar o visual de encher os olhos. Pelos corredores vazios do shopping, no mercado fechado, ou apenas nas ruas escuras, tudo é iluminado pelas vibrantes e sombrias luzes de neon, que transformam o encontro dos jovens com o sobrenatural em um seduzente pesadelo em azul, vermelho e rosa.

Rua do Medo: 1994 não economiza no neon

Qual seu filme de terror favorito?

O que torna Rua do Medo tão interessante é que o filme é simultaneamente uma homenagem aos slashers e um ótimo exemplo de produção do subgênero do terror focado em maníacos assassinos. Muito disso se dá pela clara reverência da Parte 1 à Pânico (1996).

A produção da Netflix segue a mesma lógica do clássico de Wes Craven ao brincar com clichês e ter personagens que entendem as regras de filmes de terror, ainda que sem abraçar por completo a metalinguagem. Colocar o longa como inspiração faz sentido não só pela década em que a trama se passa, mas também pelo fato de que Leigh Janiak trabalhou brevemente com Craven pouco antes da morte do cineasta, ao comandar um episódio de Pânico: A Série de TV em 2015, que teve o criador da franquia como produtor-executivo.

Ajuda que a trilha sonora aqui seja feita por Marco Beltrami, mesmo compositor dos quatros filmes de Pânico, mas nada deixa a homenagem mais evidente do que a cena de abertura que, assim como na obra de 1996, traz uma atriz popular para ser assassinada nos minutos iniciais, com o restante do longa estrelado em grande parte por atores desconhecidos ao grande público. No original foi o caso de Drew Barrymore. Aqui é a vez de Maya Hawke, de Stranger Things e Era Uma Vez em Hollywood.

Drew Barrymore em Pânico (1996), e Maya Hawke em Rua do Medo: 1994 – Parte 1 (2021)

Mas Pânico não é o único homenageado por Rua do Medo. O filme também demonstra seu carinho pela franquia Halloween, seja ao recriar a icônica cena do assassino encarando suas vítimas pela janela, ou então em utilizar um hospital como cenário para um massacre, assim como em Halloween 2 – O Pesadelo Continua (1981). Os próximos capítulos da trilogia devem mergulhar em outras referências, mais adequadas para as novas décadas de cada trama, e a Parte 1 já sinaliza que sua sucessora prestará respeitos à Sexta-Feira 13 – Parte 2 (1981), com jovens cheios de hormônios sendo brutalmente assassinados em um acampamento, por um maníaco de machado e saco na cabeça.

Parte por Parte

O longa tem algumas contradições narrativas. Ora deixa muita coisa em aberto, ora explica demais sua mitologia. Como filme isso pode soar confuso, mas faz sentido se for encarado como uma minissérie, algo reforçado até pelo esquema original de distribuição, com um novo capítulo da trilogia a cada semana. Por esse viés, a primeira parte é um acerto na hora de estabelecer a base para o que está por vir, tendo iniciado a trama com bastante ação e violência, mas escondendo muitos mistérios sobre a natureza perversa da cidade. Além dos assassinatos, os próximos capítulos devem mergulhar cada vez mais fundo no sobrenatural, com assassinos fantasmagóricos e bruxaria perturbando os moradores de Shadyside.

Parte 1 da trilogia, filme deixou muitos mistérios a serem resolvidos

Além de mostrar o potencial do que vem pela frente, Rua do Medo: 1994 conquista por ser um slasher autoconsciente o bastante para subverter as expectativas do público, mas sem entrar no território de paródia ou ironia excessiva. A diretora Leigh Janiak entrega horror com gostinho aventuresco, banhado igualmente em sangue e neon. Entre dramas adolescentes e machadadas, o filme mata as saudades do subgênero com uma obra original, que respeita os clássicos sem se perder na homenagem.

Nota: 4/5