Crítica: Espíritos Obscuros confunde sisudez com profundidade

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Crítica: Espíritos Obscuros confunde sisudez com profundidade

Por Gus Fiaux

Após ser adiado algumas vezes por conta da pandemia do COVID-19, Espíritos Obscuros acaba de ser lançado no cinema, carregando pomposamente o nome de Guillermo del Toro como um de seus produtores. No filme, somos apresentados a um garotinho estoico e calado que esconde um segredo terrível, já que um monstro vive em sua casa – e isso leva sua professora a investigar mais de sua vida.

Protagonizado por Keri RussellJesse Plemons Jeremy T. Thomas, o terror é uma co-produção dos Estados Unidos, México e Canadá – e se você já viu algum trailer ou pôster do filme, deve saber que ele lida diretamente com uma das lendas mais interessantes do folclore norte-americano. Porém, infelizmente, ele se leva tão a sério que não consegue desenvolver direito seus (vários) temas.

Ficha Técnica

Título: Espíritos Obscuros (Antlers)

 

Direção: Scott Cooper

 

Roteiro: C. Henry Chaisson, Nick Antosca e Scott Cooper

 

Data de lançamento: 28 de outubro de 2021

 

País de origem: Estados Unidos

 

Duração: 1h 39min

 

Sinopse: Uma professora de uma pequena cidade no Oregon e seu irmão, o xerife local, se entrelaçam com um jovem aluno que guarda um segredo perigoso com consequências assustadoras.

Espíritos Obscuros está em cartaz nos cinemas.

Espíritos Obscuros tenta muito e acerta pouco

Em 2019, o roteirista Nick Antosca conquistou ainda mais prestígio ao lançar o conto “The Quiet Boy”. O artista já havia se consagrado entre os fãs de terror por suas várias produções bem peculiares, que vão da antologia Channel Zero, a premiada The Act e, mais recentemente, a deliciosa balbúrdia visceral Vingança Sabor Cereja. Em seu conto, no entanto, ele adentra um reino ainda mais sombrio ao contar uma história calcada em abuso, monstros e folclore. E agora, essa obra está sendo lançada nos cinemas através do filme Espíritos Obscuros.

E o papel de Antosca vai muito além de ser o fornecedor do texto base, já que ele assina como roteirista ao lado de Scott Cooper, o próprio diretor do filme. A trama começa quando uma professora de ensino fundamental, recém chegada em sua cidade natal, começa a notar padrões comportamentais estranhos em um aluno. Aos poucos, ela se envolve em uma trama maior e precisa lidar com o fato de que o garoto esconde um monstro em sua própria casa.

É uma premissa interessante, definitivamente, mas o que realmente garante “popularidade” ao longa é outro nome carimbado no pôster: Guillermo del Toro. O diretor de O Labirinto do Fauno A Forma da Água se tornou um dos produtores de terror mais concorridos nos últimos anos, rivalizando com grandes nomes como James Wan e até mesmo Sam Raimi – porém, esse talvez seja outro filme de qualidade questionável em sua carreira quase perfeita.

Julia Meadows (Keri Russell) precisa proteger seu aluno Lucas (Jeremy T. Thomas) de um monstro que vive na casa dele.

Veja bem, não é que Espíritos Obscuros seja um filme de terror necessariamente ruim. Na verdade, há muito a se elogiar aqui – principalmente no que diz respeito à direção de Scott Cooper, que consegue imprimir uma imagética densa e nebulosa, aproveitando o melhor e o pior das terras geladas do Oregon para criar uma narrativa igualmente fria e sisuda. São pouquíssimos os momentos “leves”, mas o filme encontra justificativas para isso ao usar um tom de cores mais sóbrio e com um uso eficaz de luz e sombras para compor tensão.

O problema, entretanto, tem raízes nisso. Embora a estética seja interessante e consiga criar uma atmosfera palpável – ao menos, até o uso excessivo de computação gráfica no final -, o filme está sempre tentando parecer mais profundo e complexo do que realmente é. Parte disso parece vir da necessidade de conferir seriedade a um dos temas centrais da história: abuso doméstico violência infantil.

Se você é do tipo que gosta de olhar para filmes e séries de terror e sair gritando aos quatro ventos: “não é só uma história, é uma metáfora!“, Espíritos Obscuros até parece ser um prato cheio a princípio – ainda mais quando ele faz uso de algumas simbologias interessantes, como os reflexos vistos na água, em espelhos e outras superfícies, que indicam como uma personagem X “se enxerga” em um personagem Y. Porém, essa mensagem vai enfraquecendo aos poucos.

Para um filme que abusa de um festival de clichês, Espíritos Obscuros se leva a sério demais.

O filme não consegue ir além dos clichês para explorar o tema de abuso – um exemplo claro disso é como ele faz uso de pinturas e desenhos perturbadores feitos por Lucas Weaver, o tal menino com um “segredo sombrio”. Mais do que isso, ele segue rumos categoricamente premeditados, fazendo até mesmo intervalos periódicos entre as cenas de sustos, com durações equivalentes entre si. Quem é fã de horror já vai entender exatamente os percalços que a trama vai tomar.

Só que, para um filme que tenta tanto tratar seu fio condutor com seriedade e frieza, o final destoa completamente e se torna um festival de mau gosto. Se em uma das cenas a professora interpretada por Keri Russell fala sobre como todas as fábulas e contos folclóricos trazem uma “lição de moral” muito evidente, a lição que o filme parece passar é: “abuso e violência só leva a mais abuso e violência e, no fim, não há esperança para a humanidade”. Claro, é um chavão que até faz sentido se você tiver uma perspectiva mais cínica, mas que contradiz todo o resto do enredo e nos faz pensar “então pra que tudo isso?“.

E não é que nenhum filme tenha obrigação de “dar uma lição de moral”, mas a questão é que Espíritos Obscuros parece o tempo todo estar se esforçando para dar uma. Então, enquanto exercício estético, ele até se encontra em sua ambientação congelante. Mas como narrativa, ele é enfraquecido constantemente por um sentimento de grandeza e uma necessidade de ser mais do que é. Se fosse só um filme de monstro, seria muito mais efetivo.

Pelo menos, o gore é garantido!

Dito isso, quando quer causar medo, ele consegue. O horror do filme inclusive deriva de mais de um lugar: há tanto a questão sobrenatural, mas também o body horror, o gore e o terror psicológico convergindo em frontes bem diferentes. O monstro em questão é uma criatura conhecida do folclore nativo americano e, se você prestar atenção ao título original (“Antlers” significa “galhada”), deve matar a charada sem muita dificuldade. O próprio design da criatura é interessante e traz algo horripilante mais para o final (que envolve uma “máscara”), apesar do forte CGI.

É claro que há uma problemática grande aqui – já que o filme se apropria de uma crença dos nativos americanos e a usa como fonte de horror e morte ignorando todo o significado cultural e espiritual dessa entidade – enquanto joga todo o foco da narrativa para um elenco quase que exclusivamente branco. É tipo a versão mais séria e “quero-ser-classuda” de A Maldição da Chorona, o que certamente fará com que alguns se incomodem – com razão – das decisões tomadas.

No fim, Espíritos Obscuros tem potencial e não é de todo ruim, mas se perde em um visual excessivamente polido e numa mania de se autoafirmar como um terror “sério de verdade”, enquanto reduz seus personagens a arquétipos básicos sem nenhum tipo de sutileza – e com um final que vai fazer você perder (ainda mais) a fé na humanidade. Não foi hoje que a assinatura de Guillermo del Toro foi garantia de qualidade absoluta ou sucesso.

Espíritos Obscuros está em cartaz nos cinemas brasileiros.

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