Crítica: Anônimo dá oportunidade para Bob Odenkirk brilhar como astro de ação

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Crítica: Anônimo dá oportunidade para Bob Odenkirk brilhar como astro de ação

Por Arthur Eloi

Recentemente, o nome de Bob Odenkirk pegou as manchetes e os Trending Topics das redes sociais graças a um susto: o ator havia sofrido complicações cardíacas no set de Better Call Saul, e precisou ser hospitalizado. O desfecho foi positivo, e Odenkirk se recupera do susto. Curiosamente, na mesma semana, chega aos cinemas brasileiros Anônimo, filme de ação que prova a capacidade do ator para, enfim, ser protagonista.

Ficha técnica

Título: Anônimo (Nobody)
Direção: Ilya Naishuller
Roteiro: Derek Kolstad
Ano: 2021
Data de lançamento: 29 de julho
Duração: 92 min
Sinopse: Uma testemunha que decide ajudar uma mulher que sofre assédio por um grupo de homens se vê na mira de um vingativo chefão do crime

A revolta do homem comum

Anônimo surge da mente de Derek Kolstad, o mesmo roteirista da trilogia John Wick, e é possível ver muitos paralelos com a franquia de Keanu Reeves. Quando o primeiro filme, de 2014, se tornou um sucesso, deu origem a duas sequências e também inspirou uma pequena tendência de obras de ação, como Atômica e Miss Bala. Aqui, porém, parece que Kolstad já entra em um ritmo de desconstruir as bases do próprio trabalho.

A trama acompanha Hutch Mansell (Bob Odenkirk), um homem sem nada de especial. Muito pelo contrário, ele se vê apagado até dentro da própria existência mundana, preso em um relacionamento frio com a esposa, alvo do descaso do filho mais velho, e sem nenhuma perspectiva de futuro em um trabalho de escritório sem graça. Essa vida pacata esconde uma espécie de matador de aluguel altamente habilidoso, sedento por adrenalina. Hutch cede ao desejo quando decide bater em um grupo de homens bêbados que assediavam uma mulher aleatória em um ônibus noturno. O problema surge quando uma das vítimas se revela irmão de um importante mafioso russo, que decide caçar quem é o homem anônimo que agrediu sua família.

O passado de Hutch é pouco elaborado, e isso cria uma atraente aura de mistério em volta do personagem. O espectador pode colher uma ou outra migalha de informação, como saber que seu pai – vivido por Christopher Lloyd, o Doc Brown de De Volta para o Futuro – é um ex-agente da CIA, ou que o protagonista é uma espécie de veterano, mas não há respostas concretas. A técnica já havia funcionado com a figura de Keanu Reeves, e novamente demonstra ser um acerto, que deixa o público criando cenários e explicações na própria mente. O que Anônimo garante, porém, é que Hutch não é alguém para se irritar – ainda que suas motivações sejam muito diferentes dos demais heróis de ação.

John Wick já brincava com o clichê do protagonista vingativo e melancólico, trocando o catalisador da esposa falecida (ainda que essa exista também) por um cachorro assassinado. Aqui, o descontrole de Hutch não é necessariamente por vingança, mas sim pelo desejo de retomar algum tipo de controle em sua vida. Cada vez mais, ele parece se perder dentro da própria existência, numa tediosa rotina de ônibus sujos e tarefas incompletas, como repetidamente esquecer de botar o lixo para fora. Hutch sequer leva o pão para casa; quem traz a grana é, na verdade, a sua esposa. Quando decide descer a mão nos assediadores, acima do desejo de ajudar alguém em risco, ele só quer se sentir útil pela primeira vez em muito tempo.

Neste aspecto, Anônimo é muito mais Um Dia de Fúria do que John Wick. O filme lida com a ideia de homens inicialmente relutantes ao uso de violência, mas que enxergam a agressão como a única forma de sair de um estado de emasculação, de se reafirmarem. É uma abordagem bastante comum – só ver quantos filmes de apocalipse têm com objetivo um pai se reaproximar da família -, mas aqui parece usada de forma um pouco sarcástica. Há certo humor no longa, que parece ‘dar uma piscada’ pro espectador, como se afirmasse que entende que a própria premissa é rasa.

Diretor de Hardcore: Missão Extrema, o cineasta russo Ilya Naishuller é alguém para se ficar de olho (bônus para David Leitch, de John Wick e Deadpool 2, no fundo da foto)

O mais decepcionante é que o filme não sabe exatamente se foca no drama ou na ação. O primeiro é pouco desenvolvido e bastante desinteressante, enquanto a segunda é acima da média para Hollywood, mas abaixo de outras obras parecidas, como John Wick e Atômica. Poucas das cenas de ação realmente convencem, com destaque para a ótima batalha final, mas a experiência como um todo é satisfatória o suficiente graças à direção de Ilya Naishuller.

O cineasta russo havia mostrado potencial com Hardcore: Missão Extrema (2015), rodado inteiramente em primeira pessoa. Em Anônimo, ele demonstra ainda mais confiança ao enfatizar o quão durão é o protagonista em composições grandiosas, ligadas por montagem dinâmica e divertida, que dão um gostinho de híbrido entre videoclipe e HQ de porradaria.

Better Call Bob

Não há dúvidas: Bob Odenkirk é o verdadeiro destaque de Anônimo

Dentre os vários problemas de tom e ritmo que podem ser discutidos, a única certeza é da habilidade de Bob Odenkirk. O ator é a escolha perfeita para o papel. Por ter construído uma carreira na comédia, seja como roteirista do Saturday Night Live ou ator em programas como How I Met Your Mother, ele transborda carisma e bom humor, porém já demonstrou ter uma gigantesca capacidade dramática como Saul Goodman em Breaking Bad e Better Call Saul.

Anônimo faz uso desses dois lados de Bob Odenkirk, contrastando tanto sua figura de “cara legal” com uma pose de justiceiro que, surpreendentemente, o ator tira de letra. Por ser versado tanto na comédia quanto no drama, é visível que Odenkirk é muito preparado para lidar com toda situação que o filme pede, mas ainda assim se entrega de corpo e alma ao papel. Além das pitadas de humor, os melhores momentos do longa são os que demonstram que o ator claramente se divertiu na hora de tomar socos e ser jogado de um lado para o outro.

O restante do elenco também não faz feio, e conta com alguns nomes de peso – ainda que em participações breves. RZA, o líder do Wu Tang Clan, dá as caras como irmão de Hutch; Michael Ironside, a icônica voz de Sam Fisher na franquia Splinter Cell, interpreta o sogro do protagonista. E toda a família de Hutch, ainda que recebam pouco tempo de tela, se saem bem, demonstrando o claro afastamento entre eles e o patriarca deprimido. Além disso, há certa beleza na figura de Christopher Lloyd, hoje um simpático velhinho de 82 anos, trocando tiros com mafiosos russos, com escopeta na mão e um sorriso na cara.

Anônimo consegue transformar até Christopher Lloyd aos 82 anos em um badass

Um detalhe agradável no elenco é a escolha de russos de verdade para interpretar os antagonistas. Aleksey Serebryakov surpreende como Yulian Kuznetsov, um chefão do crime que sonha em viver uma vida normal e divertida. O mesmo vale para Araya Mengesha como Pavel, o determinado guarda-costas de Yulian. Há várias cenas com diálogos inteiramente em russos, algo que demonstra a origem do diretor Ilya Naishuller. No mesmo ano em que Viúva Negra entrega atores norte-americanos com terríveis sotaques falsos, essa atenção aos detalhes é um alívio para os ouvidos.

Mas, no fim das contas, Anônimo funciona mesmo pela força de Bob Odenkirk. O filme em si é um pouco desconjuntado, sem saber como transitar entre o drama e o humor, e com ação decente, mas morna. No geral, a experiência é agradável e satisfatória o bastante, mas a única impressão duradoura que o longa deixa é de que o seu ator principal deveria assumir o papel de protagonista mais vezes – seja na ação, na comédia ou em obras dramáticas.

NOTA: 3.5/5

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