Cyberpunk além de 2077: Entenda o que significa o gênero

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Cyberpunk além de 2077: Entenda o que significa o gênero

Por Raphael Martins

O barulho que o game Cyberpunk 2077 vem fazendo pela internet afora, para o bem e para o mal, parece ter despertado nas pessoas um interesse repentino na estética Cyberpunk, tornando-a popular novamente depois de muito tempo, de uma forma parecida ao que o primeiro filme da série Piratas do Caribe fez com piratas e bucaneiros. De repente, o mundo está redescobrindo o gênero, entrando em contato com outras obras e até adotando sua filosofia e estilo de vida.

Mas o que exatamente é o Cyberpunk? Como se originou? Estamos caminhando para este futuro ou já chegamos nele há muito tempo e nem percebemos? Não se preocupe, explicamos tudo aqui!

O que é Cyberpunk?

O Cyberpunk é subgênero da ficção científica que vai contra as ideias de iluminismo, otimismo e utopia presentes em obras como a franquia Star Trek, por exemplo, representando uma total ruptura da ficção científica padrão. Sua principal característica é a crítica ao capitalismo sem controle, a dominância das grandes corporações sobre as pessoas e a dependência do ser humano com relação às máquinas, que os faz transcender seus limites, mas também os dessensibiliza e separa. No Cyberpunk, a alta tecnologia e a miséria andam lado a lado, com computadores e inteligências artificiais se tornando cada vez mais avançados enquanto a humanidade definha nas mãos de si mesma, moralmente e como sociedade.

O termo foi cunhado pela primeira vez pelo escritor Bruce Bethke em 1980, o utilizando para batizar seu conto, que só foi publicado em 1983. Essa nomenclatura foi abraçada pelos fãs do gênero, se aplicando aos trabalhos de escritores como William Gibson, Bruce Sterling, Michael Swanwick, dentre outros. Apesar de ter se popularizado na década de 80, suas origens vem dos anos 60, sendo obras como A Fundação, de Isaac Asimov, e Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Phillip K. Dick, alguns dos primeiros exemplares do estilo, que começava a tomar forma.

A narrativa das histórias costuma se passar em grandes metrópoles futuristas, lindas e cheias de cores e luzes neon na superfície, mas castigadas com pobreza e crime quando se olha mais de perto. A corrupção está em todo lugar, e apenas os mais fortes, inteligentes ou cínicos sobrevivem e prosperam.

Poluição, tecnologia e decadência social: tudo isso é Cyberpunk

O mundo Cyberpunk

A noção de mundo e até universo apresentada nas obras deste gênero não poderiam estar mais distantes das ficções científicas cheias de esperança e luz. O mundo Cyberpunk é sujo, sombrio e sinistro, onde grandes corporações e alta tecnologia fazem parte de todos os aspectos da vida humana, moldando suas personalidades, dominando suas ações e doutrinando seus pensamentos. Governos mundiais caíram ou servem apenas como fachada para grandes conglomerados industriais, os verdadeiros detentores do poder, que seguram as rédeas do mundo.

É neste cenário que somos apresentados aos protagonistas dessas histórias, geralmente pessoas marginalizadas, hostilizadas e endurecidas por uma vida de miséria e sofrimento. Comumente se tratam de hackers ou ciborgues, humanos com máquinas implantadas em seus corpos, tão habilidosos quanto desprivilegiados, sem outra alternativa a não ser abraçar uma vida de transgressões e crimes para sobreviverem. E é com essas habilidades que eles lutam como podem contra o poder vigente, se utilizando das mesmas máquinas que os governam para contra-atacar seus dominadores humanos, seja invadindo e destruindo seus sistemas ou vandalizando propriedade privada, o que pode descambar para um conflito armado.

Essas megacorporações da ficção Cyberpunk são uma metáfora e crítica direta às grandes empresas da vida real, que de tão entranhadas na sociedade acabam por ditar a vida da população. Outros alvos de crítica são a corrupção nos governos mundiais, a vigilância tecnológica e a alienação humana diante desta tecnologia, todas coisas que acontecem diariamente ao redor do mundo com uma naturalidade assustadora para quem não quer viver no mesmo mundo que os personagens desse tipo de obra.

O mundo Cyberpunk é corrupto e opressor, mas há quem lute contra

A vida imita a arte

A preocupação dos autores de obras Cyberpunk com um futuro sombrio e tecnológico não é nem nunca foi infundada. Paisagens urbanas artificiais cheias de cores, telas gigantes e tecnologia de ponta, mas também pobreza, são um cenário comum em países como China, Hong Kong e Dubai, controlados por regimes totalitários aliados a megacorporações.

As ruas de Ghost in the Shell e Blade Runner, por exemplo, foram fortemente inspiradas pela noites de Hong Kong e Pequim, cheias de estruturas tecnológicas brilhantes, quase como monumentos do mundo moderno. A Cidade murada de Kowloon, em Hong Kong, conhecida por ter fios espalhados por toda parte, por viver às margens do governo e por possuir suas próprias leis não escritas, as famosas “leis da rua”, também conta como um pedacinho do Cyberpunk no mundo real.

Fãs mais dedicados do gênero também levam a filosofia de oposição às corporações e ao governo para suas vidas, alguns até demais, usando de tecnologia para atacar figuras públicas e expor segredos industriais. Já os menos extremos adotam o estilo estético Cyberpunk em seu vestuário, misturando um estilo urbano e futurista cheio de acessórios e gadgets tecnológicos para enfatizar sua ligação profunda com as máquinas, quase como ciborgues da vida real.

Essa estética também se estende à música: os gêneros RetroWave e SynthWave, compostos principalmente por sintetizadores e feitos de forma totalmente eletrônica, ganham mais fãs a cada dia que passa, usando seu “futurismo retrô” para se tornarem cada vez mais populares entre o público jovem, sejam eles conhecedores do Cyberpunk ou apenas fãs dos anos 80 com saudades do que nunca viveram.

Imagem verdadeira de uma noite em Hong Kong: o Cyberpunk é mais real do que se imagina

Obras recomendadas

Cyberpunk 2077 reacendeu o interesse do público pelo gênero e muitos passaram a procurar outras obras nesse estilo para aproveitarem ainda mais essa experiência e estética, nascendo aí novos fãs. Se você é uma dessas pessoas, se liga nessas indicações:

Neuromancer

Escrito em 1984 por William Gibson, um dos maiores autores do gênero, Neuromancer é um dos mais famosos e influentes romances Cyberpunk. O livro contra a história de Case, um ex-hacker (ou Cowboy, como eles são chamados naquele mundo) que tenta roubar seus chefes criminosos e é envenenado por eles, ficando impossibilitado de se conectar às máquinas via rede neural. Para recuperar sua vida, ele é então obrigado a trabalhar para outra organização criminosa, com uma nova equipe, e o que se segue é uma trama de traição, manipulação e surpresas.

Blade Runner, O Caçador de Andróides

Lançado em 1982 e estrelado por Harrison Ford, Blade Runner é um dos exemplos mais conhecidos da estética Cyberpunk, seja no cinema ou em qualquer outra mídia. O filme, inspirado no conto Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Phillip K. Dick, mostra uma semana na vida de Rick Deckard, um caçador de replicantes com mais uma missão para cumprir. Enquanto busca pelos criminosos, ele redescobre o que significa ser humano, enxergando vida e humanidade nas máquinas e descobrindo sua própria capacidade para amar. Este também é um dos melhores trabalhos do diretor Ridley Scott, que ganha ainda mais força com a trilha sonora do lendário compositor Vangelis.

Syndicate

Lançado em 1993, Syndicate é um game de estratégia tática de visão isométrica ambientado em um futuro sombrio onde grandes corporações dominam tudo e todos. O jogador controla uma equipe de agentes assassinos, pessoas comuns transformadas em ciborgues sem escolha ou livre-arbítrio, mandados por um conglomerado comercial a um país distante para conquistá-lo. Em seu caminho, está a polícia e agentes de outras corporações, que querem a mesma coisa. Ganhou uma nova versão em 2012, na forma de um game de tiro tecnológico e frenético.

Deus EX

A série de games Deus Ex também é um excelente exemplo da estética Cyberpunk transportada para os jogos eletrônicos. Todos os clichês do gênero estão lá: as megaempresas do mal, o protagonista ciborgue capaz de controlar máquinas, a luta contra a opressão dos poderosos e por aí vai. O exemplar mais atual da franquia, Deus Ex: Mankind Dividedse aprofunda ainda mais neste conceito, apresentando um mundo onde humanos normais e aprimorados mecanicamente vivem segregados, quase que num Apartheid futurista, o que leva a um novo tipo de tensão racial, devidamente orquestrada por quem está no poder.

Snatcher

Escrito e dirigido pelo renomado Hideo Kojima, criador da franquia Metal Gear, Snatcher é uma genuína experiência Cyberpunk e um dos melhores exemplares do gênero nos games. Na trama, você controla o agente especial Gillian Seed, membro de uma força-tarefa dedicada a caçar e destruir Snatchers, seres igualmente orgânicos e mecânicos que matam pessoas e as substituem, passando desapercebidas pela sociedade. O jogo é extremamente popular no Japão e tem um séquito fiel de fãs no ocidente.

Akira

Akira, de Katsuhiro Otomo, é uma das obras Cyberpunk produzidas no Japão mais populares do mundo. A história se passa em Neo-Tóquio, uma versão futurista e distópica da capital japonesa, totalmente em colapso e dominada por gangues. É nesse cenário que Kaneda, um jovem delinquente membro de uma gangue de motoqueiros, e Tetsuo, seu melhor amigo, se veem em lados opostos em uma trama sobrenatural e um tanto psicodélica envolvendo experimentos humanos e o governo, que guarda segredos sinistros sobre a hecatombe que se abateu sobre o país décadas antes. Obra mais que recomendada para qualquer fã de anime.

Ghost in the Shell

Nesta outra grande obra Cyberpunk japonesa, acompanhamos as missões da agente Motoko Kusanagi, cujo corpo tem tantas partes biônicas que ela mal se sente humana, perdendo cada vez mais esse seu lado a cada vida tirada. Ordenada a capturar um hacker conhecido como “Mestre das Marionetes”, capaz de invadir sistemas eletrônicos e dominá-los, ela encara sua própria existência e se pergunta se ainda tem uma alma para chamar de sua. Ganhou uma versão com atores em 2017, estrelada por Scarlett Johansson.

Cyberpunk 2020

Cyberpunk 2020 é o RPG de mesa que deu origem ao game Cyberpunk 2077. Todos os clichês desse gênero podem ser explorados, como gangues de ciborgues facínoras, megacorporações malignas, arranha-céus de neon, próteses robóticas no copo e por aí vai. Com uma mecânica de combate simplesmente brutal, este é um RPG ideal para várias campanhas emocionantes, sendo uma excelente opção para aqueles que quiserem ter uma experiência futurista e distópica.

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