[CRÍTICA] Mulan tem muitos problemas e a falta de Mushu não é um deles…

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[CRÍTICA] Mulan tem muitos problemas e a falta de Mushu não é um deles…

Por Gus Fiaux

Desde que foi anunciado, o remake live-action Mulan tem dividido a opinião dos fãs. Embora muitos estivessem ansiosos com a possibilidade de ver essa clássica história sendo contada novamente, uma boa parcela do público ficou enfurecida com as notícias em relação às mudanças ao desenho original – por exemplo, nada de Mushu, nada de Li Shang e nem das canções originais.

A proposta da diretora Niki Caro era fazer um filme de guerra mais “realista”, focado em explorar as virtudes e a vida de uma das personagens mais lendárias do imaginário asiático. Agora, o filme finalmente foi lançado no Brasil, através do Disney+ e pudemos conferir um pouco dessa nova aventura que, honestamente, decepciona – mas não pelos motivos que vocês imaginam…

Ficha Técnica

Título: Mulan

 

Direção: Niki Caro

 

Roteiro: Rick Jaffa, Amanda Silver, Elizabeth Martin e Lauren Hynek

 

Ano: 2020

 

Data de lançamento: 4 de dezembro (Disney+)

 

Duração: 115 minutos

 

Sinopse: Uma jovem mulher chinesa precisa se disfarçar como um homem guerreiro para salvar a honra de seu pai.

Mulan tem muitos problemas e a falta de Mushu não é um deles…

Muito tem se falado, nos últimos cinco anos, em como os filmes de super-heróis têm “destruído” o cinema e a cultura pop. Por um lado, a maior parte dessas críticas é rasa e parte de uma discussão tão velha quanto a própria nona arte, que envolve a explosão e eventual saturação de algum gênero específico. No entanto, se pararmos para observar de perto, filmes recentes como Scooby! O FilmeJovens Bruxas: Nova Irmandade e, agora, Mulan, têm tido diversos problemas por tentarem replicar fórmulas de sucesso visto na Marvel e na DC.

Pode parecer uma forma meio bizarra de abrir essa crítica, mas a realidade é que o remake de Mulan é bem mais uma tentativa de fazer um filme de super-herói do que reimaginar o conto clássico da lendária guerreira chinesa. Como isso acontece? Bem, chegaremos lá. Mas para começar nosso percurso, preciso admitir que o longa de Niki Caro foi injustamente bombardeado antes de seu lançamento por críticas completamente superficiais.

Quando foi anunciado que o longa seguiria diversos aspectos próprios e não traria muitos elementos da animação de 1998, como Mushu, Li Shang e as canções originais, muitos fãs entraram em polvorosa, dizendo que não havia sentido produzir um filme que fosse diferente do original. Em defesa do longa de 2020, a maior força de Mulan está justamente em evitar comparações com uma produção tão icônica e insuperável. Fosse igual ao filme original, acabaria tendo os mesmos problemas que o controverso remake realista de O Rei Leão, lançado no ano passado.

Com suas duas horas de duração (em contraste à uma hora e meia da animação), o novo Mulan tenta dar um maior aprofundamento à sua personagem principal, ao mesmo tempo em que subverte as expectativas, criando batalhas intensas e uma nova trupe de personagens que acompanha à guerreira em sua provação para salvar toda a China. Até aí, não há problema algum e o filme até se sai bem enquanto honra clássicos do gênero de artes marciais, como O Tigre e o Dragão O Clã das Adagas Voadoras.

Por outro lado, ele escolhe um caminho turbulento para desenvolver sua protagonista desde a cena de abertura. A animação original, com todos os seus problemas em relação à representação da cultura chinesa, era uma história sobre uma garota normal que precisa quebrar um grande tabu da sociedade enquanto treina para lutar junto de um exército e salvar a China das mãos de um exército invasor. Aqui, tudo é reduzido a um elemento bem amargo: agora, Mulan é uma super-heroína.

É isso mesmo que você ouviu. Desde a primeira cena, sabemos que ela é uma menina excepcional, que esbanja talentos para a luta e as artes marciais por ter um chi elevado. Para quem conhece um pouco das tradições do oriente, o chi é um elemento muito recorrente em histórias diversas. Contudo, ele é usado aqui como um dom absoluto e inegável que apenas a protagonista e outros personagens seletos possuem e podem sentir.

A princípio, isso pode não parecer um grande problema, mas a consequência dessa decisão é que todo o foco, garradeterminação de Mulan fica em um segundo plano, enquanto ela desvia de ataques poderosos apenas por ter poderes extraordinários. Se, na animação, ela era a melhor guerreira do exército chinês por realmente desejar muito isso e treinar incansavelmente para atingir esse objetivo, o live-action faz com que todo o treinamento da heroína não passe de uma montagem rápida e glorificada, enquanto subtramas são jogadas para encher linguiça.

E meio que, para mostrar que ela não é a única personagem “superpoderosa” nesse mundo, temos uma personagem original, a feiticeira Xianniang, interpretada por Gong Li. É curioso, porque mesmo sendo uma figura inexistente na animação original e tendo um arco dramático bem anticlimático, a bruxa é a figura mais interessante do novo filme, adicionando uma nova camada à jornada de Mulan, especialmente por ser uma espécie de “reflexo oposto” da guerreira.

Ela possui seu próprio arco dramático e é uma figura que dialoga com temas muito atuais, ainda que levante alguns problemas de representação cultural do filme. É uma pena que toda sua jornada sirva apenas como “escadinha” para Mulan, de forma que seu desfecho chega a ser um desrespeito com a própria personagem e toda sua construção na história até ali.

Em quesitos técnicos, o filme é interessante justamente por explorar bem essas homenagens aos longas de artes marciais dos anos 90 e 2000. O trabalho de câmera é bom e flui muito bem entre as várias sequências de ação, e há uma mescla interessante de música que compõe um clima aventuresco muito divertido. Por outro lado, o destaque vai para o figurino e o trabalho de direção de arte, que criam visuais fascinantes e extraordinários no que poderia ter sido um filme bem genérico.

A direção de Niki Caro é boa e consegue dar uma fluidez à narrativa, mesmo que existam problemas de montagem e edição aqui e acolá. Infelizmente, o grande problema está no roteiro, que tenta apelar para o lado “super-heroico” de Mulan sem dar a ela o devido crédito por suas atitudes e decisões. Em nenhum momento, ela parece fazer escolhas difíceis e maduras, já que o filme não consegue perder o ar infantil (mesmo tendo sido planejado como um épico de guerra).

A ausência de Mushu é válida, já que o personagem não combina em nada com a proposta do filme. Ainda assim, a criação original do remake – uma fênix deslumbrante e poderosa – também não se justifica, já que essa figura mal aparece e não tem quase nenhuma função na narrativa a não ser esbanjar efeitos visuais, cores e formas. Além disso, algumas cenas “épicas” soam caretas e sem sentido (como, por exemplo, quando Mulan retira sua armadura e seu capacete, no meio da batalha e vai lutar com o cabelo caindo no rosto e uma roupa que não a protegeria de nenhum golpe).

Em suma, Mulan não é o desastre completo que os fãs esperavam e as mudanças em relação ao desenho original são justamente o que torna esse filme um projeto interessante e independente, que não fica ofuscado pela qualidade do original como outros remakes live-action da Disney. Porém, o filme perde força e traz mensagens equivocadas, que fazem a essência se desgastar em uma história fraca e bem repetitiva, ao transformar Mulan em uma heroína com super-poderes.

Num geral, é o tipo de produção que poderia passar batido se não fosse o “selo Disney” que fará com que muitas pessoas tenham interesse pela história. De modo geral, é um projeto ambicioso, mas que não consegue entregar todas as suas ideias por estar imerso em um modelo já saturado, em prol de uma segurança comercial. De qualquer forma, não vai ser hoje que a Disney vai parar de fazer esses experimentos bizarros com suas animações mais clássicas e famosas…

Abaixo, fique com 10 coisas para notar no trailer do filme:

Mulan está disponível no catálogo do Disney+.